Oi pessoal! Hj o causo vem mais cedo e em um formato diferente. Fui falar com a Tia Denise sobre o que ela lembra daquela época e as coisas foram mais intensas do que eu pensava. De qqqlr forma, a história de hj vai para a @veiadoscausos, musa e muso dessa rede!
Para quem não leu as demais histórias, elas estão organizadinhas no tweet fixado ali de cima. Fui falar com a Tia ontem. Duas quadras daqui, tempos que não ia. Chegando lá, encontrei ela sentada na frente do pequeno prédio de 3 andares onde mora há tempos.
Me senti mal, ñ a via faz tempo, e estava fazendo visita agora por investigação de causos. Ela já é mais velha, cega. Prometi que vou tentar dar mais atenção, na medida do possível. Surpresa: toco o interfone, já fui recebida com uma gargalhada: "Teu vô me disse q você vinha!"
Tia mora há mt tempo nesse prédio, ajudada por vizinhos e com uma pequena pensão. Sempre participou das festas da família junto com uma moça mais velha, que achei ser A MÃE, falecida há certo tempo. Descobri agora que era, na verdade, a IRMÃ dela, casada com o patrão da fazenda
Cheguei na parte de fora do prédio e ela logo apareceu na janela. Conversamos assim, por causa da pandemia. Ficamos falando um tempo da vida, se ela precisava de algo .. Tia Denise é muito faladeira e alegre - até a hora em que começamos a falar do sítio.
"O teu avô falou do Maninho, não?", disse ela citando o menino do causo anterior. "Foi por conta disso que nóis veio fugida da fazenda. Nunca mais coloquei os pés lá. Eu falei para seu avô não voltar, mas ele não me deu bola"
Eu disse que se ela não quisesse contar, não precisava. Ela se aprumou na janela e chegou mais pra perto. Ela usa um óculos escuros grande, acho fofo. "Fia, vou pensar... O que aconteceu lá, naquela fazenda, naquela casa, é coisa que ngm explica"
"Passamos a vida sem comentar o que vimos naquela casa. O teu vô só tá vivo pelas rezas da sua avó".
Engoli em seco e perguntei se o que meu avô anda me contando era verdade mesmo ou se coisa de véio doido.
"Seu velho não sabe da metade do que aconteceu"
Combinamos que voltarei lá essa semana e ela vai me contar, desde que eu "guarde as palavras com cuidado e convença meu vô a nunca mais pisar naquelas terras".
Para não perder a viagem, ela resolveu me contar um causo da época em que ainda morava lá...
Ela ouviu essa história de um trabalhador sazonal da fazenda. Como disse, durante a época de colheita, aquilo ficava lotado, vinha gente de outros estados trabalhar. Vinham como podiam, ônibus, carroceria de caminhão, carona ... Chegavam até a cidade mais perto e de lá se virava
Esse caboclo tinha saltado na cidade e ñ encontrou jeito de ir para a fazenda. Ela ficava distante, de carroça umas 5 horas mato a dentro. Resolveu ir andando pela estrada de terra, na certeza que, com todo movimento de gente, uma hora passaria alguém para oferecer carona...
Andou por algumas horas, chão batido, ao redor matagal. De vez em quando passava alguém de cavalo e era isso. Em determinado momento, uma carroça parou e ofereceu carona. Sem nem olhar para dentro, ele aceitou, pulando e se acomodando na parte detrás do veículo.
Ao sentar, achou esquisito. Na parte da frente, guiando o cavalo, de costas para ele, uma homem bem velho. Reparou pelo cabelo grisalho e uma corcunda. Atrás, três pessoas, chamando bastante atenção: duas mulheres e, no meio delas, um homem. Image
"Caboclo achou curioso. As duas mulheres eram mais brancas que areia de praia do Rio de Janeiro. Cabelos louros e mt cacheados. Usavam as duas vestido iguarzim: vermelho mt forte com umas manchas brancas. Davam risadinhas e não paravam de abraçar, cada uma de um lado, o homem."
Tia Denise continua "O homem estava com um chapéu e, como se mantinha olhando pra baixo, só dava para ver um pedaço do rosto. Usava uma casaca branca com muitos detalhes, espalhados, em vermelho". As roupas eram o oposto das mulheres, que bjavam seu pescoço e abraçavam sem parar
O caboclo ficou olhando para aquela cena. De vez em quando uma mulher cochichava algo no ouvido do homem, que balançava a cabeça, parecendo concordar. A mulher logo dava uma risadinha, olhando pra ele. A estrada, batida de terra, dava seus saculejos, e o caboclo se segurando....
A cena continuou por alguns minutos quando a carroça parou de novo: mais um caroneiro. O rapaz subiu e sentou do lado do caboclo. Fedia a cachaça e começou a fazer gracejos pra todos. As meninas abraçavam o homem e continuavam dando beijos no pescoço, além das risadinhas....
Apesar de estar meio bebum, o rapaz logo parou de falar, olhando atentamente para o trio, mt sério. Foi ele mudar de postura que as duas mulheres, ainda abraçando o homem, passaram a olhar fixamente para ele. O caboclo já não entendia mais porcaria nenhuma.
O clima ruim continuou, até que a carroça diminuiu a velocidade para atravessar um pequeno córrego, quase seco naquela época do ano. Foi o veículo diminuir a tração que o bebum, puxando o caboclo pela gola da camisa, pulou pra fora. "Corre, em nome de Nossa Senhora, corre, homem"
O caboclo não entendeu nada - mas pelo susto ou pela situação esquisita, resolveu correr. Disse que se embrenharam no mato, ralando as pernas, correndo sem destino por minutos. O susto foi tão grande que deixou suas coisas na carroça.
O caboclo disse que ouviu, no caminho da correria, as mulheres gritando com raiva e que continuou escutando elas por um bom tempo. Quando finalmente pararam, sabe-se lá onde, ele conseguiu perguntar para o bebum o que tinha acontecido
"Oxi, cabra, você não viu? O homem tava morto, camisa todinha com mancha de sangue. A carroça balançava e quase derrubava o corpo - mas as duas segurava ele.
O próximo era você".
Passaram a noite no mato, só chegando no dia seguinte na fazenda. FIM
Essa conversa com Tia Denise vai ser boa gente - mas me colocou algo na cabeça. Quando as histórias acabarem eu vou pegar o carro e vou lá de novo, naquela fazenda, ver o que encontro.
@veiadoscausos @mamaisou @relatodeterror @tantotupiassu

• • •

Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh
 

Keep Current with Bárbara Garcia

Bárbara Garcia Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

PDF

Twitter may remove this content at anytime! Save it as PDF for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video
  1. Follow @ThreadReaderApp to mention us!

  2. From a Twitter thread mention us with a keyword "unroll"
@threadreaderapp unroll

Practice here first or read more on our help page!

More from @NossoLeste

14 Dec
Sabiam que Islâmicos na idade média eram chegados em astrologia? E que previam um monte de caos durante eclipses, como o de hoje?
O professor @aaolomi é A autoridade sobre isso e explicou como podemos ver o fenômeno celeste de hj pelos olhos dessa comunidade no passado. Image
Para início de conversa, o norte da África e o Oriente Médio tinham, na Idade Média, interpretações sobre os astros e o futuro que influenciaram bastante a Europa. Para vocês terem uma ideia, os signos são os mesmos! Image
Sagitário (signo de hj!), por exemplo, é chamado de Al Qaws. Seria um signo de fogo, governado por Júpiter, com um corpo duplo e marcado por raciocínio rápido. Image
Read 6 tweets
2 Dec
Oi pessoal! Hoje é dia 2, dia de causos africanos e suas influências pelo mundo.
Vou contar hoje uma história narrada por meu professor Marcos Alvito da UFF. A pergunta dele é deliciosa: seriam os gregos antigos macumbeiros?
Quando a gente pensa na relação da Europa com a África na modernidade, a tendência é sempre da dominação desta por aquela. Os horrores do colonialismo contemporâneo, contudo, são só a ponta do iceberg de um loooongo processo de interação e cruzos.
O Marcos tenta, então, citar inúmeros causos em que gregos antigos parecem fazer quizumbas, feitiços e práticas sagradas que lembram bastante mandigas norte africanas, também replicadas por aqui. Sócrates era chegado numa macumba, garante o professor.
Read 13 tweets
22 Nov
Oi gente! Hj eu quero falar de gênios, sincretismo e de uma mulher-aparição que perseguia espanhóis colonizadores no norte da África.
Quando a gente fala dessa região, se trata de um espaço com grande hibridismo: ali, o Islã encontrou religiões locais e rolou uma mistura boa.
Isso é interessante por que a gente às vezes acha que o Islã é uma religião monolítica ou que só aqui no Brasil nós tivemos práticas religiosas sincréticas. Que nada! Nas minhas pesquisas eu até achei pai de santo muçulmano na Nigéria (juro!).
Uma materialização desse encontro do Islã, religião fundada por Maomé no séc VII, e diversas práticas sagradas no norte da África são os Djinns (gênios). Ao que tudo indica, o Islã fagocitou deuses e espíritos locais e transformou eles nesses seres.
Read 14 tweets
20 Nov
Gente, primeiro causo. Escutei essa do Jean, um refugiado do Congo aqui do RJ. Conheci ele na região da Gamboa no início do ano. Ele me contou que essa história está há tempos na família dele, do avô do avô do avô. Da época que os belgas ainda eram colonizadores e senhores de lá.
Diz ele que, na parte sul do país, onde o avô-do-avô-do-avô morava, o administrador era um belga deveras violento. Maltratava e açoitava a todos. Ele adorava dizer, além disso, que não conseguia identificar um congolês do outro, "vocês são todos horrendos e iguais!"
Conta o Jean que um belo dia o ditadorzinho resolveu fazer uma aposta com o povo. Ele se orgulhava de ser um grande corredor, reforçava que os europeus eram uma raça superior. "Apostaremos uma corrida, eu e qualquer um dessa tribo. Se eu vencer, prometo que irei embora"
Read 14 tweets
20 Nov
Queridos, em um dia tão difícil como hj, inauguro meu projetinho: Mosároyê ("senti sua falta", em iorubá). Ele tem como objetivo compartilhar histórias populares, causos e relatos de países da África e do Oriente Médio, usando dessas narrativas para falar mais sobre esses lugares Image
Nos últimos meses, entrevista refugiados, professores, políticos, um monte de gente! Usei whatsapp, skype, telefone ... Fui coletando histórias destes lugares e tentando saber mais sobre eles. Se você gosta dos meus causos, acho que vão adorar o que vou colocar aqui!
Para quem não sabe, sou professor de uma escola pública de Geografia. Meus alunos são, em sua maioria, pretos e pretas. Porém, a quantidade de histórias sobre África e o Oriente Médio são praticamente nulas. Esse é meu esforço, de formiguinha, pra tentar mudar um pouco isso.
Read 7 tweets
26 Jul
Oi gente! Causo novo e, já aviso aos amigos, será um dos últimos dessa história da fazenda. O ponto final está chegando e quero que esse ciclo se feche bonitinho. A história de hj aconteceu no fim da década de 1960, duas semanas antes do meu avô e avó desistirem e se mudarem.
Tia Denise conta que em um determinado momento, ela acha que em abril daquele ano, os "homens" da casa começaram a mandar ela e irmã dormirem assim que o sol se punha. Ela já era deficiente visual nessa época e lembra de ficar sentada na cama por horas até o sono bater.
O que deixava ela mais enervada nessa época é que Maninho, o meio-irmão, começou a andar com um anel gigante na mão esquerda. Ele ia batendo com uma moeda no anel, tec, tec, tec, o dia inteiro. Ela lembra, mesmo sem enxergar, de ouvir aquilo anunciando sua chegada.
Read 15 tweets

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3/month or $30/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!

Follow Us on Twitter!