Com a adesão majoritária ao candidato de Bolsonaro na eleição da Câmara, o DEM volta a suas velhas origens: o autoritarismo reacionário. O outro nome disso é Centrão.
Um fio 🧶
Centrão talvez seja o termo mais mal compreendido no debate político brasileiro. Há quem o confunda com centro político ou centro-direita – uma aberração e uma incorreção. A relação com fisiologismo é correta, mas o Centrão é mais do que isso. Vamos à história.
Oficialmente o Centrão surge em 1987, durante a Assembleia Nacional Constituinte. Era composto principalmente por deputados do DEM e do PDS (partidos de sustentação da ditadura) e pela direita do MDB, que àquela altura estava coalhado de ex-apoiadores do regime.
A razão de surgimento do grupo foi prosaica: tinha o objetivo de dar um golpe, alterando o regimento da ANC, para evitar que a nova Constituição fosse progressista demais. Embora os deputados de esquerda fossem minoritários, a forte participação popular nas comissões…
… estava produzindo uma carta com muitos avanços sociais, enfrentando desigualdades e exclusões históricas. Nas palavras de Luiz Maklouf Carvalho, as audiências públicas haviam "enchido a constituinte de povo". E isso se espelhava no texto que iria o plenário.
A resposta a tamanha falta de cerimônia da população foi imediata. Insatisfeitos com o projeto de Constituição que saía da Comissão de Sistematização, um grupo de deputados achou por bem mostrar com quem estavam falando e mudar as regras em pleno andamento do jogo.
Nascia assim o Centrão, em um lance político que o então presidente da OAB, Márcio Thomaz Bastos, acusou de “golpismo de direita”. Com apoio e articulação do então presidente José Sarney, e de ACM, formou-se maioria para alterar o regimento da Assembleia Constituinte.
Um parêntese: os articuladores do Centrão fora da Assembleia Constituinte eram José Sarney e Antonio Carlos Magalhães. Sarney. E ACM. Dois dos maiores políticos de apoio à ditadura. Chamar isso de "centro" ou "centro-direita" era parte do golpe.
Com o golpe do Centrão, o projeto produzido nas comissões deixava de ser o prioritário. Invertia-se o ônus do quórum, privilegiando um segundo projeto, construído nos bastidores. Para alterá-lo, com acréscimos, substituições ou cortes, só a maioria absoluta.
Primeiro parêntese para indicação bibliográfica: Quem quiser conhecer essas histórias pode ler o excelente livro "1988: segredos da constituinte", do grande jornalista Luiz Maklouf Carvalho, falecido recentemente.
Olhando bem, nota-se que o Centrão já existia antes do nome. O grupo e o tipo de atuação – de neutralizar, retardar e enfraquecer a democratização – já operavam desde o início da década. Foi assim que se derrubou a emenda das Diretas em 1984.
Foi também a atuação da mesma turma que evitou a Constituinte Exclusiva, com deputados eleitos especialmente para ela. Esta era a proposta dos movimentos da sociedade civil, mas acabou vencendo a tese do governo, de uma Assembleia eleita com os partidos existentes.
Em resumo, o grupo que em 1987 compôs oficialmente o Centrão foi o principal articulador do que Marcos Nobre definiu como “uma transição morna para a democracia, controlada pelo regime ditatorial em crise e pactuada de cima por um sistema político elitista”.
Marcos Nobre chamou a esse modo de operar de "pemedebismo", um sistema de travas que buscava sempre atrasar, refrear ou impedir a democratização e a redução das desigualdades do país. O "pemedebismo" vem dos anos 1980 e teve centralidade na Nova República.
Segundo parêntese para referência bibliográfica. A brilhante análise de Marcos Nobre, acompanhada de uma recapitulação histórica, está presente em dois livros: "Choque de Democracia" e "Imobilismo em Movimento", ambos publicados em 2013.
Em suma, "a blindagem" realizada pelo pemedebismo sempre buscou manter ou recuperar o status quo da ditadura: desigualdade, leis para poucos, autoritarismo, privilégios. E seu operador sempre foi além do PMDB, com outros partidos da velha direita junto.
Olhando-se assim, a agenda do Centrão e de Bolsonaro sempre foram as mesmas: manter o status quo da ditadura. A diferença é que este só produzia gritaria e polêmicas, enquanto aqueles atuavam com eficiência nos bastidores para impedir que as coisas mudassem.
Quando o PT se enfraqueceu e o Centrão – que sugara cargos em troca de apoio político e que operou para impedir que a agenda progressista prevalecesse – abraçou o Impeachment, ele voltava a sua zona de conforto. Riram e aplaudiram o elogio de Bolsonaro a Ustra.
O Centrão não é de centro, nem de centro-direita. É a velha turma que nunca teve nojo da ditadura. Seu apoio a Bolsonaro é um reencontro de origens (o mesmo vale para o DEM). Claro que se o governo enfraquecer eles pulam do barco sem hesitar. Sabem se manter no poder sempre.
• • •
Missing some Tweet in this thread? You can try to
force a refresh
A Ford anunciou hoje que vai fechar suas fábricas no Brasil. Além de toda a questão econômica, há um grande impacto simbólico. É o fim de uma era.
Fio 🚗🚙🚕
A fábrica da Ford revolucionou o status social do automóvel. No início do século 20, o carro era um artigo de luxo: caro, elitista e complexo de fabricar. Poucos imaginavam que poderia ser massificado. Até que em 1908…
… Henry Ford apresentou seu modelo T, lançado como um veículo popular. Em um ano, 10.000 unidades circulavam nos EUA. Vinte anos depois, 15 milhões de unidades haviam sido vendidas mundo afora. Graças à gigantesca fábrica de Detroit e à linha de montagem, instalada em 1913.
Está permitido: ser contra a operação privada de um serviço essencial como o saneamento e, ao mesmo tempo, reconhecer que o modelo atual que opera no país tem limites importantes que precisam ser superados.
As coisas são complexas mesmo.
Um fio 👇
O modelo atual brasileiro vem da ditadura militar. As estatais de saneamento foram criadas no período. Seguiam o Plano Nacional de Saneamento e tinham financiamento do BNH.
Era uma estrutura centralizada, nacional. 👇
A CF 88 diferencia gestão dos recursos hídricos (responsabilidades de estados e União) e titularidade dos serviços de saneamento, que passaria a ser dos municípios. Essa leitura foi contestada por mais de 25 anos, até que, em 2013, o STF confirmou a responsabilidade municipal. 👇