Thread by @louverture1984

Papo de quarentena: um novo consenso global está se formando.

No capitalismo, tal como ele existe hoje, não nos salvaremos da epidemia.

Não quer dizer, claro, que o capitalismo será abolido. Pelo contrário, é sinal de que ele pode ser reforçado por outros meios - ou seja, com a forte intervenção do Estado.

Mas sem freiar a irracionalidade inerente das economias de mercado, morreremos.

"Puxa, mas de onde vem tanta besteira"?

Da China.

A China, epicentro do vírus, viu a sua disseminação acontecer em meio ao maior surto de desenvolvimento industrial da história da humanidade.

A China come a Revolução Industrial inglesa com farofa, convenhamos.

E não tem como negar: foi um desenvolvimento capitalista. Podem comparar com a NEP (uma comparação equivocada), mas a verdade é que o capital se beneficiou da abertura chinesa.

David Harvey sinaliza isso com perfeição em vários livros, em especial no "A loucura da razão econômica", deixando claro a "coincidência" de datas entre o neoliberalismo e a abertura do socialismo de mercado chinês.

Não significa que a China virou neoliberal, longe disso. Mas é uma confluência de ritmos de desenvolvimento do capital: enquanto no "Ocidente" figuras como Thatcher e Reagan retiraram as amarras ao capital que existiam antes e ele encontrou nas ZEEs chinesas...

...um espaço para florescer - e justo numa sociedade onde o trabalho estaria sob rígida disciplina e controle, efetivada pelo PCCh.

Essa idiossincrasia permitiu que o impressionante desenvolvimento chinês estivesse atrelado ao capital.

Mas tem uma pegadinha aí: no momento em que o vírus explode, o movimento do PCCh foi justamente abolir provisoriamente o capital na cidade de Wuhan. Todos os cidadãos passaram a receber comida em casa, todos os serviços econômicos foram suspensos.

Ou seja, foi uma saída não-capitalista para uma crise gerada pelo capitalismo - ainda que com o fim último de tentar retomar uma normalidade capitalista.

Parece confuso? E é.

E é essencialmente pensar o tipo de paradigma que está sendo criado:

Ou seja, de que o Estado pode suspender as relações capitalistas se elas tiverem colocando em risco a vida das pessoas.

Esse é o paradigma por trás de Greta Thunberg e seu movimento, bem como do New Green Deal, de Sanders e AOC.

Até então, achávamos que tal pensamento era utópico.

Mas depois de 2020, essa é a única resposta possível DENTRO do capitalismo.

Mas e fora dele?

Bom, essa é uma questão para o futuro...mas sou da ideia de que quanto mais o paradigma de abolição temporária do capitalismo estiver em voga, mais espaços "fora dele" serão consolidados.

Pode ser otimista demais, mas é tentar ver um sentido nessas contradições todas que seja baseado no bem comum. E a economia de mercado nunca foi sobre o que é comum, ela é só sobre o que é privado.

Que seja destruída o quanto antes. Para garantir a nossa própria salvação.

Em tempo: minhas ideias tão ficando cada vez mais parecidas com a do Erik Olin Wright nesse ponto.

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