Quando era moleque, tenho três grandes memórias da grande mídia: os ataques dominicais ao Bolsa Família no Fantástico; a criminalização diária do MST; e a guerra contra as cotas raciais.

Ali formei minha opinião. Não temos imprensa séria no Brasil, temos órgãos senhoriais.
Entre as variáveis que explicam a crença no whatsapp e nas fake news, deve entrar na conta uma mídia historicamente formada por mentiras. Nunca tivemos uma cultura de apreço pela verdade no país.

Nisso, a mídia não contribui para o fascismo atual. Ela é parte constitutiva dele.
De memória e pegando o exemplo do Bolsa Família para pensar o mesmo modus operandi da mídia e das fake news. O ataque se baseava em três elementos: enfatizar as "fraudes"; afirmar que ele incentivava uma cultura de "não-trabalho"; e dizer que era uma tática de cooptação de votos.
Ou seja: exemplos aleatórios para condenar a política pública como um todo, etiquetando-a como mar de corrupção; criar um ambiente de ódio de classe contra os "pobres e nordestinos preguiçosos"; valer-se do terrorismo eleitoral, insuflando figuras como "coronelismo" e "ditadura".
Ou seja, uma política compensatória (em um país de passado escravista, desequilíbrios regionais e de uma das maiores desigualdades do mundo) foi atacada com a mesma desinformação, retórica do medo, alarmismo e mentiras que hoje vemos nas fake news.
Lembro de já estar terminando a faculdade (ou seja, fim do primeiro mandato de Dilma) e ver as primeiras matérias na grande mídia tratando do sucesso do bolsa família (sobre as pessoas valerem-se do benefício para buscar emprego e como o programa foi importante para as mulheres).
Portanto, no caso do Bolsa Família, foi mais de uma década de ataque incessante, irracional, odioso e classista, para só depois a grande mídia mudar parcialmente de posição, como se nada (e diante de um sucesso social indiscutível do programa e inúmeras pesquisas a desmentindo).
Assim, qualquer discussão sobre democracia e o papel da grande mídia no Brasil sem enfrentar essas questões (que permanecem) é perfumaria. É contribuir para o quadro de desinformação e cidadania de baixa intensidade que vige nessas terras. É continuar alimentando o fascismo.

• • •

Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh
 

Keep Current with Marcos Queiroz

Marcos Queiroz Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

PDF

Twitter may remove this content at anytime! Save it as PDF for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video
  1. Follow @ThreadReaderApp to mention us!

  2. From a Twitter thread mention us with a keyword "unroll"
@threadreaderapp unroll

Practice here first or read more on our help page!

More from @marcosvlqueiroz

1 Jan
Dia 01/01 é data de celebrar a Independência do Haiti, fruto da mais importante revolução moderna. Deixo uma thread com textos que escrevi sobre o assunto.

Primeiro esse na @JacobinBrasil, que já circulou muito por aqui. É uma boa introdução no tema! 👇🏾

jacobin.com.br/2020/08/a-mais…
Para a galera do direito, fica a pedida de texto publicado em 2016, na Revista Direito, Estado e Sociedade, da PUC-Rio. Acredito que é o primeiro artigo em português a abordar as conexões entre Revolução Haitiana e constitucionalismo moderno. 👇🏾

revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revi…
Na mesma toada, minha dissertação de mestrado, na qual analiso o impacto da Rev. Haitiana na gênese do constitucionalismo brasileiro e da construção do nosso estado-nação. Lá está a hipótese central nas minhas pesquisas: o Brasil nasce negando o Haiti. 👇🏾

repositorio.unb.br/bitstream/1048…
Read 6 tweets
22 Dec 20
O movimento negro colocou a discussão sobre a presença negra e cotas no ensino superior na Constituinte de 1946. Na década de 80, lutou para a volta do quesito cor/raça nos censos como ponto central para reivindicar medidas afirmativas. No mesmo momento, Abdias (...) 👇🏾
protocolou o PL 1332/83, que estabelecia reserva de vagas para negros nas mais diversas instâncias. Na década de 90, a partir do caso Ari na UnB, foi esse movimento que pressionou as universidades a implementarem o sistema de cotas. 👇🏾
O movimento negro falava de cotas quando NINGUÉM discutia medidas para colocar negros e pobres nas universidades brasileiras.

Tudo isso para chegar hoje e muita gente querer colocar a nossa presença na universidade na conta de uma única pessoa ou partido. Façam me o favor. 👇🏾
Read 6 tweets
21 Dec 20
Tava aqui revisando os livros que me acompanharam esse ano e me deparei novamente com a figura da Ana Maria Rodrigues, que sempre cito quando falo e escrevo sobre música. Novamente a pergunta: o que explica o silêncio brutal sobre ela? 👇🏾
Silenciada por ser mulher negra intelectual? Silenciada por "Samba Negro, Espoliação Branca" ser um clássico paradigmático até hoje não reconhecido? Silenciada por falar de racismo em um dos espaços centrais para a construção da nossa identidade nacional, o samba? 👇🏾
Na última andança buscando informações sobre ela, encontrei essa live belíssima gravada em setembro desse ano pela grande dupla do Pensamento Social do Samba. Aulas. O melhor: com dicas e sugestões da filha de Ana Maria Rodrigues. 👇🏾

Read 13 tweets
20 Dec 20
Índio Ramirez é de Antioquia, departamento central para a construção da branquidade colombiana. O estado, muitas vezes, é visto em oposição ao Pacífico e ao Caribe, onde viveriam os "negros". Apenas para trazer elementos e tons sobre de onde vêm os racismos da nossa América.
E longe de querer generalizar, mas sempre bato na tecla que se entendêssemos mais o nosso continente, teríamos mais elementos para analisar situações como a de hoje. Especialmente para sacar as semelhanças entre Brasil e Colômbia: (...)
como dois países que se apresentam para o mundo como mestiços e racialmente harmônicos ainda convivem com o signo "negro" tão latente na fala para marcar uma diferença desumanizante?

O que Gérson escutou hoje é o que pessoas do Pacífico e do Caribe muito escutam na Colômbia.
Read 12 tweets
4 Nov 20
As origens escravocratas do sistema eleitoral dos Estados Unidos

Agora que tá todo mundo um tanto quanto embasbacado com a zona que são as eleições nos EUA, podemos nos perguntar como essa patifaria toda começou, não?

Bom, como tudo nas Américas, a raiz é a escravidão. 👇🏾
A virada do século XVIII para o XIX é um dos momentos mais turbulentos da história da humanidade. Uma onda revolucionária percorre o atlântico, na qual as ideias de cidadania, liberdade, igualdade e república tomam conta da arena política. É o surgimento da democracia moderna. 👇🏾
Porém, o liberalismo e o republicanismo conviviam com um lado oculto: a permanência da escravidão e o racismo.

Na França revolucionária, em 1789, alguns dias depois da queda da Bastilha, colonos de São Domingos encaminharam uma petição à recém formada Assembléia Francesa. 👇🏾
Read 22 tweets
2 Nov 20
Vai chegando o momento do resultado das eleições nos EUA e bate uma vontade de escutar The National. Democratas convictos e de um swing state (Ohio), sempre se envolveram bastante nas últimas disputas eleitorais. Ainda nos tempos da "esperança" Obama,(...)
"Fake Empire", uma crítica ao modo com os americanos levam a política, foi utilizada como peça eleitoral. Na reeleição, "Mr. November" virou hit de campanha, estampando camisas e tudo. Apoiaram abertamente Hillary e, agora, Biden (...)

após as derrotas de Sanders nas primárias. Além de ser uma das minhas bandas favoritas, gosto de ouvi-los e ver seus posicionamentos para compreender o horizonte de expectativas e os limites do progressivo liberal estadunidense de cunho institucional.

Read 7 tweets

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3/month or $30/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!

Follow Us on Twitter!