O Flamengo é a chance da vida de Rogério Ceni. Ótimo elenco, salários em dia...

Mas estamos esquecendo de um ponto fundamental: ele teve tempo para implementar suas ideias no Fortaleza.

O Flamengo vai dar esse tempo também?

Que ideias? Quanto tempo? Vamos entender no fio🧵👇
Para entender porque Rogério precisa de tempo, até mais do que Domènec, a gente precisa voltar três anos CRAVADOS no tempo.

Afinal, foi exatamente no dia 10 de novembro de 2017 que o Leão de Pici anunciou Rogério Ceni como seu novo técnico.
A expectativa não foi exatamente cumprida de imediato. Rogério perdeu três clássicos em quatro meses com o Fortaleza, sendo dois deles na final do Cearense de 2018.

A torcida pediu a imediata demissão de Rogério, chamado de estagiário e inexperiente.
A pressão foi tão grande que o presidente teve que convocar coletiva. Olha o que ele falou 👇

"Não podemos nos deixar ser influenciados pela corneta momentânea. Mudança de técnico representa quebra de planejamento. É começar o trabalho do zero. Não é isso que a boa gestão pede."
O que aconteceu depois foi que o Fortaleza disparou na Série B, conseguiu 9 jogos de invencibilidade e Rogério conseguiu implementar suas ideias de futebol, que ele disse hoje serem ofensivas como o torcedor quer.

O Rogério é bom sim. Mas ele teve tempo no Fortaleza.
Ele teve tempo para implementar um jeito de atacar bem posicional (que não tem nada a ver com Jogo de Posição) e que pregava bastante paciência.

Toca dali, toca daqui...chega no lateral aberto, e se não tem espaço, volta a bola até o meia entre as linhas se movimentar.
O Fortaleza de Rogério era um 4-2-3-1 que sempre fazia esse 3-4-3 com a bola.

A ideia era ter os lados e três jogadores pra ir circulando a bola e esperar Gustagol prender a defesa e abrir espaços para Marcinho e Dodô.
Aliás, o pivô de Gustgol era tão importante que o sistema ofensivo se baseava muito nesse momento.

O time direcionava muito jogo por dentro e controlava o tempo: ele recebia, prendia no pivô e ao menos dois corriam nos espaços nas costas dos defensores. Era até pragmático.
Agora é que vem o xis da questão...

Essa ideia aí é bem parecida (não é igual, é parecido) com o que Domenèc fazia no Flamengo, com Michael e Bruno Henrique abertos para abrir espaço. Com a titularidade de Pedro, até o pivô foi usado mais vezes.
globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Essa ideia também era vista no São Paulo do Rogério. Lá ele variava mais de sistema, mas a lógica era a mesma.

Ceni gosta muito de uma certa liberdade de movimentação para os dois volantes, que buscam a bola no pé e vão conduzindo de um setor a outro.
Ele fazia muito isso no São Paulo: três zagueiros alinhados, laterais abertos e pontas e atacantes por dentro. Cícero e Schmidt não seguiam essa simetria e vinham buscar a bola, conduziam, tocavam curto...eles ligavam os setores. Davam ritmo e esperavam a aproximação de alguém.
Até a lógica de esperar um jogador ter a bola para que outros dois ataquem espaço era frequente.

Nos seis jogos que vi da carreira de Rogério pra fazer esse texto, isso se repetiu O TEMPO TODO. No Fortaleza, São Paulo e até no Cruzeiro!
Na sequência do lance, acontece o mesmo que rolava com o Gustagol: quem recebe a bola tem que girar, virar pro lado contrário ao do corpo dos adversários e quem está na frente tem que correr em diagonal pra receber o passe.

Toca até encontrar quem gira e corre pro gol!
Isso implica em papéis claros:

- Zagueiros precisam ter bom passe
- Volantes tem que ter boa condução, bom giro e visão de jogo
- E os atacantes têm que saber esperar a bola, jogar mais de costas e saber girar e correr nas costas da defesa.

É o jeito Rogério Ceni de atacar.
Quando as linhas do adversário estão muito baixas, o time (em momento ofensivo) avança e até os zagueiros tinham liberdade pra conduzir, seguindo o padrão de movimento: quem tá mais perto aproxima e recebe a bola. Quem tá mais longe vira o corpo e faz o facão.
Olha aí a MESMA IDEIA DO FORTALEZA E DO SÃO PAULO no Cruzeiro que caiu pra Série B. Robinho como o volante com liberdade de movimentação, Dodô e Edílson dando amplitude, atacantes e centroavante por dentro....a semelhança impressiona. Isso é prova que Rogério sabe o que faz.
Agora é hora de abrir a mente e se questionar.

Se o Rogério tem as mesmas ideias de ataque no Fortaleza, São Paulo e Cruzeiro, então por que ele só deu certo no Fortaleza?

A resposta é muito simples: porque ele teve TEMPO. Treino, jogo, erro, repetição, acerto. Não tem segredo.
A manutenção independente foi tão importante que deu ao Rogério a oportunidade de repensar o próprio modelo de jogo e adequá-lo à realidade do clube.

Em 2019, por exemplo, o Fortaleza mudou um pouco sua maneira de jogar e não era tão propositivo assim.
O time teve dificuldades e passou a jogar com uma linha de defesa muito mais baixa do que na Série B. Apostava na velocidade após retomar a bola, e para isso, Osvaldo foi chamado. Como a maneira de atacar já estava dominada, Rogério evoluiu a equipe com um jogo mais reativo.
Nesse ano, o Fortaleza passou a jogar cada vez mais dessa forma. Linha baixa e montadinha, MUITA bola longa para Osvaldo e Romarinho, Wellington Paulista fazendo pivô e esperando os pontas chegarem. Equipe de muito mais marcação pra quem espera um jogo super ofensivo.
O Fortaleza foi tão reativo que é quem MENOS RECUPERA bolas no campo do adversário nesse Brasileirão. A aposta é totalmente na transição. Há sim a ideia de jogar mais com a bola, mas o time é mais talhado para o contra-ataque.

Sabe qual é o time que mais recupera? O Flamengo.
Rogério só fez isso porque fazia parte de um planejamento. E acho que é possível criticá-lo por abandonar esse planejamento duas vezes. Há duas semanas ele disse que cumpriria o contrato com o Fortaleza e não cumpriu. O Flamengo é gigante, mas palavra é palavra.
Agora, algo que fica claro é que se o Flamengo busca um salvador da pátria, alguém que dá resultado de imediato....não é bem a do Ceni.

Nem vamos falar do Cruzeiro, mas pega o São Paulo. Foram sete meses no comando, e além das saídas no elenco, havia um problema grave: a defesa.
O São Paulo foi vazado 27 vezes em 36 jogos com Ceni no comando. Foram 44 gols tomados, uma média de 1,2 gol por jogo.

Sabe qual é a média do Domènec, dando a relativa comparação? 1,4 gol por jogo.

O Flamengo sabe disso?
O Flamengo sabe que Rogério Ceni teve três pré-temporadas no Fortaleza para pensar no modelo de jogo, no tipo de jogador que casa com sua ideia e teve respaldo no momento em que todos os torcedores xingavam ele?
A diretoria do Flamengo sabia quem era Domènec Torrent quando contratou? Sabia que o NYFC levou 81 gols em 60 jogos?

globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Sabia que Jogo de Posição era diferente do que JJ fazia, e sabia que a metodologia do Dome implica em melhorar jogadores fazendo eles tomares decisões no jogo e não dar tudo mastigadinho como Jesus, que montou um mini-departamento de futebol, fazia?
globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
A resposta dessas perguntas não são exatas.

Assim como não dá pra cravar que Rogério Ceni vai dar certo no Flamengo. Simplesmente não sabemos.

Hoje, apenas hoje, sabemos que ele é um bom técnico, com um bom elenco, com boas estruturas e campeonatos pela frente.
Também sabemos que o calendário tá apertado, o DM tá cheio e Rogério fez um excelente trabalho quando teve respaldo.

Não dá pra saber do futuro...

Mas podemos questionar se Rogério terá o tempo que precisa para implementar as boas ideias que tem num gigante brasileiro
Tudo isso publicado com mais detalhes e análise sobre Rogério Ceni no Flamengo lá na minha coluna no @geglobo!

glo.bo/36sgNUM

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