No país no qual "não há racismo" (segundo o vice-presidente da república e o diretor de jornalismo da Globo), os assassinatos de negros cresceram 11,5% nos últimos dez anos. Já os de não negros... caíram 12,9%.
Em 2018, 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil foram negras.
"Ah, mas nem todos esses assassinatos tiveram motivações racistas", dirão alguns enquanto colocam o vídeo do Morgan Freeman em suas timelines.
Ignorando (ou fingindo) que o racismo não é simplesmente um ato, mas um sistema.
A partir do momento em que 75% dos assassinados pela polícia são negros e 61% das mulheres vítimas de feminicídio são negras, o retrato do que ocorre no país fica óbvio; a subjetividade do observador pode até questionar o que é racismo, mas as estatísticas não mentem.
Nós vivemos em um país que empurra os negros para as periferias e comunidades sem infraestrutura e os impede de deixá-las; que vê, ainda hoje, as consequências da escravidão e de termos sido um dos últimos países do mundo a aboli-la.
E não é só uma questão econômica, mas de percepção social. Ou mesmo humana. Quando digo que jamais veríamos uma barbaridade destas acontecendo com um homem branco, há uma razão para isso: a desumanização do negro diante dos olhos de muitos.
É quase como se os agressores vissem, em João Alberto, um ser "diferente", menor. Algo a ser contido e recolocado em seu lugar. Não há qualquer sugestão de que tenham enxergado, em sua vítima, um semelhante. É como se estivessem atacando... um animal.
O nome disso é racismo.
Então não, eles podem não ter gritado palavras racistas enquanto espancavam o outro, mas a verbalização não era necessária: o racismo estava sendo expressado em cada soco que desferiam.
Negar o racismo no Brasil é fechar os olhos diante de um espelho que reflete nossas deformações e achar que, com isso, estas desaparecem. Não só não desaparecem como pioram, já que a negação impede que sejam tratadas. E, acreditem, precisamos de muitas cirurgias para corrigi-las.
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Comentei há alguns dias sobre o documentário Til' Kingdom Come, que fala sobre a atuação conjunta dos evangélicos norte-americanos e de Israel para influenciar Trump a ajudar no que basicamente seria o extermínio dos palestinos e da tomada de suas terras pelos assentamentos.
Pois hoje vi um outro doc igualmente relevante chamado Kings of Capitol Hill, que aborda a principal organização pró-Israel (e pró-assentamentos) dos EUA: a AIPAC.
O curioso é que a AIPAC surgiu com um viés esquerdista, progressista, ligado aos movimentos civis da década de 60.
No entanto, a partir do governo Reagan, a AIPAC começou a mudar rapidamente de perfil, tornando-se cada vez mais direitista até finalmente demitir todos os executivos progressistas e substitui-los por republicanos.
Na década de 70, a heroína estava tomando conta das comunidades pobres de NY, habitadas majoritariamente por negros. Era um problema grave que os políticos e a mídia tratavam como uma questão criminal, não social ou econômica, preferindo prender e matar do que tratar e salvar.
Depois que grupos de ativistas negros e porto-riquenhos OCUPARAM UM HOSPITAL no Brooklyn (conhecido por tratar mal a comunidade) e exigiram, entre outras coisas, a implantação de uma clínica de tratamento para dependência química na região, a prefeitura finalmente cedeu.
Só que a "solução" dos políticos foi oferecer metadona para os dependentes químicos, substituindo, em essência, um vício por outro - o novo sendo controlado pelo Estado.
Vi o doc Til´ Kingdom Comes, sobre a relação entre os evangélicos dos EUA e os judeus pró-assentamento na Cisjordânia. É sempre assustador constatar o que acontece quando a política passa a ser realizada através de um filtro religioso.
Nos EUA (e no Brasil), o movimento evangélico se mostra mais sionista do que Theodor Herzl, coletando doações de seus seguidores para enviar para assentamentos judaicos na Palestina.
A pergunta é: por quê?
A resposta é complexa e envolve vários interesses, mas... +
Um dos aspectos mais malucos desta ligação é o fato de que, em essência, os mesmos evangélicos que dizem amar Israel são antissemitas por natureza. Por quê? Porque acreditam que, no Fim dos Tempos, só os judeus que aceitarem Jesus se salvarão. O resto... já sabem. (Pois é.)
"O Dissidente", documentário de Bryan Fogel sobre o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi dentro do consulado de seu país na Turquia, é um filme difícil de assistir. Não por ser ruim, pois não é (ao contrário), mas pela barbaridade do crime cometido.
Com imagens da investigação da polícia turca, transcrição das gravações feitas no momento do crime, entrevistas com a noiva de Khashoggi, colegas jornalistas e de um outro bravo dissidente que trabalhou com Jamal, o doc não deixa pedra sobre pedra.
Aliás, não foi à toa que o congresso dos EUA aprovou, diante das evidências do crime, uma decisão BIPARTIDÁRIA (ou seja: até os republicanos concordaram) para impedir que armas fossem vendidas ao governo saudita.
Trump, claro, vetou a resolução e vendeu assim mesmo.
Há algumas semanas, comentei CoroNation, documentário de Ai Weiwei rodado por diversos cinegrafistas anônimos em Wuhan durante o lockdown na região, e elogiei bastante. Pois hoje vi um ainda mais sólido: 76 Dias, dirigido por Weixi Chen, Hao Wu e um realizador anônimo.
Enquanto CoroNation se preocupava muito (como seria de se esperar de Ai Weiwei) com as falhas sistêmicas do governo chinês, 76 Dias basicamente se tranca em um hospital durante o lockdown, retratando as várias etapas enfrentadas pela equipe naquele período.
Do pânico inicial, quando enfermeiros e médicos enfrentam uma quase invasão de enfermos desesperados por abrigo e tratamento, até a alta dos últimos pacientes quase três meses depois, 76 Dias é um doc que jamais esquece a dimensão humana da pandemia.
Vi agora "Belushi", documentário sobre um dos atores/comediantes mais brilhantes que o Saturday Night Live revelou em todas as suas décadas no ar. O filme é construído a partir de áudios com pessoas que o conheceram (esposa, amigos, parceiros profissionais), animação e arquivo.
As imagens de arquivo, diga-se de passagem, são o ponto forte do documentário, trazendo filmes caseiros, bastidores de produção e entrevistas. Mas - e adoro quando uma biografia consegue isso - tudo a serviço de uma investigação de personagem, de tentar entender quem ele era.
A ideia do "palhaço trágico", claro, é um clichê tentador de se aceitar ("Mas, doutor, eu sou Pagliacci."), mas Belushi, advoga o filme, era um indivíduo cujos autoquestionamentos tinham mais a ver com aquela coceira que todos temos para descobrir quem somos do que com depressão.