A depressão era o mal do milênio, agora é a raiva. Impressionante como absolutamente todos os aspectos da vida moderna envolvem "passar raiva", do trabalha a política, passando - sobretudo - pelo entretenimento. Chegamos ao cúmulo de "pagar" para passar raiva.
Os espetáculos de luta livre sabiam disso quando criaram a figura do heel, basicamente, um "vilão" cuja popularidade era medida pela sua capacidade de inspirar o ódio (a raiva) no público. As pessoas pagavam ingresso para sentir raiva.
Também fazemos isso com realities, filmes, com o telejornal. Inclusive, Jonathan Crary, em 24/7 (Late Capitalism and the Ends of Sleep) cita pesquisas que demonstram a existência de adictos em telejornais, especialmente os mais violentos.
Basicamente, as pessoas sabem que se sentiriam melhor se não assistissem aos telejornais, que sabem que eles constituem um relato enviesado e negativo do real, contudo, não conseguem deixar de assisti-lo. Não há qualquer prazer no ato, apenas necessidade.
Da mesma forma são as redes sociais: é impressionante como passamos a maior parte do tempo aqui produzindo e consumindo coisas que nos afetam negativamente, que nos deixam com raiva - e como agimos de forma raivosa.
E não é coincidência, o desenho das redes é para isso, para promover esse tipo de engajamento pela reação (que pode se converter em revolta). Daria, inclusive, para qualificar as redes por esse enfoque.
O Instagram estaria mais voltada para a promoção de ego, enquanto o foco do twitter é mais voltado para o engajamento pela reação - não é coincidência que seja considerado por muitos a rede social das tretas: o Facebook seria uma plataforma híbrida.
Não é a toa que figuras como Trump e Bolsonaro tenha se utilizado dessa qualidade das redes para se promover e conquistar o público. Eles são como um heel da luta livre: inspiram o ódio de todos, tanto dos apoiadores quanto dos detratores.
Eles oferecem um rosto, um código para as massas odiarem. Seus apoiadores odeiam através deles, seus detratores os odeiam. Ambos os grupos libertam seus afetos negativos por meio deles.
Ambos os grupos mantém-se cativos da mesma estrutura reativa, do engajamento pelo ódio. Por isso é preciso - insisto -, se libertar dessa reatividade.
O problema, contudo, é que o comportamento se espalhou, e agora todos replicam o modelo de forma natural: ser um troll se tornou algo socialmente aceitável tendo lá quanto cá, recompensa.
Mas isso não é tudo: entramos aqui diariamente para sentir raiva, raiva do mundo, raiva um dos outros, raiva de nós mesmos. E estamos adoecendo por isso, a macropolítica, Bolsonaro, Trump é apenas um sintoma, não é origem.

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More from @AnarcoFino

29 Jan
Bolsonaro tá passando cheque sem fundo para comprar a eleição do Lira. Esse tipo de coisa não costuma ter bons resultados na política brasileira.
Reitero, inclusive, a possível eleição do Lira pode representar a derrocada do projeto bolsonarista. A pauta dos costumes, que deve ser prioridade do Lira, não deve ser suficiente para reverter o índice de rejeição do governo, especialmente diante da crise financeira.
O sujeito não vai ligar para o "casamento gay" enquanto conta moedas para ver se tem o suficiente para garantir o almoço.
Read 6 tweets
29 Jan
Enquanto passava o café ouvia meus vizinhos, bolsonaristas roxos, desses que diziam que a pandemia era inventada, reclamando do preço dos alimentos. E olha que são pessoas que tem uma situação financeira relativamente confortável (oficial de baixa patente reformado).
E isso é sintomático: uma das bases originais de apoio ao bolsonarismo está sentindo os efeitos diretos da sua gestão. O Brasileiro é traumatizado com inflação, especialmente quando ela incide sobre gêneros alimentícios - pois é o consumo inevitável.
E é por essa via que o bolsonarismo pode ser derrotado - e de forma plena. Reitero, infelizmente a denúncia moral não repercute. Misoginia, machismo, racismo... isso realmente conta muito pouco na hora do voto, do apoio político. Mesmo as denúncias de corrupção não influem tanto.
Read 13 tweets
26 Jan
Ontem, no centro de Bangu - o segundo bairro mais populoso do Rio de Janeiro, a maioria das pessoas só utilizava máscara quando era obrigada a entrar em alguns estabelecimentos. Alguns, pois em muitos nem os vendedores usavam máscaras.

Desesperador, para dizer o mínimo.
Nessas horas a gente entende a diferença entre culpa e responsabilidade. Nossas autoridades são imediatamente culpadas por estarmos vivendo essa situação: vai do exemplo pessoal a ausência de uma campanha efetiva de conscientização, com fiscalização.
outline.com/p9drC6
Um exemplo, quem nasceu nos 70-80, como eu, sabe como o uso do cinto de segurança é um hábito muito recente do brasileiro - e ainda assim precário -, que só foi conquistado após muita campanha midiática e fiscalização. Mesma coisa com as campanhas de lei seca.
Read 11 tweets
19 Jan
Sonho: Pazuello e Bolsonaro anunciaram que o Brasil receberia um lote de vacinas da índia já no domingo.

Realidade: O Brasil não está nem entre os que vão receber as primeiras doses exportadas.

Boa, General, Boa, Capitão!! Essa dobradinha vai longe!!

outline.com/kD3sYe
Para melhorar a situação, o governo do Jair Bolsonaro, o próprio inclusive, tem dificultado como pode as negociações com o governo chinês.

outline.com/VhLDDm
A coisa é tão grave que já estão escalando ministros que tem boas relações com o governo chinês, como Tereza Cristina, do agronegócio.

g1.globo.com/politica/blog/…
Read 6 tweets
19 Jan
Para quem (ainda) isenta as FFAA do seu apoio ao Bolsonaro: circula um documento do próprio EB - cuja veracidade não pode ser aferida - que define a carreira militar e o caráter do Capitão Jair Bolsonaro da seguinte maneira:

Link do doc: slideshare.net/diariodocentro…
A leitura do documento é divertida, uma baixaria sem limites. Fora isso não tem muito valor além do óbvio: Bolsonaro nunca foi bem visto pelo oficialato das FFAA. Sempre fora tomado como um descontrolado, para dizer o mínimo.
Seu apoio midiático aos torturadores da ditadura e a propaganda aberta que fazia das graves violações dos direitos humanos cometidas pelo regime sempre foram consideradas vergonhosas por membros do oficialato: que sempre optaram por uma abordagem "deixa isso quieto".
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18 Jan
Quando mais eu estudo os impactos das redes sociais (as "novas tecnologias") na micro e macropolítica mundial (e brasileira) eu percebo que talvez o maior destes impactos seja a instauração do domínio do "presente imediato". Essa é a marca do governo Bolsonaro (mas não apenas).
As redes sociais ignoram o passado e o futuro enquanto "esfera de preocupação", o que importa é o "live"; o tempo que importa é ontem, o hoje e o depois de amanhã, fora disso tudo se dilui. Por isso o revisionismo é uma marca das redes: o presente sempre reescrevendo o passado.
Isso cria toda uma nova forma de micro e macropolítica. Pegue o Bolsonarismo, por exemplo, a sua incapacidade de lidar com o "futuro" ou com o passado é notória, tudo que lhe importa é o agora. Pois eles sabem que, nesse mundo, a disputa é pelo momento.
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