A alternativa mais óbvia (processos, exonerações, ou até acordos de anistia) requer um imenso capital político. Mas é necessário justamente para isolar setores que serviram ao golpe e garantir que eles não possam mais agir na ilegalidade.
Tem também toda a questão do lítio, que é a principal cartada boliviana na economia global hoje. É preciso suspender os contratos do governo Anez, o que significa ter que afirmar sua própria ilegalidade.
Isso posto, a deputada será presa? Responderá na Justiça sobre seu papel no golpe?
E a Justiça? Vai se organizar uma Justiça de transição? O Judiciário será o mesmo que chancelou o golpe em Morales?
Enfim, não tenho as respostas dessas coisas, mas espero que o MAS e as forças democráticas estejam já refletindo sobre.
E volto a insistir: a gente precisa começar a pensar nessas coisas.
Esse papo de "primeiro a gente tira o ciclano" não tá errado, mas uma estratégia democrática requer pensamento em médio prazo.
PS: odeio o corretor do celular. Era "todo o fio". 😬
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Sobre influencers na história, queria dividir um "causo" aqui:
Era 2013, eu dava aula em duas escolas particulares enquanto estava no doutorado. Entre trabalho, pesquisa e deslocamentos, todo dia era umas 10-12h fácil.
Certo dia eu chego numa turma de segundo ano e um dos alunos, que gostava de mim inclusive, chega com o Guia Politicamente Incorreto, do Narloch, perguntando o que eu achava.
Não entrei de sola, mas falei que menosprezava qualquer publicação que dissesse que eu ensinava errado meus alunos.
O guri seguiu insistindo, até que um colega dele se irritou e falou: "mas cara, tu acha que o sôr tá mentindo pra ti, é?"
É um bom debate, mas faço a ressalva, de historiador, que isso é também um projeto de construção de memória.
O capitalismo da ditadura foi campeão mundial em acidente de trabalhos, como bem aponta e analisa a minha colega, Ana Beatriz Silva: periodicos.ufsc.br/index.php/mund… .
Uma boa hipótese para pensar aí é comparar com outras ditaduras latino-americanas, como Chile e Argentina, para ver se há semelhante nostalgia popular de "emprego e segurança" que se criou no Brasil.
Mas meu ponto é que a ditadura foi mobilizada por uma série de candidatos e jornais nos anos 80 e 90 como referenciais nesses campos, apagando assim a memória coletiva e traumática de uma superexploração da força de trabalho.
Todo o respeito a historiadores que estão lá, voltando às fontes do período ptolomaico no Egito para discutir se Cleópatra era negra ou não.
Mas vocês sabem que o debate sobre racialização tem menos a ver com a antiguidade e mais com a contemporaneidade, né?
A racialização das representações históricas é um jogo praticado na era Moderna europeia e que se torna fundamental para a construção de branquitude ocidental desde a ópera Aida, de Verdi.
Cito essa ópera porque talvez ela tenha sido a primeira representação branca do Egito Antigo na cultura de massas europeia (se é que dá para ler a ópera como cultura de massa), mas vá lá.
8 anos depois da apresentação da peça, em pleno Egito em 1871, o Pashá Ismail, ainda disse:
"Puxa, mas como você pode reivindicar a Revolução Chinesa, olha o tanto de gente que morreu".
(alerta de gatilho)
Bom, é complexo. Eu reconheço que os erros cometidos ao longo da Revolução são terríveis, com alto custo humano. Mas reconheço também que...
...a situação da China, sem revolução de 1949, era muito pior. O quão pior?
Bem, só para tocar na questão da fome. É consensual para o próprio governo chinês que a política desastrosa do Grande Salto Para Frente matou 20 milhões de pessoas.
Mas as cifras variam conforme o método dos historiadores. Frank Dikköter, por exemplo, estima em 45 milhões - mas é acusado de inflar os números com estatísticas pouco ou nada confiáveis. Yang Jisheng fala em 36 milhões, mas há desconfiança também: sci-hub.st/https://www.js…
Eu tenho minhas dúvidas, mas preciso ler o livro. Por que?
Porque acredito que indústrias culturais massivas são indisputáveis. Televisão, cinema, música, quanto mais se afunilam em marcas e conglomerados, parece que menos margem de manobra para o trabalho criativo surge.
No caso dos games, contudo, tem algo que me chama atenção. Os desenvolvedores por vezes se chamam (ou são chamados, não sei) de artistas. E isso é a defesa de um trabalho artesanal, no seu sentido pré-capitalista.
Esse trabalho artesanal é, ou deveria ser, uma bandeira dos socialistas. De que o trabalho possa ter seu tempo de realização e que ele valha justamente pelo tempo do artesão. Retomar algo que está em sociedades ancestrais, que o tempo do trabalho é o tempo do esmero, da busca...
Engraçado que em todo debate que me posicionei contra a volta às aulas, muito "sommelier de pobre" me acusou de elitismo, afinal, os trabalhadores mais pobres não teriam com quem deixar os filhos.
Tanto a matéria como as reflexões do Thiago evidenciam que as coisas não são tão simples. E permitem questionar se a defesa do retorno às aulas presenciais é uma posição de classe.
Aliás, seria importante racializar esses dados... Porcentagem de brancos e negros a favor do retorno presencial corresponde à divisão por renda? Lembrando que...