SOBRE A PRORROGAÇÃO DA DESONERAÇÃO DA FOLHA: PRÓS E CONTRAS.

1. A desoneração terminaria no fim deste ano, mas o Congresso prorrogou a medida até o fim do ano que vem. O presidente Jair Bolsonaro vetou, mas os deputados e senadores se articulam e derrubaram o veto.
2. A desoneração reduz o valor do recolhimento ao INSS feito pelos patrões. Em vez de pagar 20% sobre a folha de pagamento do funcionário, o tributo pode ser calculado aplicando-se um percentual sobre a receita bruta da empresa, variando de 1% a 4,5%, de acordo com o setor.
3. A Desoneração da Folha de pagamentos é um benefício fiscal que foi criado pela MP 540, convertida na Lei nº 12.546, de 2011. Inicialmente, compreendia apenas 3 setores da economia, contudo ao longo do 1° governo Dilma foi sucessivamente ampliada.
4. A ideia da criação do regime foi beneficiar setores com maior potencial de geração de empregos. Os objetivos eram: estimular a formalização; fomentar investimentos; aumentar a produtividade e a competitividade da economia brasileira e melhorar a balança comercial brasileira
5. Contudo, a política que visava gerar empregos; aumentar a competitividade externa e ampliar a formalização do mercado de trabalho se tornou suspeita de ser objeto de lobbies do setor industrial e de serviços que barganhavam ganhos descolados dos objetivos sociais mais amplos.
6. Sem discutir as intenções das desonerações, que poderiam até ser bem intencionadas, pode-se dizer que a maioria das avaliações acadêmicas realizadas até o momento apontam para a escassez de evidências para efeitos significativamente positivos da desoneração.
7. Há na literatura várias pesquisas de maior fôlego que avaliam explicitamente efeitos da desoneração da folha de pagamentos. Dentre eles, trazemos três: Dallava (2014), Scherer (2015) e Sachsida (2018) .
8. No trabalho mais favorável, Scherer (2015) estimou que, em média, a política levou a um aumento de 15% no emprego, o total de mão-de-obra medido por horas de trabalho contratadas aumentou 9% e os salários aumentaram 2%.
9. Esses resultados indicam que, em seu primeiro ano de implementação, a política teve efeitos positivos no emprego e uma mudança parcial do benefício fiscal para o trabalho. Contudo, trata-se de estudo limitado do ponto de vista temporal e da abrangência de setores (apenas 4).
10. Já de acordo com o estudo do IPEA, encabeçado por Adolfo Sachsida (2018), a desoneração da folha de pagamento não teve efeito visível sobre o volume de empregos.
11. No meio termo, temos o trabalho de Dallava (2014) que concluiu que a desoneração da folha de pagamentos parece ter gerado empregos apenas para o setor Tecnologia da Informação (e Comunicação), assim como aumento do salário médio dos empregados deste setor.
12. Em termos teóricos, a falta de sucesso das desonerações para a geração de empregos é explicada pelo consagrado princípio da demanda efetiva, fundamento da maior parte análises macroeconômicas do campo progressista.
13. Basicamente, na falta de demanda interna ou externa e diante de um alto nível de ociosidade, não havia estímulo para os empresários ampliarem investimentos e contratações, apenas recuperaram a margem de lucro.
14. Ao passo que sucessivos governos nos períodos posteriores à política de desoneração reduziam (ou não expandiam) os investimentos públicos, ampliavam-se (ou mantinha-se) as desonerações, esperando que a maior lucratividade, mesmo na ausência de demanda, fizesse o milagre.
15. As desonerações chegaram a abranger 56 setores da economia. Em 2018, o ex-presidente Michel Temer sancionou lei que retirou 39 áreas do regime diferenciado. Restaram 17 setores que seriam reonerados neste ano, caso a prorrogação não fosse aprovada.
16. Entre os 17 setores que ainda têm a opção de fazer o recolhimento com base na receita bruta estão o de calçados, call center, construção civil, veículos, transporte e têxtil, entre outros.
18. Os impactos da prorrogação da desoneração na geração de empregos tendem a ser nulos, conforme os dados empíricos e o arcabouço teórico já apresentados. Basicamente, aponta-se para a mera ampliação/manutenção da margem de lucro das empresas.
19. Contudo, se a prorrogação não tem potencial de gerar empregos, a reoneração pode, no limite, estimular a perda de postos de trabalhos. Não é, nem de longe, a melhor política econômica à disposição, mas se trata de redução, quase marginal, de danos.
20. A derrubada do veto e a prorrogação das desonerações prometem garantir a manutenção de cerca de 6 milhões de empregos, que é o volume de postos de trabalhos gerados pelos setores beneficiados
21. Entretanto, esta estimativa é fantasiosa, já que não há dispositivos legais garantindo tal manutenção integral, ao passo que o simples estímulo econômico pelo lado dos custos, na ausência de demanda, não garante que trabalhadores não sejam demitidos.
22. O problema mais grave não é nem o custo, estimado em renúncias na ordem de R$ 4,9 bilhões. A questão é que na vigência do teto de gastos e dada a contabilidade deste tipo de gasto como primário pelo lado das despesas, obriga-se a contração fiscal em outras áreas.
23. Trata-se de mais um motivo pelo qual o teto de gastos deve ser eliminado. Com a desoneração sendo prorrogada, há mais um elemento que impõe um dever moral dos parlamentares em derrubar o teto. O povo não pode pagar a conta da desoneração.
24. De onde tirariam quase R$ 5 bilhões em um orçamento já destruído? Além disso, vale lembrar que a bancada do PSOL apresentou destaque, não aprovado, condicionando à prorrogação do prazo das desonerações à manutenção formal de empregos. Este seria a posição ideal.
25. Por fim, considero que dada a mudança estrutural do mercado de trabalho, cada vez mais informal, e levando-se em consideração a tendência tecnológica apontada pela indústria 4.0, temos sim que migrar de um modelo de contribuição sobre a folha para a tributação do faturamento.
26. A coluna de hoje do @nelsonhbarbosa na Folha tratou deste assunto e está bem interessante: www1.folha.uol.com.br/colunas/nelson…

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8 Nov
1. Fio com as posições do FMI sobre a insensatez que significa a volta do teto de gastos em meio a uma crise sanitária ainda gravíssima. Os pontos são traduções diretas d trechos de relatórios do FMI, FED e outros. É só p/ vcs terem noção da insanidade e maldade do teto de gastos Image
2. O título de um dos textos do FMI que irei usar aqui é: "A crise não acabou, continue gastando"

"A crise econômica induzida pela pandemia deixará cicatrizes profundas...
3. (...) A erosão do capital humano por causa do desemprego prolongado e do fechamento de escolas, a destruição de valor por falências ... estão no topo da lista. Os grupos que já eram pobres e vulneráveis ​​viverão os maiores contratempos.
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5 Nov
1. Uma questão da autonomia é que o BC determina a política monetária que quiser dados os objetivos do CMN sem nenhum compromisso em entrelaçar seus instrumentos com a política fiscal.
2. Dessa forma, cravada a política monetária por um super poder não eleito, é o executivo democraticamente eleito pelo povo que tem flutuar a política fiscal para se adaptar aos instrumentos escolhidos pelo BC.
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3 Nov
NOTA DO FUNDO MARXISTA INTERNACIONAL (FMI)

1. Hoje a economista-chefe do FMI, stalinista e colaboradora do partido marxista internacional, escreveu um texto defendendo q as autoridades fiscais devem apoiar a demanda dando dinheiro p/ o consumo e investimento em LARGA ESCALA.
2. A economista (ops, comunista) descobriu, também, a roda: uma massa avassaladora de impressão de dinheiro não causa inflação. E que mesmo com taxas de juros negativas em 1/5 do mundo a economia não reage. É necessário demanda. Algo que a MMT sempre explicou muito bem. Enfim...
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30 Oct
1. Já na época da reforma da previdência, Pedro Nery, juntamente com o Armínio, costumavam divulgar dados falsos e leis inexistentes p/ convencer aos seus leitores de que a reforma da previdência era para ajudar, pasmem, os mais pobres. No fio, recupero um das mentiras da dupla.
2. Em texto criticando Piketty, um dos mais renomados economistas da atualidade, Nery mentiu apostando na ignorância dos leitores do Estadão. Basicamente o mesmo que ele fez recentemente com o Boulos.

Abaixo, destaco apenas um trecho curto, mas repleto de mentiras.
3. “Mas a triste realidade ignorada por Piketty e coautores é que são os brasileiros mais instruídos, das ocupações mais produtivas e das regiões mais industrializadas que se aposentam muito mais cedo do que os demais....
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28 Oct
1. Pedro Nery, candidato ao Nobel pela sua inovação metodológica, propõe um novo método para a análise de propostas de políticas públicas. O esquema básico é o seguinte:

(i) imagine ou sonhe com uma proposta de programa econômico.

(ii) diga que fulano pretende implementá-la.
2.

(iii) A partir da proposta imaginária, realize a estimativa de impacto orçamentário e financeiro usando como fonte de dados principal os comentários dos opositores do fulano em redes sociais.
3.

(iv) Por fim, diga que não há espaço no orçamento para implementar a política imaginada, já que os custos calculados pelos opositores do fulano são altíssimos

(v) Conclua que o fulano é pouco técnico.
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26 Oct
1. Os colegas da Auditoria Cidadã da Dívida repetem, o tempo todo, que o Brasil é um dos 10 países mais ricos do mundo (PIB). Para eles, muito mais rico que a Noruega ou Dinamarca. Daí se perguntam: para onde vai toda essa riqueza?
2. Portanto o objeto de pesquisa é: como que um país 5 vezes mais rico que a Dinamarca pode ter tanta miséria e fome enquanto no país nórdico, muito mais pobre, há um confortável estado de bem-estar social?
3. A resposta eles encontram no gráfico da pizza. Supostamente, metade das nossas riquezas vai para bancos em um esquema de roubo, usura e juros compostos, conforme o denunciado pela Igreja Católica Medieval, que lutou contra a usura dos judeus.
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