Sobre influencers na história, queria dividir um "causo" aqui:
Era 2013, eu dava aula em duas escolas particulares enquanto estava no doutorado. Entre trabalho, pesquisa e deslocamentos, todo dia era umas 10-12h fácil.
Certo dia eu chego numa turma de segundo ano e um dos alunos, que gostava de mim inclusive, chega com o Guia Politicamente Incorreto, do Narloch, perguntando o que eu achava.
Não entrei de sola, mas falei que menosprezava qualquer publicação que dissesse que eu ensinava errado meus alunos.
O guri seguiu insistindo, até que um colega dele se irritou e falou: "mas cara, tu acha que o sôr tá mentindo pra ti, é?"
Corta essa cena.
Porque umas semanas depois, na outra escola, na região metropolitana de Porto Alegre, outro aluno (que também gostava de mim) vem me mostrar uma revista que ele comprou, a "Mundo Estranho".
Era uma edição com um Dom Pedro I amalucado na capa e que anunciava tudo aquilo...
...que os professores de história "não contavam". Na mesma toada do Guia do Narloch, havia ali uma série de posições problemáticas e sem contextualização alguma. As fontes usadas, que nada mais eram do que historiadores que professores lêem na universidade, revelariam...
...a verdadeira história (que não é a mesma ensinada em aula).
Eu agradeci, achei legal, mas fiquei pensando na coisa de em momentos diferentes, mas próximos, começarem a surgir tantas publicações com esse intuito de desmentir e deslegitimar os professores.
Fico aterrorizado ao ver que hoje há todo um gênero de vídeos no YouTube só com essa proposta. Não se trata de debater, ou mesmo de convidar professores para falar de um tema. Se trata de apontar o dedo na nossa cara e chamar de mentiroso, mas com uma linguagem irreverente.
Quem já viu textos do @DemianBezerra sobre isso (um dos nossos principais pesquisadores sobre revisionismo e negacionismo) sabe que isso foi uma iniciativa editorial conservadora nos EUA e que aqui reproduzimos a medida por meio de editoras de peso.
O tempero especial parece ser justamente a transição, entre algo específico de um mercado editorial que encontrou um nicho anti-professores (e que rapidamente se tornou best-seller) para uma plataforma de mídia que é o paraíso dos conservadores, como o YouTube.
O que Castanhari, Narloch, Olavo de Carvalho e afins fazem não é fruto de debate, ao meu ver, se tem valor historiográfico.
Pois o que precede essa discussão é o ódio ao professor, como o prof. Fernando Penna já reafirmou em seus textos.
Sem entender isso, a gente não entende o apelo dessa galera. Eles falam com um sentimento profundamente enraizado na sociedade brasileira que é o anti-intelectualismo e o ódio ao professor. Eles podem até ter lados diferentes, mas o ódio aos professores os une, podem ter certeza.
• • •
Missing some Tweet in this thread? You can try to
force a refresh
A alternativa mais óbvia (processos, exonerações, ou até acordos de anistia) requer um imenso capital político. Mas é necessário justamente para isolar setores que serviram ao golpe e garantir que eles não possam mais agir na ilegalidade.
Tem também toda a questão do lítio, que é a principal cartada boliviana na economia global hoje. É preciso suspender os contratos do governo Anez, o que significa ter que afirmar sua própria ilegalidade.
É um bom debate, mas faço a ressalva, de historiador, que isso é também um projeto de construção de memória.
O capitalismo da ditadura foi campeão mundial em acidente de trabalhos, como bem aponta e analisa a minha colega, Ana Beatriz Silva: periodicos.ufsc.br/index.php/mund… .
Uma boa hipótese para pensar aí é comparar com outras ditaduras latino-americanas, como Chile e Argentina, para ver se há semelhante nostalgia popular de "emprego e segurança" que se criou no Brasil.
Mas meu ponto é que a ditadura foi mobilizada por uma série de candidatos e jornais nos anos 80 e 90 como referenciais nesses campos, apagando assim a memória coletiva e traumática de uma superexploração da força de trabalho.
Todo o respeito a historiadores que estão lá, voltando às fontes do período ptolomaico no Egito para discutir se Cleópatra era negra ou não.
Mas vocês sabem que o debate sobre racialização tem menos a ver com a antiguidade e mais com a contemporaneidade, né?
A racialização das representações históricas é um jogo praticado na era Moderna europeia e que se torna fundamental para a construção de branquitude ocidental desde a ópera Aida, de Verdi.
Cito essa ópera porque talvez ela tenha sido a primeira representação branca do Egito Antigo na cultura de massas europeia (se é que dá para ler a ópera como cultura de massa), mas vá lá.
8 anos depois da apresentação da peça, em pleno Egito em 1871, o Pashá Ismail, ainda disse:
"Puxa, mas como você pode reivindicar a Revolução Chinesa, olha o tanto de gente que morreu".
(alerta de gatilho)
Bom, é complexo. Eu reconheço que os erros cometidos ao longo da Revolução são terríveis, com alto custo humano. Mas reconheço também que...
...a situação da China, sem revolução de 1949, era muito pior. O quão pior?
Bem, só para tocar na questão da fome. É consensual para o próprio governo chinês que a política desastrosa do Grande Salto Para Frente matou 20 milhões de pessoas.
Mas as cifras variam conforme o método dos historiadores. Frank Dikköter, por exemplo, estima em 45 milhões - mas é acusado de inflar os números com estatísticas pouco ou nada confiáveis. Yang Jisheng fala em 36 milhões, mas há desconfiança também: sci-hub.st/https://www.js…
Eu tenho minhas dúvidas, mas preciso ler o livro. Por que?
Porque acredito que indústrias culturais massivas são indisputáveis. Televisão, cinema, música, quanto mais se afunilam em marcas e conglomerados, parece que menos margem de manobra para o trabalho criativo surge.
No caso dos games, contudo, tem algo que me chama atenção. Os desenvolvedores por vezes se chamam (ou são chamados, não sei) de artistas. E isso é a defesa de um trabalho artesanal, no seu sentido pré-capitalista.
Esse trabalho artesanal é, ou deveria ser, uma bandeira dos socialistas. De que o trabalho possa ter seu tempo de realização e que ele valha justamente pelo tempo do artesão. Retomar algo que está em sociedades ancestrais, que o tempo do trabalho é o tempo do esmero, da busca...
Engraçado que em todo debate que me posicionei contra a volta às aulas, muito "sommelier de pobre" me acusou de elitismo, afinal, os trabalhadores mais pobres não teriam com quem deixar os filhos.
Tanto a matéria como as reflexões do Thiago evidenciam que as coisas não são tão simples. E permitem questionar se a defesa do retorno às aulas presenciais é uma posição de classe.
Aliás, seria importante racializar esses dados... Porcentagem de brancos e negros a favor do retorno presencial corresponde à divisão por renda? Lembrando que...