Antes deste modelo de agricultura industrial houve toda uma cultura de difusão de como viver na cidade era moderno, desenvolvido, culturalmente mais avançado. Pq antes de tomar a terra, é preciso enfraquecer a resistência e isso começa pelo imaginário, pela cultura.+
Quando falamos em êxodo rural, nós associamos a secas, paisagens castigadas, mas falamos pouco do papel do rádio e da TV, por um lado, e da violência e autoritarismo dos fazendeiros, por outro. A operação de força precisa e financia a operação ideológica, cultural.+
Quem é do interior sabe que muitos políticos profissionais são ao mesmo tempo donos de terras e dos meios de comunicação local. Quando não o são, estão ligados por parentescos ou afiliação política. Eu trabalhei com jornais em meados do século XX, aquilo era uma operação.+
Os jornais no sul da Bahia na década de 1950 falavam das chegadas de sertanejos, retirantes, com nojo e desprezo na matas baianas, mas todos os dias autoelogiavam a cidade civilizada, moderna e com os mais avançados itens de conforto na vida burguesa. Era um convite pela metade.+
Então hoje nós temos muitas ferramentas de análise de como a cultura dominante e sua ideologia atuam no seio dos mais pobres e, sobretudo, dos povos, desacreditando-os de seus modos de vida, questionando a legitimidade de seus territórios. Não tarda e chega o grileiro.+
Então primeiro coloca em dúvida através dos equipamentos de comunicação se os indígenas tem terra e depois um grileiro chega dizendo que aquela terra, por cartório é dele. Por fim, entra a justiça e deixa o debate sobre marco temporal muito tempo na mídia e sem julgamento.+
Você percebe? É uma operação. É uma forma de deixar os povos sem dormir direito. De desestimular novas retomadas indígenas e etc. O sist. de justiça completa a operação de comunicação e a outra de força privada dos fazendeiros ao impedir a reação dos povos a estes.+
Na Bahia conhecemos bem isto pq aqui descobriram juízes vendendo sentenças para grileiros no Oeste da Bahia. Pedidos liminares contra reintegração de posse a geraizeiros que vivem há centenas de anos no cerrado eram negados em um conluio muito eficaz. +
Quem atua junto a movimento sabe que perder na justiça sempre baixa a moral de uma parte da gente de luta. É terrível o efeito psicológico. E esse efeito faz parte também da própria narrativa de comunicação que nos ataca, cada derrota dessa sai na mídia como desestimulo à luta.+
Por fim, isto vai sendo introjetado até mesmo no seio das esquerdas. Uma parte assume o debate liberal de defesa da propriedade de meios. Não fomentam mais retomada de terras, se alienam excessivamente nas cidades, acham o campo um atraso. Eis a vitória que dificulta a rebeldia.+
Romper com isso é também se afastar dessa colonização do nosso imaginário criativo rebelde. Nós não vemos possibilidades reais de vitória pq elas foram castradas por esse tripé da ação da ideologia: força privada dos latifundiários, meios de comunicação, sistema de justiça.+
Então eu sei que nós estamos brincando e tal com tantas coisas. Com propagandas de bebidas, com programas de TV, com séries, jornalistas e atrizes empoderadas, músicos desconstruídos... mas o capitalismo tá organizando um coerência com tudo isso.. e uma coerência contra nós.+
Eles vão nos dar espaço na mídia, vão nos dar protagonismo e legitimar nosso lugar de fala, vão fazer de alguns de nós exemplo dos que venceram na vida, vão reservar espaços nos grandes negócios para alguns de nós... O que não vão fazer é nos dar terra, meio de produção!

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7 Jan
se eu num tivesse num BR fodido de fome, fascismo, genocídio preto e indígena, eu até estendia minha mão e preocupação com o nazismo no EUA. Mas daqui, o que posso fazer? Combater os daqui, né?! E só se faz impedindo eles de cativarem mais gente pobre.+
O @detetivevsilva esteve escrevendo textos sobre como os pobres daqui estão embarcando na ação direta, em manifestações, contra o lockdown em várias cidades e sendo abraçados, é claro, pelos comerciantes e sua política de morte.+
Estão errados em lutar contra as medidas sanitárias? Veja, muitos deles estão entre duas possibilidades de morte: pela fome e toda desgraçada da ausência de renda; ou pela COVID-19. É uma decisão no meio do completo desamparo. Não dá para a gente criticar muito.+
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6 Jan
Quando eu comecei aqui na rede falando sobre voltar à terra, uma turma de intelectuais de esquerda, algumas pessoas até com história de vida na periferia, fez cada crítica como se fosse um absurdo, como se ninguém tivesse tempo para isso pq estava sobrevivendo, etc.+
Quando nós soltamos a convocatória do Quilombo Terra Livre, recebemos gente de todas as regiões do Brasil interessados. E claro, muita gente tá muito longe da Bahia para poder vir. Estamos ouvindo histórias de vida dolorosas em que a terra será de fato liberdade.+
Ouvimos muita disposição de gente da cidade para aprender a lidar com a terra, respeitar o bioma e trabalhar com habilidades urbanas na construção de uma nova comunidade. E muita gente disposta a tomar um meio de produção do latifúndio. Isto é fundamental.+
Read 5 tweets
5 Jan
Ontem e @teiadospovos convocou o povo para superar a crise com nossas próprias forças e lutas, sem esperar do mau governo. É importante que a turma do movimento negro veja isto: estamos seguindo fazendo quilombos. Retornamos ao princípio.+
teiadospovos.org/quilombo-terra…
Ontem eu e @luta_onire passamos o dia conversando com pessoas que nos chamaram. Ontem também saiu no México um texto fundamentando o pensamento de forjar quilombos. Estávamos cumprindo algo que pensamos, elaboramos e colocamos como desafio deste ano.+
desinformemonos.org/hacer-quilombo…
Por um lado estamos cumprindo nossas falas ao povo preto, sobretudo, que é possível sair da maquinaria de morte que é a cidade. E dizendo que a melhor política de hoje é construir quilombo, lugar de refúgio, para se fortalecer e vir tocar fogo no canavial que aprisiona.+
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4 Dec 20
Papo rápido sobre autodefesa. Os mais velhos que enfrentaram latifúndio, polícia, jagunço nos tem ensinado algumas coisas. A primeira ilusão são as armas. Bagunçam organizações e não garantem muita coisa sem uma organização consolidada e com uma formação vigorosa. O que defende?+
Eles nos têm ensinado que o fundamental da resistência é conhecer o território, ser amigo e familiar dele e ter abundância alimentar. Quem vai defender ficará afastado da tarefa de produção e manutenção da sua existência e de sua família. Então precisamos alimentá-los.+
Com reserva de comida, nós podemos sair do território, acampar em outro lugar, voltar, sair, ocupar outra terra até consolidar o processo de vida na terra almejada. E não existe forma eficaz de defesa que ignore a comida das guerreiras e guerreiros.+
Read 7 tweets
20 Nov 20
Não existe 20 de novembro a ser comemorado. É um lamento a morte de Zumbi e não ter no meio do Brasil uma Palmares para fazer os brancos e este Estado genocida temer. Nossa tarefa histórica? Fazer Palmares novamente. Não no simbólico, mas no concreto.+
Ninguém ache que o ódio anti-preto vai parar a cada ajuste de comportamentos para que as pessoas sejam menos racistas. Isto não existe, não temos histórico disto no planeta. O racismo estruturou toda a sociedade capitalista. Não se arranca a estrutura moldando comportamento.+
Palmares é terra! Mas é sobretudo terra comandada pelos povos pretos numa grande aliança com toda sorte de marginalizados e perseguidos. Acaso não tem chegado a hora de juntarmos nossos povos perseguidos? Ou vocês creem que esta cidade racista tem jeito?+
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19 Nov 20
"Apartheid simbólico" é RONDESP cortar a cabeça de um morador da periferia? Ou tiro de fuzil que matou Micael de 12 anos no Nordeste de Amaralina? Ou o outro tiro que matou Railan de 7 anos no Curuzu? Agora por que a futura vereadora fala isso? A negociação, né?+
Não tem que desracializar a guerra racial que ocorre em Salvador. Não tem que suavizar na palavra. Deixar de falar racismo feito pelo Estado ou ódio anti-preto. Não há simbolismo algum. Há uma materialidade que vai desde a pobreza material até a bala ceifando corpos pretos.+
Porém esta suavização do debate racial encanta as classes médias e elites que reinventam diariamente que podemos reformar condutas raciais para superar um problema estrutural da sociedade. Vocês me perdoem, mas parecem estar tentando impedir a destruição da estrutura racial.+
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