Thread by @lucasmafaldo

Tem outro aspecto antropológico que explica o ceticismo em relação ao corona. Brasileiro, em geral, não leve gripe muito à sério.

No fundo, as pessoas não acreditam que gripe é uma doença contagiosa. As pessoas pensam que é algo que todo mundo pega e passa quase sozinho.

Parte disso é um pouco de pensamento mágico ("ficou tarde no relento e pegou um resfriado") e também climático. Os ambientes são arejados e as pessoas se infectam mesmo.

Aqui no Canadá o clima e a cultura são bem diferentes em relação à gripe. A gente passa o dia inteiro...

... trancado no mesmo ambiente com dezenas de pessoas (ou com aquecedor ou ar-condicionado). Quando um fica gripado, é questão de tempo até a maior do escritório ficar também.

As pessoas adotam imediatamente uma mudança de hábitos: não apertam mãos, não...

... entram nos cubículos dos contaminados, tapam o rosto para tossir, etc.

Além disso, tem um elemento trabalhista. As pessoas têm "sick days", dias de folgas que podem usar se estiverem doentes, sem apresentar atestados.

Se você sentir um começo de gripe, é RECOMENDADO...

... que você não venha ao trabalho. O chefe até prefere que isso aconteça, porque diminui a taxa de infecção no escritório.

Além disso, esse direito não causa um grande impacto na produtividade das empresas, porque o chefe já calcula que quase todo mundo vai usar um certo...

... número de "sick days". Inclusive, há lugares que incentivam tirar "sick days" para saúde mental, ou seja, só ficar em casa para se recuperar de estresse, problemas, pessoais, etc.

Eles podem ser super-generosos na fiscalização desses dias, justamente porque eles são...

... limitados, tem só um número que você pode usar por ano. Se você precisar ficar mais do aqueles dias, aí você precisa de atestado médico e passar a receber pelo sistema de seguridade social (o que é geralmente um valor BEM menor, o que cria um incentivo paras as pessoas...

... só usarem o sistema em caso de GRANDE necessidade).

No Brasil, temos justamente o contrário. A gripe é vista como não sendo tão séria e normalmente realmente não é tão contagiosa, então as pessoas continuam indo trabalhar porque é o jeito.

Além disso, como os benefícios podem ser generosos demais, dependendo do vínculo de trabalho, há também mais abusos do sistema, o que gera uma situação de desconfiança ("esse cara diz que está doente, mas está vagabundando -- é só uma gripezinha, tem que vir mesmo").

Em suma, a gente nunca acreditou de verdade em gripe e somos poucos colaborativos.

Além disso, acreditamos pouco em abstrações. Os brasileiros são muito sensoriais. A maioria só vai acreditar na gripe quando algum conhecido passar mal na sua frente ou por um vídeo no zap.

Fiz todo o possível para convencer as pessoas do contrário nas últimas sete semanas, mas não adianta. As barreiras culturais são grandes demais. Vamos confiar no clima e no sistema imunológico da população para resolver essa bronca.

Era para ser: "no BR, as pessoas se infectam MENOS". Ou seja, nossa cultura tem um pouco de lógica. O ambiente nos pressionou menos até agora.