Não sei se vocês estão acompanhando o que está acontecendo na bolsa de valores dos EUA com as ações da GameStop, uma cadeia de lojas especializadas em games, mas é algo muito interessante. E instrutivo.
Vou tentar resumir: um subgrupo do Reddit que reúne pessoas interessadas em ações e na bolsa de valores (mas não ligadas a nenhum grande fundo de investimentos) decidiu investir nas ações da GameStop como uma ação conjunta e passaram a comprá-las loucamente.
Eles escolheram a GameStop por dois motivos: 1) (e isto é suposição) por simpatia pela empresa; e 2) (isto é fato) porque ao valorizarem as ações da franquia, eles trariam um prejuízo bilionário a grandes investidores e fundos de investimentos.
Como fizeram isso? Bom, como é fácil imaginar, muitos investidores passaram a encarar a GameStop como uma empresa com imenso potencial para afundar - não só por causa do comércio online, mas porque as lojas da franquia, situadas em shoppings, estão fechadas por causa da Covid.
E aí os especuladores fizeram o que especuladores fazem: decidiram apostar CONTRA a empresa, fazendo o que em inglês chamam de "shorting" as ações. Se vocês viram A Grande Aposta (e recomendo, pois é excelente), sabem do que se trata. Mas basicamente é o seguinte:
Você pega as ações de uma empresa "emprestadas" e as vende pelo preço de mercado naquele momento. Depois, quando as ações caem, você as compra de volta, devolve e fica com a diferença entre o preço que vendeu e comprou.
É uma jogada obviamente arriscada, porque se der errado, não há limite para o tanto que você pode perder. Se você compra ações de modo normal e elas afundam, você perde "só" o dinheiro que investiu; no caso do short selling, porém, você perde mais à medida que as ações sobem.
E como há contratos que determinam o prazo de "devolução" das ações, você é obrigado a recomprá-las pelo preço que estiverem sendo vendidas naquele momento, seja qual for. Em teoria, você pode ter vendido por mil esperando que fossem cair e acabar tendo que comprar por um milhão.
Tenho certeza de que há várias nuances que me escapam, mas em resumo é isso.
Pois bem: acontece que vários fundos de investimento haviam apostado muito dinheiro que as ações da GameStop iriam cair (o tal "shorting"). Mas graças ao subreddit, elas começaram a subir.
Um dos fundos já teve que receber um influxo de dinheiro de mais de um BILHÃO de dólares para cobrir as perdas. Mas parece que amanhã vencem os contratos de outros que fizeram essa "aposta" e aí é que se terá uma noção exata da escala do estrago.
Enquanto isso, os caras que participam do subreddit continuam a comprar ações e a levar o preço pra cima. É uma compra organizada, sistemática, pensada com estratégia.
E está ferrando os grandes investidores.
Aí, claro, os donos da bola começam a ficar com raiva porque não têm mais controle da narrativa - e alguns querem pressionar pela regulamentação do que ações coordenadas como esta podem ou não fazer, querendo CONTROLAR um fórum de internet. Boa sorte com isso.
A ironia é que esses grandes fundos, quando apostam contra uma empresa, estão contando justamente que a APOSTA EM SI garantirá que as ações cairão - e muitos fazem apresentações públicas defendendo por que acham que as ações cairão. Ou seja: ELES podem; os outros, não.
Isto deixa claro como o "mercado" lida não com bens reais, com coisas tangíveis, mas com especulação pura e simplesmente. Não interessa se a GameStop é viável como empresa ou não, se afundar ou salvar a empresa terá efeitos sobre seus funcionários; interessa a ESPECULAÇÃO.
Este é um dos inúmeros motivos que me fazem desprezar aqueles que veem o "mercado" como guia da economia de um país: ele nada mais é do que uma banca de jogos pra gente rica. Que acaba brincando com as vidas reais por trás de suas especulações.
E sempre que esta brincadeira dá errado, quem é que tem que correr pra SALVAR os ricaços? Pois é, o povo. Os pobres. Através de pacotes de ajuda oferecidos pelo Estado. Porque o "mercado" não pode parar, imagina.
Exatamente como agora: esses canalhas são contra regulamentação, querem poder jogar livremente com as vidas alheias, mas quando um grupo de pessoas se organiza por um fórum de internet para ferrá-los, AÍ QUEREM REGULAMENTAÇÃO URGENTE disso.
(Aliás, já que mencionei A Grande Aposta, sabem o investidor vivido por Christian Bale naquele filme, Michael Burry? Que previu o colapso de 2008 muito antes de acontecer? Pois é, ele tem ações da GameStop e acabou ganhando outra fortuna com essa jogada do subreddit.)
Mas não vou ser ingênuo como muitos e achar que o que está acontecendo foi uma ação "espontânea" num subreddit. É ÓBVIO que tem gente por trás disso (alguns falaram até do próprio Burry). Porém, como tem bilionários se fodendo, vou aplaudir.
Dito isso, vamos ver outra notícia que pode parecer não estar relacionada ao lance do GameStop, mas ESTÁ. E aí, sim, deve preocupar todo mundo: há poucos dias, Wall Street passou a aceitar que a ÁGUA se torne um commodity (como o petróleo) e seja comercializada na bolsa.
E por que isso tem a ver? Porque, como ficou claro com o GameStop (digo: pra quem ainda não via isso), o mercado de ações está à mercê de sociopatas, de gente que trata o ganha-pão alheio como um jogo de roleta. O valor "real" não importa; importa a PERCEPÇÃO.
E o que faz as ações de uma commodity subirem?
Escassez.
Agora pensem nisso: no que significa a ÁGUA passar a ser "commodity".
Primeiro, isso escancara que se trata de algo que o mercado JÁ SABE que vai se tornar cada vez mais raro.
E segundo, que os especuladores, os grandes fundos de investimento, agora terão um MOTIVO para "torcer" (e nunca fica só no "torcer"; sempre há ação por trás) para que o valor da água suba. Por demanda ou por escassez.
E repito: o mercado é dominado por sociopatas.
O capitalismo vai destruir o planeta. Só não vê quem não quer.
ATUALIZAÇÃO: os donos da bola como sempre criam as regras e param o jogo quando perdem. O Reddit restringiu o acesso ao subgrupo de investidores, o App Robinhood (que mais utilizavam) bloqueou negociação das ações da GameStop e os fundos receberam influxo de dinheiro.
Sempre vejo um pessoal aqui defendendo o “mercado” (ou privatizações; a lógica é a mesma) como se fossem investidores bilionários e não gente que tem que financiar carro e parcelar TV de 50 polegadas (e olha que estou falando só da classe média). Aprendam: o mercado te despreza.
Você ter investido alguns milhares de reais em ações (de novo: estou falando da classe média) NÃO te torna um “player”. Na primeira oportunidade que tiver, o “mercado” te mastiga e te cospe fora. As cartas desse jogo são viciadas e SEMPRE beneficiarão a mesa (leia-se: os ricos).
O neoliberalismo é uma doença degenerativa, fatal e que consegue convencer muitas de suas vítimas de que na verdade é uma cura.
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Apresentei Karatê Kid para Nina e para minha sobrinha. Curtiram muito. E vou dizer: não é nostalgia, não; o filme é maravilhoso e ponto.
O Sr. Miyagi é a coisa mais linda do mundo.
Hoje foi a vez de apresentar Karatê Kid 2 para as meninas (minha filha e minha sobrinha). Também curtiram muito. Eu devo ter visto esse filme no cinema umas 15 vezes quando foi lançado. E vou dizer: continua funcionando muito bem.
Para quem foi pré-adolescente e/ou adolescente na década de 80, Karatê Kid foi um fenômeno tão memorável quanto Indiana Jones, De Volta para o Futuro ou Rambo. Lembro que a antecipação pelo segundo filme era enorme - e acabei vendo no cinema várias vezes.
(Não vou comentar o terceiro filme e muito menos o quarto, mas tenho imenso carinho pelos dois primeiros até hoje.)
Justamente por ter tanto carinho pelos dois primeiros filmes que evitei ver Cobra Kai até hoje; eu temia que a série manchasse de alguma forma minha memória afetiva dos originais. (Isso mesmo tendo visto o vídeo "Sweep the Leg, Johnny" umas 500 vezes e amado.)
Vi agora a thread do "bean dad" que está tomando conta do twitter (pra quem não viu, um pai fez uma longa thread contando como se recusou a abrir uma lata para a filha para que ela aprendesse a usar o abridor. Ela tem 9 anos e ficou seis horas com fome até conseguir).
É claro que ele, embora tivesse achado que iria arrasar, está sendo massacrado. Sim, ele foi duplamente babaca: por deixar a filha ficar com fome tanto tempo só pra ensinar uma lição boba e por depois contar a história no Twitter como se fosse algo fantástico.
O Twitter, como sempre faz, está reagindo com uma falta de proporção absurda. Inclusive acusando o cara de "abuso infantil". Porque é pra isso que essa merda aqui serve: pra que possamos nos sentir superiores apontando como os outros são horríveis. (Estou fazendo isso agora.)
Uma bobagem que eu levo a sério é a escolha do primeiro filme que vejo em cada ano. Pra não arriscar começar o ano de cinéfilo mal, prefiro não arriscar e sempre revejo algo que eu ame. Se possível (quando lembro), tento também terminar com um título que dialogue com o primeiro.
Em 2019, por exemplo, comecei e terminei o ano com Satoshi Kon.
Já em 2020, eu pretendia rever Os Três Enterros de Melquiades Estrada no dia 31 para remeter ao título sensacional do primeiro filme do ano, Traga-me a Cabeça de Alfredo Garcia. Mas acabei sem tempo depois de passar o dia escrevendo sobre Soul e o texto de Números e Estrelas.
Eu gostei de Jogador No 1 (mais do filme do que do livro), mas a continuação, lançada há poucos meses, é ruim de doer. Todos os personagens são insuportáveis (incluindo o casal principal, Wade e Samantha), a narrativa é prolixa ao extremo e o desfecho é tolissimo.
O livro consiste basicamente de um monte de gente que decorou trivias da cultura pop e se orgulha de ficar recitando-as em detalhes uns para os outros. Sim, o primeiro também era assim, mas ao menos a história nos apresentava aos conceitos interessantes do OASIS.
Ler Jogador No 2 é ficar preso em uma sala com um bando de idiotas que confundem cultura com curiosidades e que se acham inteligentíssimos porque decoraram detalhes irrelevantes de livros, filmes e músicas. Não é à toa que jamais discutem os TEMAS das obras, só trivias.
Quem me acompanha há algum tempo sabe que considero a HFPA, que promove o Globo de Ouro, uma piada de mau gosto. Aliás, não é exclusividade minha: eles são vistos como picaretas também em Hollywood (dito isso, há alguns jornalistas dignos na associação, mas são minoria).
Pois bem: vi agora que a HFPA decidiu que "Minari" só pode concorrer como "Filme de Língua Estrangeira" no Globo de Ouro. Embora seja uma produção totalmente norte-americana. (A maior parte do longa é em coreano.)
Curiosamente, isso não se aplicou a Babel e Bastardos Inglõrios.