Um (grande) fio sobre o ato de “cancelar” pessoas:
Já há algum tempo o termo “cancelar” me intriga. As últimas confusões envolvendo o carnaval potencializaram o “cancelamento” de pessoas e, por isso, resolvi ler um pouco sobre o tema 👇🏿
Já há algum tempo o termo “cancelar” me intriga. As últimas confusões envolvendo o carnaval potencializaram o “cancelamento” de pessoas e, por isso, resolvi ler um pouco sobre o tema 👇🏿
Lendo a respeito percebi que a “cancel culture” ou “outrage culture” é totalmente incompatível com três matrizes ético-políticas que considero essenciais para superarmos este terrível momento: as tradições afrobrasileiras, as cosmovisões indígenas e a filosofia crítica
Acredito na política como meio de criação e de transformação do mundo. Com a política novos mundos se tornam possíveis, porque é na política que a humanidade revela o seu potencial - gerador ou destruidor - diante das determinações naturais. 👇🏿
A política não é somente o lugar do consenso; é também o lugar do conflito, da agonia e da contradição. É o lugar da luta, do enfrentamento e da crítica. Mas, por apostar na humanidade como invenção, a política é igualmente o lugar da pedagogia 👇🏿
A política nos civiliza, no melhor sentido da palavra. Aprendemos nas esquinas da vida, com erros e acertos, que nossa tarefa é buscar o que temos em comum com o outro, que é diferente, que nos atormenta, que nos atrapalha, mas sem o qual é impossível viver. 👇🏿
Sou professor, advogado e ativista de direitos humanos. Minha existência se apoia na crença de que um mundo melhor é possível. Eu verdadeiramente creio que podemos nos tornar melhores. 👇🏿
Mas não nego o conflito e o enfrentamento. Há situações, pessoas e ideias que devem ser combatidas com extremo vigor. Considero um dever moral lutar contra o fascismo, sem trégua e nem fronteira. Com igual vigor, devemos tratar quem apoia racismo, sexismo e extermínio de pobres👇🏿
Tanto a política como a educação exigem responsabilidade. Por isso, a cultura do cancelamento é a antipolítica por excelência. É a recusa da educação e, mais ainda, do confronto. Seu único objetivo é negar a existência do outro. O cancelamento é o triunfo da irresponsabilidade 👇🏿
O cancelamento não pretende destruir ou mesmo ignorar o outro. O cancelado é boicotado no presente, tem seu futuro inviabilizado e seu passado apagado. Cancelar é produzir um morto-vivo, ou ainda, uma alma penada que habita uma casa arrastando correntes 👇🏿
O gozo do cancelador é de sofrimento, uma pulsão de morte que vem justamente do arrastar de correntes pelo morto-vivo. O cancelado e o cancelador se unificam na irresponsabilidade moral e política 👇🏿
O cancelado quase sempre é alguém próximo ou que se importará com o cancelamento. Maior será o cancelamento (e a performance) se for alguém que tem muitos admiradores. Mas não se pode cancelar os monstros que nos governam porque isso demandaria um conflito político 👇🏿
Desse fio enorme, concluo que não vejo cancelamento compatível com Orixalidade, mas tão somente com pedagogia e/ou enfrentamento dos inimigos até as últimas consequências.👇🏿
Não consigo pensar Seu Arariboia ou Seu Sete Flechas saindo da mata para negar a existência, mesmo do seu maior inimigo, e muito menos de quem pode ser educado. Não vejo os grandes mestres da filosofia abdicando da contradição e se rendendo à impotência politica. 👇🏿
Em algumas comunidades tradicionais quando alguém comete um erro é colocado em uma roda e a comunidade em volta fala de todas as coisas boas que a pessoa fez na vida. A intenção é que se lembre que pode ser melhor e, responsavelmente, com a ajuda da comunidade, repare seu erro 👇🏿
A cultura do cancelamento deve ser cancelada para que o Brasil possa se livrar dessas infiltrações alienígenas que visam a minar o que de melhor e potente nossa cultura produz.
