Thread by @ThomasVConti

Cenário apocalíptico pela Califórnia durante o grande incêndio que ocorre nas florestas. A tecnologia para prevenir incêndios dessa escala é antiga e dinheiro na Califórnia não falta. Então por que os incêndios voltam todos os anos? É mais complexo do que parece. Segue o fio 👇

1) Por que os incêndios acontecem? A maior umidade é no outono-inverno. Durante primavera e verão, falta de chuvas e alta temperatura secam a vegetação e folhas se acumulam no chão. É o combustível do incêndio. Falta só a fagulha.

2) A fagulha. Ela pode ter causas humanas, mas também há causas naturais e incontroláveis, como raios. Não falta combustível, então é previsível e só questão de tempo. Não por acaso muitas espécies da região tem sementes, folhas e raízes adaptadas ao ciclo de incêndios.

2) Como prevenir? Uma opção são queimadas controladas. Queima-se partes selecionadas da vegetação fora da temporada mais seca. Isso reduz o combustível e isola áreas para uma fagulha não queimar tudo de uma vez. Há indícios pré-históricos de uso para evitar grandes incêndios.

3) Mas se isso é conhecido, por que a Califórnia (e também a Austrália) não usam essa técnica para prevenir esses incêndios gigantescos que sabem que vão acontecer todo ano? Esse é o problema central. Não tomem as respostas daqui como definitivas, mas compartilho o que encontrei.

Problema 1: Responsabilização jurídica privada. Na Califórnia, pode-se pedir autorização do CAL FIRE para queima controlada. Porém, assume-se responsabilidade por eventuais danos causados. Como risco é grande e potencial de dano imenso, poucos fazem. fire.ca.gov

Problema 2: Responsabilização jurídica pública. É possível também pedir ao poder público, como o próprio CAL FIRE, para que realize uma queima controlada em uma região. Porém o poder público tb enfrenta responsabilização e ainda tem limitação de pessoal. fire.ca.gov/media/4932/fir…

Problema 3: Autorizações. Existe o risco do fogo prejudicar a visibilidade aérea, portanto seja gov ou iniciativa privada precisam de aprovação da regulação aérea para realizar uma queima controlada. E depende do clima nos dias da queima, o que também não é fácil de acompanhar.

Problema 4: Escala. Em 2018, queimas controladas para prevenir incêndios cobriram 72km². Já a área potencial que poderia ser protegida usando essa técnica é estimada em 80.000km². Tenso! Enquanto isso, em 2020 incêndios DEScontrolados queimaram 1.500km². en.wikipedia.org/wiki/LNU_Light…

Problema 5: Incentivos públicos. Departamento contra incêndios precisa agir contra incêndios descontrolados que ocorrem. Contrata mais agentes no período de seca. Para fazer queimas controladas, teria que atuar fortemente no resto do ano. E não teria pessoal suficiente.

Problema 6: Incentivos privados. Madeireiras e outras empresas privadas poderiam atuar para diminuir densidade de áreas selecionadas e prevenir incêndios. Mas ganho econômico maior está nas árvores maiores, enquanto maior controle de incêndio vem da remoção de vegetação rasteira.

Problema 7: Regulação ambiental. Como grandes incêndios fazem parte do ciclo natural da região, não contam como emissões de gás carbônico por atividade humana para fins de metas ambientais. Já queimas controladas, contam. Vira um incentivo a menos para prevenir grandes incêndios.

Problema 8: Mais regulações ambientais. Além das permissões de controle aéreo para queimas controladas, é preciso também autorização sobre dano ambiental. Conciliar uma aprovação que depende das condições climáticas do dia com outra burocracia ambiental dificulta o processo.

Essas são algumas dificuldades para se prevenir grandes incêndios. Lista não é exaustiva. Em resumo, seria preciso pensar um desenho regulatório mais inteligente que facilite a prevenção e canalizar mais recursos anti-incêndio para antes do período de seca. É Direito e Economia.

Caso alguém queira saber mais, quase todas as informações que coloquei aqui foram retiradas ou do artigo da Nature Sustainability sobre o tema linkado a seguir ou da matéria de divulgação dele. Fim do Fio.
nature.com/articles/s4189…
arstechnica.com/science/2020/0…
nature.com/articles/s4189…