Queria escrever algo mais longo, mas não quero adiar e acabar deixando para lá. Logo... uma breve atualização da minha leitura do momento político brasileiro.
Em primeiro lugar, acho muito útil falar em Nova Direita. Para mim, esse termo designa um movimento político real, formado em 2013.

Esse movimento surgiu basicamente por uma síntese negativa: todo mundo que era anti-petista e não queria uma opção claramente à esquerda entrou...
... no barco.

A Nova Direita incluía jovens ideólogos de direita, pessoas aleatórias procurando oportunidade de carreira, a classe média que estava puta com o PT, eleitores da Velha Direita que estavam sem casa e setores econômicos desprestigiados (como o agronegócio)
Logo após o impeachment de Dilma, a Nova Direita entrou em guerra civil, o que era mais do que previsível, já que quase todo mundo tinha valores e interesses divergentes.

Rigorosamente falando, a Nova Direita (ND) não é nem liberal, nem conservadora, nem nada disso. Ela é só...
... o agrupamento temporário de anti-petistas.

Detalhe importante: não considero que Bolsonaro é exatamente um membro da ND, afinal, ele já estava na política bem antes disso e não foi o criador do movimento. Bolsonaro é um dos membros da Velha Direita sem casa.
Em 2018, o que ocorreu foi o seguinte: Bolsonaro venceu as primárias informais da Nova Direita. Ele foi inteligente: percebeu que havia um movimento sem líder.

A ND abraçou Bolsonaro pelo mesmo motivo: ela era uma massa desorganizada de militantes, logo precisava de...
...alguém capaz de representá-la no espaço público. Bolsonaro foi o único líder que tinha as características necessárias para cumprir esse papel (disposição para brigar com o PT, carisma, etc.).

(Roberto Jefferson é outro membro da VD e está querendo se entrosar com a ND).
O cenário a partir de 2019, no entanto, começa a ficar mais confuso, basicamente por um motivo: a ND começou a se despedaçar. Os seus vários componentes quiseram formar suas próprias facções.
O problema é que ainda não surgiu nenhuma síntese para agregar essas diversas facções em um projeto político identificável. A massa vagamente conservadora no Brasil é muito passiva, muito formalista. Fica esperando um partido com carimbo oficial para se articular.
Porém, era improvável que esse carimbo viesse do próprio Bolsonaro. A expectativa que ele criaria um grande partido conservador sempre foi exagerada. Faz parte do messianismo brasileiro que espera um grande líder resolver tudo.
Ele tinha vencido a primária da ND, as eleições gerais e agora precisava governar, equilibrando todas essas facções. É claro que ele não poderia organizar também uma das facções em particular.

Porém, sem essa síntese e sem o inimigo comum, o cenário começou a se redesenhar...
A briga com o PSL foi particularmente maluca, porque foi efetivamente uma tentativa de "impeachment interno" na Nova Direita. Parte da ND tentou criar um "direitismo sem Bolsonaro" (Joice, Frota, etc.) ainda no primeiro ano de governo. A estratégia foi tão insana que a Joice...
... derreteu em menos de dois anos.

Enquanto isso, começou a se redesenhar um núcleo progressista na esquerda. Esse núcleo é composto por vários esquerdistas que estavam insatisfeitos com o PT e que queriam uma esquerda mais "européia" que "latino-americana".
Esse núcleo progressista ainda está bastante disperso em termos de liderança, mas ele conseguiu abocanhar a mídia praticamente inteira. Sem o fardo de carregar o PT nas costas, a esquerda começou a jogar mais solta e ainda está contando com a ajuda do juiz(es).
Para piorar mais ainda a situação do núcleo liberal-conservador da ND, dois membros fortes da ND aderiram à Nova Esquerda (NE): Moro e Alckmin claramente já se juntaram a esse grupo.

Para completar, boa parte da juventude liberal também está indo para a NE, embora de um modo...
... meio inconsciente e contraditório (já que alguns liberais continuam em posições centrais no governo Bolsonaro, enquanto a NE não tem o menor apreço pelas liberdades individuais e descentralização de poder -- exceto a "liberdade" de abortar, é claro).
Nesse sentido, é natural que os resultados da ND nas eleições municipais não tenham sido tão impressionantes. Não existem uma grande bandeira política da ND sem o PT. Muitas das suas pautas são genéricas demais (anti-corrupção, crescimento, etc.).
Ainda é cedo para ver o que vai acontecer, mas me parece natural que haja um processo de redefinição do campo. Em certo sentido, a disputa entre lockdown/abertura forneceu uma nova divisão política, mas isso me parece muito temporário.
O que acho claro é o seguinte: o papel do núcleo liberal-conservador (acho que faz sentido falar em um núcleo comum, apesar das divergências, mas isso é assunto para outra thread) é relativamente pequeno dentro da Nova Direita. Boa parte da população é "não-ideológica" e...
... acaba votando em fatores pontuais. Para que esse núcleo consiga manter seu lugar estratégico nessa coligação, ele precisará trabalhar em uma nova síntese, em criar bandeiras que façam sentido para o grande público.
Por enquanto, creio que o que restou da ND é o próprio Bolsonaro e a expectativa de que sua popularidade e carisma seja suficiente para conquistar a reeleição.

Porém, se a direita for ter algum futuro no Brasil, será preciso surgir uma Novíssima Direita, uma ND 2.0, capaz..
... de criar um novo grupo para enfrentar a Esquerda 2.0 daqui em diante.

Isso me parece perfeitamente possível. Talvez seja uma questão de dar tempo para a nova geração se organizar.
(Troquei "Alckmin" por Dória lá atrás. Mas é tanto faz um replicante pelo outro.)
Aliás, tem um paralelo exato entre os "direitistas sem Bolsonaro" com a palhaçada dos "conservadores sem Olavo" que surgiu nos últimos tempos. Um monte de papangu resolveu atacar o principal intelectual da direita para ganhar espaço e acertou apenas no próprio pé.
Dá para fazer uma longa discussão sobre a versão retardada da "estratégia das tesouras". Desde o tempo do findado Livres, tem gente que me diz que esses ataques internos na direita são estratégicos, que é uma nova "estratégia das tesouras".

Mas o retardo é o seguinte: ...
A verdadeira estratégia das tesouras da esquerda garante que hajam várias opções de liderança na MESMA direção ideológica, reforçando as possibilidades estratégicas do movimento.

A tesoura retardada consiste em IMITAR o discurso do adversário e usá-lo contra os aliados...
... acreditando estar ampliando o debate, quando na verdade está atirando no próprio time, na esperança imbecil de ter um espacinho maior depois do tiroteio.

Foi fazendo isso que boa parte da ala liberal já foi totalmente engolida pelo progressismo e boa parte dos conservas...
... limpinhos foram reduzidos ao zagueiro da grande mídia que só entra em campo para marcar quem está fazendo gol para a direita.
Enfim, desnecessário dizer que com esses "adversários", a Nova Esquerda teria uma vitória fácil em 2022. Por isso mesmo, a ND 2.0 precisa se ligar antes de dar espaço para os papangus.

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21 Nov
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Não é. No máximo..
... uns carguinhos, mas no médio prazo, nem isso.

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