Muita gente tem uma leitura apressada sobre o impacto eleitoral do levante antirracista nos EUA durante a pandemia. É de se pensar. Em tempos, o grande efeito bom daquilo se vê na Georgia, mas há várias nuances. Vamos refletir sobre alguns pontos (1/10).
No caso da Georgia, resumir a virada eleitoral, em um estado tradicionalmente direitista e racista, aos levantes do meio de 2020 é bobagem: existe um renascimento do movimento negro lá, com uma intensa política de base inclusive voltado para mobilização eleitoral (2/10).
Essa conjuntura catalisou, na verdade, os protestos em Atlanta, mais do que no que no Meio-Oeste Norte onde George Floyd foi morto, mas também se beneficiou do levante: só que só a Georgia teve um retorno eleitoral disso, pois havia antes uma política de base contínua (3/10).
Grosso modo, a grande vantagem entre os negros ajudou Biden a bater Trump, mas isso não é novidade que o Partido Democrata se tornou a agremiação onde o movimento negro se organiza e na qual os negros votam: em resumo, novidade seria se Biden perdesse aí (4/10).
O grande boca urna americano é a demografia do voto: nele se vê que Biden bateu Trump por margens parecidas das quais Hillary bateu o atual presidente entre latinos e negros. O que mudou de 2016 para 2020 foi a mobilização dessas minorias contra Trump, que aumentou (5/10).
Esse aumento da mobilização aumentou o voto urbano e, sobretudo, suburbano, ganhando votos brancos preciosos para a vitória de Biden: sobretudo entre os católicos, como Biden, setor onde Trump ganhou em 2016 e perdeu em 2020 (6/10),
Como Biden não ampliou a margem democrata entre os latinos, o voto católico que virou foi suburbano e branco (aí, excluindo os hispânicos católicos, mas considerando italianos e irlandeses) (7/10).
Isso pesou na virada, ainda que limitada, dos democratas no Meio-Oeste Norte, mas veja, lá tanto minorias foram às urnas quanto muitos supremacistas brancos do interior talvez tenham votado pela primeira vez na vida, em Trump (8/10).
Os democratas terem votado a ganhar no Michigan, ainda que apertado, mostra um giro do voto do ex-operário da indústria, suburbano e católico cujas promessas não foram atendidas por Trump, como eu já dizia antes (9/10).
Nada disso tira o protagonismo do movimento negro americano, que foi o motor da queda de Trump. Mas é importante não esquecer o ativismo político quotidiano em um lugar como a Georgia, ainda que isso ainda seja um fenômeno local daquele estado (10/10).
P.S.: isso não quer dizer, também, que a nova ascensão do movimento negro se dê, como nos anos 1960, por via radicalizada, ao contrário. Ela se dá mais ao centro, o que é a maior força (no curto prazo) e a maior fraqueza (no médio e longo prazo) dessa emergência.
P.S.2.: A extrema-direita tem um combustível: uma arquitetura socio-econômica que exclui trabalhadores brancos, interioranos, não graduados e protestantes. Os mesmos oligarcas que oprimem esse setor são os que o movem contra os negros. Dividir oprimidos para conquistar.
P.S.3.: Sem a reversão de políticas neoliberais isso não vai mudar e a direita radical ainda dará muito o que falar. Biden, portanto, está num impasse. Ou governa mais à esquerda ou terá problemas. Dificilmente ele consegue. Veremos.
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Raphael Warnock se tornou o primeiro negro a ocupar o senado pela racista Georgia. Possivelmente, Jon Osoff vai tomar a outra cadeira dos republicanos. Isso dará vantagem aos democratas no Senado. Isso é bem simbólico sobre os próximos anos da América (1/7).
Trump forçou a mão justamente na Georgia, um estado que ele não esperava perder -- desde que os republicanos se tornaram a ultradireita, eles jamais haviam perdido. A tensão que ele exerceu sobre as autoridades eleitorais de lá prejudicaram o seu candidato (2/7).
Ironicamente, durante muito tempo, o Partido Democrata era hegemônico no Estado. Afinal de contas, os democratas do Sul eram os legítimos representantes do segregacionismo e do revanchismo pelo fim da escravidão, à direita dos republicanos (3/7).
Alberto Fernandez teve um 2020 infernal: herdou um país em forte crise econômica e, ainda, foi atravessado pela desorganização regional promovida por Bolsonaro e pela Pandemia de Covid-19. Entre percalços, termina o ano muito bem com a aprovação do aborto legal (1/5).
Alberto acertou na quarentena radical, mas não suportou a pressão pela reabertura, que saiu desorganizada, mas agora tenta compensar com parcerias para vacinação com mexicanos e russos, o que pode dar muito certo. De todo modo, ele saiu na frente do Brasil (2/5).
Na política externa, ele foi até onde pode, estabeleceu boas pontes e se mostrou um interlocutor legítimo, sensato e racional, mas não pode colher ainda tantos frutos. Ainda assim, é ele que Biden, Macron ou Putin recorrem para falar na América do Sul (3/5).
Os EUA tentaram dar uma volta na China, derrubando o sistema local no final dos anos 1980, mas uma vez perderam a briga, se distraíram com a queda da URSS e o ensaio de demonização de Pequim ficou para o futuro, que é hoje (1/7).
O que o expansionismo desenfreado da era Clinton demandava era da China como exportadora de produtos baratos por um lado, mas também como compradora de títulos da dívida americana por outro. A escalada parou por ali (2/7).
Editoriais do NYT como este foram congelados e trazidos de volta só há pouco, por Donald Trump (3/7).: nytimes.com/1991/09/22/wee…
Doria, é claro, mascarou a pandemia de Covid-19 durante as eleições e isso foi bem grave assim como o retorno precipitado ao trabalho e tudo mais, MAS, na questão da vacina ele está certo. Inclusive, as DUAS leis que Bolsonaro sancionou sobre a pandemia autorizam ele (1/5).
A ANVISA É OBRIGADA a autorizar a vacina que venha a ser importada: "§ 7º-A. A autorização de que trata o inciso VIII do caput deste artigo deverá ser concedida pela Anvisa em até 72 (setenta e duas) horas após a submissão do pedido à Agência, (...)" (2/5).
"(...) dispensada a autorização de qualquer outro órgão da administração pública direta ou indireta para os produtos que especifica, sendo concedida automaticamente caso esgotado o prazo sem manifestação" -- se não vier a autorização em 72 horas, ela é desnecessária (3/5).
A inflação vai bombar em 2021 e, a bem da verdade, o processo de alto de preços tardou a acontecer, por vários fatores. Entenda (1/7):
O Brasil possui aluguéis e grandes tarifas de serviços essenciais, como energia, atrelados a chamada correção monetária, isto é, à compensação pela inflação registrada em um ano, calculada em geral por um índice ligado a produtos que variam bastante pelo dólar (2/7).
Ao contrário de um país sério, o Brasil vários índices de inflação. O oficial, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), não é utilizado para a aberrativa "correção monetária", algo que fazia sentido na época da hiperinflação, mas não hoje (3/7).
As eleições parlamentares na Venezuela seriam vencidas pelo governo, então a oposição fez o de sempre nessa situação: boicotou para deslegitimar o pleito. O que deveria ser uns 50% por causa da pandemia de quórum virou 30% (1/7).
Levamdo em consideração o boicote e a pandemia, o comparecimento em 2020 foi maior do que 2005, quando também o ocorreu boicote da Oposição, que registrou 25% de quórum (2/7).
Em 2015, a oposição venceu a disputa com 74% de quórum, mas agiu apenas para derrubar Maduro, gerando uma crise grave que debelou um processo constituinte inconcluso, que serviu para a Assembleia Constituinte travasse a Assembleia Nacional (3/7)