Sobre concurso público e (des)organização.

Nem sempre falo sobre concursos públicos, porque o tema é muito explorado comercialmente.

Talvez esta seja a última vez.
Muito se ouve e muito se lê que a aprovação em concurso público exige organização.

Inúmeros candidatos elaboram cronogramas de estudo, cronometram horas "líquidas" e até utilizam aplicativos com gráficos de pizza que demonstram as disciplinas estudadas.
Há vantagens inegáveis quando se tem essas habilidades. Organização agrega eficiência para qualquer meta ou planejamento.

Mas eu sinceramente acho que pessoas desorganizadas também podem triunfar em concursos públicos e pouco se diz a respeito.
Tive um professor jovem, que me inspirava. Era mestre em Direito, orientado pelo Paulo Bonavides. Era PFN, mas já havia sido Juiz e Promotor. Um dia, perguntei como ele estudava e a resposta foi:

"Meus estudos sempre foram doidos".
Ele não tinha rotina. Estudava em horárioa diferentes. Lia obras diversas, às vezes de capa a contracapa (o que nem sempre é muito aconselhável).

À sua (confusa) maneira, ele logrou êxito na Magistratura, Ministério Público e Procuradoria da Fazenda Nacional.
Na minha época - não tão remota assim -, já se falava em "coach" e mentorias. Mas isso ainda era algo para quem tinha mais recursos.

A maioria dos colegas aprovados era composta por estudantes "tradicionais". Alguns com rotinas exóticas.
Por exemplo, lembro de uma menina aprovada na Defensoria que era aluna do mestrado. Ela conseguiu - não se sabe como - conjugar ambas as atividades de maneira competente.

Outra era mestra pela UERJ e passou no MPGO comigo. Pediu exoneração e ingressou no TRF. Depois, MPF.
Havia muitos assessores também. Lembro até de um músico! Hoje é professor famoso. Foi para o TJDFT (Juiz).

São tantos caminhos. Vi tanta gente desorganizada, assistemática, sem uma rotina rígida...
...lembrei agora de um amigo que era praticamente alcoólatra. A vida dele era muito simples: lia durante horas o código e doutrinas que ele apreciava (Marinoni etc.).

Todos os dias.

De sexta a domingo, estava bêbado. Perdeu duas namoradas por isso e passou em todas as provas.
Ele tinha uma característica: estudava sempre a mesma matéria por uns 5 dias consecutivos. Segundo ele, isso dava uma ótima sensação de "avanço e progresso". Quando distribuía, sentia rendia pouco em muito. Ele preferia render muito em pouco. Cada um com o seu método. Funcionou.
Lembro de um colega que era apaixonado por AULAS. Não se sentia seguro lendo sozinho. Dixia que "muita coisa acaba passando batido".

E vi os que não tinham "paciência pra assistir aula". Achavam mais prático ler.
Eu particularmente não seguia um cronograma rigoroso. Preferia minha intuição baseada nas minhas vulnerabilidades relevantes (cuidado, há muitas vulnerabilidades irrelevantes. Talvez desconhecer a Lei de S.A não lhe faça falta, a depender do edital). Ou preferia seguir um edital.
Não havia um horário fixo também. Geralmente, estudava de madrugada. Porém, mesmo após ser promotor titular e vitalício, decidi retornar a estudar para concursos. Foi necessário ferver a água de novo. Já não era possível estudar tantas horas e nem de madrugada. Adaptei.
Como desfecho para essas digressões informais por aqui, gostaria de compartilhar minha firma crença de que pessoas assistemáticas, indisciplinadas, instáveis e até desorganizadas podem perfeitamente triunfar.

Se for organizado, tanto melhor.

Mas há quem se encontre no caos.

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