A gente se perde em bobagens no Brasil enquanto o mundo gira. A dança que Biden e Merkel estão protagonizando nesses dias em torno da China é algo da maior importância. Mas estamos todos hipnotizados aqui com artefatos de uma barraquinha de miçangas.
Biden quer aglutinar as democracias liberais do mundo em torno de um amplo bloco que se oponha abertamente às autocracias na China e na Rússia. Mas a Alemanha de Merkel surpreendentemente se opôs.
Merkel está há 15 anos no poder, tem 74% de apoio popular e não pretende disputar novos mandatos. Essa conjunção de fatores permitiu que ela verbalizasse em Davos preocupações raramente expressadas pelos líderes europeus a respeito do papel dos EUA nessa questão.
Para ela, a conversa de que a China representará sempre uma ameaça ao mundo pelo fato intrínseco de ser uma autocracia governada por um regime de partido único, comunista, é papo furado da Casa Branca para tentar manter a própria hegemonia.
Obviamente, Merkel não está alheia às violações cometidas na China. O que ela argumenta é que o país aderiu aos principais instrumentos internacionais e, nessa condição, pode e deve ser monitorado, sem que isso implique em interferências externas indevidas.
A posição de Merkel é importante nesse momento em que a China – e a Rússia, talvez, em menor medida – agem para sair da pandemia melhor do que entraram, fazendo da ciência o motor de uma renovada inserção internacional na era pós-Trump. Grande momento, para quem gosta do tema.
Só um adendo: não me surpreenderá se Macron entrar na mesma toada. Já falou que acredita numa Europa que inclua a Rússia e, embora critique abertamente as violações chinesas, parece determinado a jogar um jogo que não fique imobilizado pela bipolaridade proposta pela Casa Branca.
• • •
Missing some Tweet in this thread? You can try to
force a refresh
Bolsonaro queria impedir que as empresas que participarão do leilão do 5G no Brasil usassem estruturas da chinesa Huawei. Voltou atrás, como mostra relatório com as regras do leilão, concluído ontem. Ernesto insiste em dizer que a liberação das vacinas não teve condicionantes.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, foi peça-chave na negociação vacinal com os chineses. Qual seria o papel de um ministro das Comunicações numa conversa sobre saúde e acesso a vacinas e outros insumos médicos? Faria deve visitar a Huawei na China em fevereiro.
Do lado do governo, não há problema nenhum em negociar e ceder. Diplomacia serve para construir essas pontes possíveis. O problema é Bolsonaro e Ernesto fingirem que não topam a China, agitando suas bases pela via de uma intransigência ideológica fajuta.
Em "Deus e o Diabo na Terra do Sol", filme de Glauber Rocha, de 1964, o vaqueiro Manoel vaga com a esposa num sertão sem fim que representa o Brasil. Na peregrinação penosa da vida, o vaqueiro topa com dois líderes carismáticos.
O primeiro é um religioso que diz ser a reencarnação de São Sebastião. Assim como Conselheiro em Canudos, o suposto santo arrebanha em Monte Santo uma horda de seguidores fanáticos aos quais promete vida melhor num paraíso idílico: uma ilha cercada de água.
O segundo é o cangaceiro Corisco que, após a morte de Lampião, de Maria Bonita e da maior parte do bando, vaga numa jornada escatológica, na qual busca o fim de sua experiência violenta de vida.
Não sou especialista no assunto, não cubro saúde, não estive em Manaus, não tenho conhecimento. Mas me intriga: os responsáveis pelo suprimento de oxigênio hospitalar detectaram que faltaria o produto? Isso foi registrado? Isso foi comunicado às autoridades de saúde? Sigo:
Os médicos oficiaram o diretor da unidade? O diretor da unidade oficiou a secretaria de saúde? Isso chegou ao ministério? Não há nada escrito no estado? Não há protocolos? Padrões? Não há rastros, registros?
O ministro da Saúde visitou o estado pouco antes do colapso. Foi informado? Recebeu relatório? Que resposta ele deu? Ele mesmo produziu registro de sua visita? Manifestou suas constatações? Discutiu com alguém o assunto? Tomou conhecimento?
A soja é o principal produto de exportação do Brasil. Está à frente de minério de ferro, de petróleo, de celulose, de maquinário, de tudo. O produto, em grão ou em farelo, é usado principalmente para ração animal, e responde por 14% de todas as vendas brasileiras ao exterior.1/10
Das aproximadamente 100 milhões de toneladas de soja que o Brasil exporta por ano, 13 milhões vão para países que fazem parte da União Europeia, sendo que 5 milhões vão para a França, de acordo com dados atribuídos pela @abiove à @embrapa . 2/10
Pois é justamente a França – país que, ao lado da Alemanha, lidera a União Europeia, sobretudo após a saída do Reino Unido – quem lançou ontem uma ameaça explícita de boicotar a compra de soja do Brasil. O governo brasileiro se calou. As entidades do setor desdenharam. 3/10
É capaz que o presidente Bolsonaro, seus ministros e apoiadores atribuam a uma agenda ideológica a decisão francesa de – certamente não hoje, mas em algum momento – parar de comprar soja brasileira, como anunciado hoje por Macron. Não é ideológico, pelo seguinte:
Qualquer pessoa minimamente informada sobre a política e a sociedade europeias hoje sabe que não existe tema mais importante na agenda do continente do que a questão ambiental. Todo político europeu, incluindo Macron, precisa atender ao lobby ambiental se quiser sobreviver.
Era óbvio que a forma como Bolsonaro vinha lidando com as queimadas na Amazônia e no Pantanal traria consequências econômicas negativas para o agronegócio brasileiro, e é impossível que a diplomacia brasileira não tenha detectado e reportado esse risco ao Planalto.
Não consenso entre constitucionalistas americanos sobre se Trump pode sofrer um processo de impeachment mesmo depois de deixar o mandato, em 20 de janeiro. Dou dois exemplos de argumentos: 1/5
Michael Gerhardt, professor de direito na Universidade da Carolina do Norte e autor de diversos livros sobre impeachment nos EUA, argumenta que, sim, é possível tocar um processo de impeachment mesmo depois de o presidente ter concluído o mandato. 2/5
“Presidentes podem cometer delitos a qualquer momento do mandato, inclusive nos últimos dias”, diz Gerhardt. “Membros do Congresso podem perder o interesse em julgar um ex-presidente, mas essa é uma escolha política, e não uma diretriz constitucional.” 3/5