Muito bem! Tempo esgotado! Além de discutirmos algumas coisas claramente erradas nesses quadrinhos, vou aproveitar e especular um pouco sobre formas mais... "exóticas" desse cenário mostrado dar errado. Essa é mais uma #ThreadPeriodica
Logo de cara, a @beatrixolive já pegou que o núcleo está sendo representado como uma única bola sólida, quando ele é um agregado de prótons e nêutrons. Como essas partículas são bem maiores que os elétrons, deviam estar visíveis.
Além disso, tem um elétron de cor diferente, sendo que todos os elétrons são iguais.
Aliás, o átomo não está em escala. Primeiro, um elétron é cerca de 1800x mais leve que um próton. Se os dois forem esferas de densidade semelhante (podem não ser), um elétron seria 12x menor.
Mas antes de sacralizarem esse número, lembrem-se de que não fazemos ideia se elétrons são esféricos ou se a densidade deles é semelhante à do próton porque eles são tão minúsculos que não temos como observar direito com nossos métodos atuais.
Esse átomo tem quatro elétrons girando, então deveria ter 4 prótons e em torno de uns 5 nêutrons (o número de nêutrons em um átomo pode variar). Se todos eles ficarem bem coladinhos, o núcleo devia ser umas 30 vezes maior que os elétrons, por aí. Que não é o caso do quadrinho.
Outro problema de escala tem a ver com as distâncias dos elétrons. O modelo de Rutheford nos livros não é em escala porque o modelo em escala ou não caberia na folha, ou não deixaria ver as partículas direito. Acontece que o núcleo é +- 100.000x menor que o átomo inteiro.
Uma comparação aproximada é que, se o átomo for um estádio de futebol, com os elétrons correndo nas bordas, o núcleo seria uma azeitona no meio de campo. Todo o resto do campo e das arquibancadas, até onde sabemos, está totalmente vazio. Átomos são cheios de nada.
Agora, vamos atacar alguns pontos mais legais: em primeiro lugar, quem disse que elétrons orbitam o núcleo como planetinhas giram em torno do Sol? Essa ideia de átomo (conhecida como Modelo de Rutheford, e que mais ou menos se mantém no Modelo de Bohr) já ficou pra trás.
Como pontuou a @CronicasTxt, esses são conhecidos como "modelos clássicos" do átomo. Hoje, temos uma visão de átomo criada a partir de cálculos estatísticos e que é difícil de visualizar. Digamos apenas que elétrons estão longe de serem bem-comportados em seus movimentos.
Levando essas coisas todas em consideração, um átomo ampliado a um tamanho que cabe numa sala ainda teria partículas muito pequenas, quase invisíveis. Não seria assim tão impressionante.
Quanto a ele produzir mais energia atômica... hmmm... então, vamos começar pelos raios gama.
Oscilações de cargas elétricas geram ondas eletromagnéticas. Quando mais curta a oscilação, mais curto o comprimento dessas ondas, e mais energia ela carrega. Raios gama são ondas curtíssimas geradas por oscilações no núcleo do átomo.
Ao aumentar as partículas do átomo, você está fazendo as oscilações do núcleo maiores, também, e menos energéticas. Daí, ao invés de raios gama, o núcleo do átomo passa a ser capaz de emitir ondas infravermelhas ao oscilar e se partir. Sabe o que mais faz isso? Lenha.
Então um átomo gigante não seria UMA FONTE DE ENERGIA NUCLEAR AMPLIADA UM MILHÃO DE VEZES, seria um pedaço nem tão grande assim de carvão.
Mas OK, consideremos que a carga elétrica do átomo gigante magicamente aumentou proporcionalmente junto com ele.
O problema é: átomos não encostam um no outro por conta da repulsão entre suas cargas elétricas. As ligações químicas tendem a ter o tamanho comparado à distância de um átomo. Tipo, imagine dois átomos de 1 cm ligados: haveria 1 cm de distância entre eles. Logo...
Se o Mestre Molecular aumenta o átomo para 1m, por exemplo, ele vai repelir todos os átomos ao redor por *pelo menos* 1m, mas potencialmente bem mais por sua carga elétrica aumentada, criando uma esfera de vácuo puro ao redor dele.
O que quer dizer que qualquer coisa que chegasse dentro do raio de ação do átomo imediatamente seria repelido, potencialmente se desintegrando. O que é muito mais perigoso e legal como poder de super-herói que ser uma usina nuclear portátil.
A pergunta agora é: seria possível aumentar um átomo desse jeito sem quebrar as leis da Natureza (mais do que você já está quebrando aumentando o átomo assim)? A @CronicasTxt de novo trouxe umas objeções importantes:
Primeiro tem o problema da massa. Se a Conservação de Massa ainda existe nesse universo, matéria não pode brotar do nada. Pra fazer seu átomo maior e mais maciço, você tem que tirar matéria de algum outro lugar, e em grande quantidade.
Se a massa do átomo não for aumentada junto com ele, ele vai ser tipo um balão que estourou de tanto você colocar ar dentro. Não tem matéria o bastante dentro dele pra você “soprar” um átomo até ele ficar visível.
Mas beleza, digamos que um pedaço do planeta acabou de sumir misteriosamente e foi absorvido pelo átomo pra crescer. Sem levar em consideração a quantidade absurda de energia que isso envolveria, tem o problema da repulsão.
Vejam bem, os prótons têm todos a mesma carga positiva. O que significa que eles se repelem. O núcleo de um átomo só não explode graças às forças nucleares, forte e fraca. E elas só seguram o rojão porque prótons e nêutrons estão a uma distância minúscula.
Quando você aumenta o átomo, aumenta a distância entre as partículas do núcleo e as forças forte e fraca perdem a ação. Resultado? Os prótons se repelem e o núcleo explode. Ou, se a carga elétrica não cresceu com o átomo, todas as partículas do núcleo simplesmente caem no chão.
Por fim, o erro mais imperdoável desse quadrinho é que o Mestre Molecular tem um poder que tem a ver com átomos, não com moléculas.
E é isso, se quiser dar seus dois centavos sobre esse assunto, fique à vontade.
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Então, pessoal, a Anvisa soltou uma nota técnica dando dicas de como fazer limpeza nesses tempos de coronavírus, e as pessoas me pediram para comentar. Demorou um pouquinho porque algumas coisas na nota não ficaram muito claras, então aqui vai um resumo comentado:
Antes de discutirmos os produtos, vamos recordar que o SARS-CoV-2 é um vírus que é coberto com uma película gordurosa (a "bicamada lipídica"), e se essa película é rompida, ele não pode invadir a célula e causar infecção.
Hoje é sábado, e quero falar de algo fofo, divertido e emocionante. Estou pesquisando sobre Marie Curie para continuar a thread da Tabela Periódica, e, como resultado, refresquei a memória com a história fofíssima do casamento dela com Pierre. ‘Bora?
Maria Skłodowska Curie. Química, física e matemática brilhante, duas vezes vencedora do prêmio Nobel (primeira mulher, e primeira vencedora dupla), ícone absoluto quando o assunto é mulheres na Ciência. E protagonista de uma história de amor absolutamente fofa.
A vida de Marie Curie é digna de novela. Ela nasceu em 1867, na Polônia, quando o país estava ocupado pelos russos e sonhava com sua independência. Era filha de um professor de matemática e tinha quatro irmãos mais velhos. Ela perdeu a mãe e uma irmã bem cedo.
Como prometido, hoje vamos falar sobre testes clínicos. Como são feitos, quando são confiáveis, por que alguns testes falam que a tal remédio mata o vírus e outros dizem que ainda é cedo para saber... Essas e outras dúvidas, vamos discutir aqui!
Muito bem, primeiro, a pergunta que não quer calar: em testes de laboratório, não só a cloroquina, como outros medicamentos demonstraram que matam o vírus. Por que não damos essa controvérsia por encerrada aqui mesmo? Então...
Quando precisamos comprovar um medicamento novo, uma série de testes precisam ser feitos. O medicamento pode passar em todos os testes e falhar bem no último. Se for o caso, jamais chegará no mercado. É o destino de boa parte dos medicamentos.
Alguns amigos me pediram para falar sobre a famosa cloroquina. Eu estava esperando para ter informações mais sólidas, mas de repente me passa na timeline um maluco prometendo hidroxicloroquina debaixo dos panos para pacientes e achei melhor dividir o que já sabemos.
Primeiro, vamos falar sobre o remédio em si. O que é cloroquina (e sua derivada, hidroxicloroquina)? Tem um artigo muito bom (e bem recente) aqui, de um químico que já trabalhou para indústrias farmacêuticas: blogs.sciencemag.org/pipeline/archi…
Para quem não entende inglês, ele traça uma breve história das drogas antimaláricas. Tudo começou quando os Incas (e vários outros povos da América do Sul) perceberam que a casca da quina (uma árvore) ajuda a diminuir a tremedeira causada pela malária. A quina é rica em quinina:
Amigos, eu queria apenas veicular threads alegres para que vocês tivessem mais informação e diversão em tempos de isolamento, mas me sinto forçada a combater fake news que podem ser prejudiciais nesses tempos.
Vou falar algumas coisas sobre a fake news do "pH do vírus".
Ela diz o seguinte (no alt text para quem tem dificuldades visuais):
Vamos começar com o óbvio: vírus não tem pH. Na verdade, substâncias em si não "tem" pH. O pH é uma medida da concentração de íons H+ na água. Essa concentração pode ser causada por certas substâncias dissolvidas em água (daí que coloquialmente falamos que elas "têm" pH).
Amigos que não estão encontrando álcool gel, mas têm água sanitária, temos uma boa notícia! É possível fazer uma solução desinfetante que mata vírus a partir da água sanitária. PORÉM! Ela tem que estar BEM diluída. Água sanitária concentrada NÃO FAZ NADA com o vírus, OK? Segue:
Esse *não é* um dos casos em que "mais é melhor". O CFQ (Conselho Federal de Química) publicou essa notícia mais cedo, incluindo um pdf com as especificações técnicas: cfq.org.br/noticia/soluca…
Vou dar a receita (caso o site deles caia de novo) e explicar a lógica:
O que acontece é que a camada externa do vírus, que é feita de gorduras (já falamos sobre isso antes) pode ser destruída de outra forma além da dissolução (que é o que o álcool e o sabão fazem): ela pode ser oxidada. E um bom agente oxidante de gorduras é o ácido hipocloroso.