Conceito é um treco importante e, por isso, faço este fio aqui para tratar da distinção entre racismo estrutural e racismo institucional (distinção central em meu livro) e que talvez nos ajude a entender alguns fenômenos:
1. Logo na abertura de meu livro afirmo que "todo racismo é estrutural". O que significa isso? Significa que o racismo, seja em nível das relações interpessoais, seja no plano institucional, é produto de uma estrutura social racista.
2. Isso quer dizer que é justamente a reprodução da economia, do Estado, do direito e da subjetividade (ideologia) é que dá forma ao racismo, que não é uma anormalidade, mas algo inerente à sociabilidade capitalista.
3. Dizer que o racismo é institucional é "baixar" a visão quando da observação do fenômeno. O racismo existe nas instituições porque as instituições são forjadas na lógica de um mundo racista.
4. O nível institucional é local de intensos conflitos entre os grupos sociais que compõem a sociedade. Partidos políticos e sindicatos são exemplos de luta institucional, ou seja, que se dá dentro da estrutura por meio de diferentes táticas e estratégias (até jurídicas).
5. Por isso, sobre racismo institucional escrevi: "Sem nada fazer, toda instituição irá se tornar uma correia de transmissão de privilégios e violências racistas e sexistas. De tal modo que, se o racismo é inerente à ordem social, a única forma de uma instituição combatê-lo [...]
6. "[...] é por meio da implementação de práticas antirracistas efetivas. É dever de uma instituição que realmente se preocupe com a questão racial investir na adoção de políticas internas que visem: [...]"
7. "[...] a) promover a igualdade e a diversidade em suas relações internas e com o público externo – por exemplo, na publicidade; b) remover obstáculos para a ascensão de minorias em posições de direção e de prestígio na instituição; [...]
8. c) manter espaços permanentes para debates e eventual revisão de práticas institucionais; d) promover o acolhimento e possível composição de conflitos raciais e de gênero". (pag. 48-49).
9. Em suma: combater o racismo estrutural é pensar o horizonte de transformação plena da sociedade; combater o racismo institucional é pensar o racismo como relação de poder, tensão, consenso e violência.
10. Portanto, as chamadas práticas antirracistas (e.g. ação afirmativa/cotas) são feitas em nivel institucional e podem, eventualmente, tocar nas estruturas. (Outra exemplo: a decisão do TSE sobre candidaturas negras).
11. Mas o combate ao racismo institucional pode ser inócuo sem um olhar para as estruturas. Desse modo, não há empoderamento que resista à precarização do trabalho;
12. Não há política de cotas que dure com teto de gastos e destruição do serviço público; não há representatividade que pare em pé com genocídio. Neoliberalismo é necropolitica. Ponto.
13. A luta contra o racismo depende de uma atuação institucional que se dará no interior de muitas contradições, mas cuja efetividade está na capacidade de incidir sobre as estruturas.
14. Os tuítes serão mais raros por aqui nos próximos meses por conta dos projetos futuros. Além dos pessoais, quero me dedicar ao próximo livro em que falarei sobre Brasil na perspectiva do Estado, do direito e das relações raciais e (segue).
15. ...ao meu projeto de pós-doutorado em economia com a ser supervisionado pela professora @LPaulani, pois, afinal, tenho que ser um "detrator" com conhecimento de causa.

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27 Nov
Segue um fio sobre o "Comitê" externo e independente do caso Carrefour 👇🏿
1. Fui chamado a participar por outras pessoas que integram o Comitê (e não pela empresa) e que pediram minha ajuda para pensar formas de reparação e responsabilização que fossem efetivas e que não caíssem no esquecimento. Não é e nem nunca foi um grupo de “diversidade”. 👇🏿
2. Após muito refletir e conversar com pessoas próximas concluí que deveria lutar para que a família obtivesse a adequada indenização, mas também que fosse oferecida à comunidade negra uma resposta eficiente, que venha a se tornar um modelo 👇🏿
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22 Oct
"Em chamas, em cinzas, o Brasil quebrou o espelho. Um mito como Pelé, símbolo do potencial que temos (tínhamos?) para construir um país brilhante, altivo e vitorioso, não cabe muito bem aqui".
Que beleza de texto, @sergiotodoprosa!
"sendo um preto retinto de sucesso avassalador num país dominado pelas cepas mais covardes do racismo, passou a carreira desagradando secretamente a muita gente. Que ninguém tenha dúvida: há na relativa falta de carinho público que o cerca na velhice uma boa dosagem de vingança"
O trecho acima considero avassalador, pois revela como o racismo torna um país autodestrutivo. Não se trata apenas de devidamente apontar os erros de um homem. Há uma sanha pela destruição do que ele representa, do mito que ele encarna 👇🏿.
Read 7 tweets
14 Oct
@phsantos há muito tem se revelado um dos mais interessantes críticos de cinema do país. Sensibilidade, inteligência, erudição e ritmo são suas marcas. As análises que faz sobre a série "Lovecraft Country" dão o índice da qualidade do seu trabalho 👇🏿(fio)
Neste vídeo @phsantos fala do episódio 9 de Lovecraft Country, que aborda o massacre de Tulsa (EUA). Em 1921, a próspera cidade negra do Oklahoma foi destruída por brancos que também assassinaram centenas de pessoas. Esse acontecimento foi também tema da série "Watchmen"👇🏿(segue)
A análise de @phsantos impressiona, primeiro pela erudição, pelo conhecimento teórico que vai além do cinema. Particularmente, neste episódio 9 ele se emociona e também nos emociona a todos nós ao conectar Tulsa com o Brasil 👇🏿(segue)
Read 7 tweets
6 Oct
A ação da DPU contra o programa de contratação de trainees da Magazine Luiza é mais um capítulo do esfacelamento social e político resultante de nossa atual crise civilizatória. Segue fio com algumas considerações 👇🏿
1. Ao mesmo tempo em que a responsabilidade institucional deve ser ressaltada, é preciso dizer que a DPU não pode ser definida por este ato. Há trabalhos incríveis da DPU, e aqui destaco a recente Ação Civil Pública que pediu a inclusão dos dados de raça nos casos de Covid-19. 👇🏿
2. Sobre a petição da DPU, não quero perder tempo tratando de seu conteúdo jurídico, pois não há nada ali que possa assim ser chamado. É como se alguém pegasse a caixa de comentários de um portal de notícias e organizasse em seções: "dos fatos", "do direito" e "do pedido" 👇🏿
Read 14 tweets
12 Sep
Os antropólogos e as antropólogas que acompanho nesta rede ensinaram-me que devemos usar tempo e energia para disseminar conteúdos relevantes e não para, a pretexto de "crítica", prestigiar o horror pela via reversa. Por isso, quero indicar algo que considerei excelente👇🏿
Este vídeo do jovem @chavosodausp sobre "populismo penal midiático" é muito bem feito. Tem bom ritmo, traz fontes e possui algo que, na minha opinião anda em falta: responsabilidade. É um vídeo que leva à reflexão crítica e que ensina.

(Continua 👇🏿)
Vejam como ele dialoga como um jovem (que ele de fato é), mas não abre mão do rigor ao abordar um tema que tenho insistido muito: o papel dos meios de comunicação na construção do genocídio da população negra. (👇🏿 continua)
Read 8 tweets
16 Aug
Eis o artigo que escrevi com @pedrolrossi sobre racismo e economia. Algumas reações ao artigo me chamaram a atenção pois, não apenas denunciam o nível de corrosão da esfera pública, mas confirmam tocamos no "coração ideológico" do debate 👇🏿(fio)
www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/0…
Em primeiro lugar, cabe dizer que é um artigo que debate como a compreensão da desigualdade racial é definida pela metodologia. O artigo afirma que a visão ortodoxa da economia enfatiza a dimensão da ação individual na análise do racismo. 👇🏿
Citamos autores clássicos que colocaram o problema, como é o caso de Gary Becker. O termo "economia ortodoxa" aparece uma vez no texto para acentuar o que consideramos limitações metodológicas. 👇🏿
Read 6 tweets

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