Lá vai o fio que prometi sobre o que podemos esperar depois das eleições das presidências da Câmara dos Deputados e do Senado ontem à noite:
1) Começo afirmando que Bolsonaro está cada vez mais nas mãos do Centrão, bloco político dominante da política institucional brasileira. Li um texto publicado pela Carta Capital que me pareceu totalmente desconectado dos fatos
2) Lembremos a situação atual de Bolsonaro: a) seus filhos não estão mais no centro dos acontecimentos políticos do país; b) Sara Winter e os 300 - seu QAnon tupiniquim - foram varridos do cenário nacional; c) os ministros "ideológicos" estão para serem substituídos.
3) Com o fim da ajuda emergencial e o aumento da dívida das famílias brasileiras, o cenário social influenciará negativamente nos índices de popularidade do governo federal. Entra em campo o Centrão para acertar os ponteiros
4) Então, não há caos ou risco à democracia com a vitória em sequência do Centrão: eleições municipais, eleição da presidência do Senado, eleição da presidência da Câmara de Deputados. Entre deputados, afirma-se que Arthur Lira é o Eduardo Cunha com menos arroubos
5) Então, o que significa ser "um novo Eduardo Cunha"? Significa realimentar o poder dos deputados federais como corporação política. Desde o lulismo, a Câmara de Deputados passou a ser o centro da política nacional. O poder ficou estampado com Severino Cavalcante e Eduardo Cunha
6) Ora, a ascensão do "baixo clero" se deu durante as gestões lulistas e consolidaram um espírito de corpo extremamente fechado. Aqui está a senha para entendermos a queda de Maia. Muitos deputados dizem que ele se desgarrou do rebanho
7) O que se diz nos bastidores do Congresso é que Maia ouvia e fortalecia os deputados federais até que Temer assumiu o governo no lugar de Dilma Rousseff. Maia foi o fiador da permanência de Temer no seu posto, ameaçado pela popularidade raquítica e abertura de impeachment
8) Os deputados federais avaliam que a partir daí, Maia se sentiu Primeiro-Ministro e começou a dar cartas, parar de atender ligações telefônicas de seus pares, comandar nomeações e agendas nacionais. Foi o bastante para as rupturas no interior do Centrão
9) Darei um passo atrás para explicar como os deputados federais se tornaram os "Príncipes da República" do Brasil.
10) FHC e Lula centralizaram o orçamento público na União. Lembremos que com Lula o IPI foi zerado para garantir emprego industrial. Contudo, IPI é uma das fontes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
11) Assim, prefeitos ficaram de pires na mão. Qual a intenção não explícita do governo federal? Nacionalizar todos programas sociais e de infraestrutura. O Brasil passou a ser inundado por programas com Minhas Casa, Minha Vida; Praça da Juventude; ônibus escolar, dentre outros
12) E quem ensinava o caminho das pedras para os prefeitos? Os deputados federais. Esta situação mudou tudo na dinâmica da política nacional. E o baixo clero, tão esnobado pelo alto clero (onde estava Ulysses Guimarães, autor do "conceito"), ganhou musculatura, votos e poder
13) A Era de Severino Cavalcante e Eduardo Cunha teve início com este expediente das gestões lulistas: a concentração de recursos públicos na União. E, como ele, a emergência do baixo clero em todo território nacional devido à sua capilaridade
14) Severino e Cunha tinham este condão de tratar o baixo clero como força corporativa. Cunha foi além e "profissionalizou" fluxo de recursos e poder de nomeação. A chantagem passou a ser seu mote e a grande imprensa, vocacionada aos golpes, fez vista grossa.
15) Então, onde estaria o susto com a eleição de Arthur Lira? Temos, aqui, mais do mesmo. E, ainda, temos a queda - didática - de Maia que saiu do seu quadrado e se desgarrou da manada.
16) Quem acredita que Bolsonaro saiu fortalecido com as eleições dos presidentes do Senado e Câmara de Deputados na noite de ontem, revela que entende pouco da política nacional. E muito pouco de Congresso Nacional. Quem tem um poder quase absoluta neste momento é o Centrão
17) Não gosto de apostas. Mas, se eu gostasse, diria que presenciaremos o Centrão traindo Bolsonaro nos próximos meses. Cada ameaça fará Bolsonaro recuar mais e mais. Quando seu governo estiver desfigurado, o Centrão avaliará os riscos de descartá-lo ou não. (FIM)

• • •

Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh
 

Keep Current with Rudá Ricci

Rudá Ricci Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

PDF

Twitter may remove this content at anytime! Save it as PDF for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video
  1. Follow @ThreadReaderApp to mention us!

  2. From a Twitter thread mention us with a keyword "unroll"
@threadreaderapp unroll

Practice here first or read more on our help page!

More from @rudaricci

26 Jan
Socializo, em seguida, a "Nota sobre Retorno às Aulas Presenciais" elaborada pelo Pacto Educativo Global do Brasil (iniciativa mundial liderada pelo Papa Francisco). Segue o fio.
1) 1.As bases técnicas para o retorno às aulas presenciais

A orientação de especialistas da área de saúde indica que sem redução drástica do número de infectados pela COVID19, o retorno presencial das aulas se torna inviável, dado o alto risco de contaminação.
2) A Fundação Oswaldo Cruz, órgão do Ministério da Saúde, publicou o documento com o título “Contribuições para o retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia Covid-19”, de setembro/2020
Read 41 tweets
26 Jan
Boa tarde. Vou postar um fio sobre o que considero traços paradoxais de nossa cultura política. Algo que alia alegria excessiva, resiliência doentia e violência privada. Lá vai:
1) O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, num ensaio que dedicou às suas filhas, em determinado momento escreveu: “não posso evitar a história”. Afirmava que a história havia decretado que ele era polonês e judeu e, com tais imposições arbitrárias, emergia uma alta dose de incerteza
2) Quando li essas palavras que parecem uma narração realista, pensei no decreto que a história acabou impondo a todos nós, brasileiros. Bauman sabia que não nascemos com essência, já que nossa inteligência nos “decreta” que somos responsáveis por nossas escolhas e omissões.
Read 30 tweets
24 Jan
Bom dia. Farei um mini fio comentando as carreatas de ontem. Ontem, a reação foi um sucesso. Carreatas gigantes pelo país afora. Mas, nada de repercussão na grande imprensa. Por qual motivo? Segue o fio Image
1) Não foi apenas na região sudeste, não foi apenas nas capitais. As carreatas se espalharam pelas cidades do interior. Image
2) Mas, o que ocorreu na grande imprensa? Pequenas notas, quase no rodapé dos seus sites. Na ilustração à esta nota, percebam que não se trata de alinhamento com Bolsonaro. Trata-se de não divulgar ofensiva que não tenha o controle do Centrão Image
Read 8 tweets
23 Jan
Para não restar dúvidas sobre a impossibilidade de retorno às aulas presenciais. A Fundação Oswaldo Cruz, órgão do Ministério da Saúde, publicou o documento com o título “Contribuições para o retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia Covid-19”, de set/20
O documento pode ser acessado através deste link portal.fiocruz.br/documento/cont… . Os indicadores globais e específicos para retorno das atividades sugeridos pela Fiocruz são: 1. Redução da transmissão comunitária: < 1 caso novo por dia por 100.000 habitantes;
2. Taxa de contágio - valor de R < 1 (ideal 0,5) por um período de pelo menos 7 dias; 3. Disponibilidade de leitos clínicos e leitos de UTI, na faixa de 75% livres. (Faixa verde – Conass/Conasems);
Read 6 tweets
17 Jan
Prometi o fio sobre a inesperada ofensiva contra Bolsonaro. Então, lá vai:
1) Muitos previam que em algum momento transbordaria o copo até aqui de raiva. Bolsonaro abusou e todos nós sabemos. Incompetente como gestor, humilhado politicamente pelo Centrão, restou o grito do macho alfa, mesmo combalido. Ameaçou e, como sempre, recuou
2) Mas, o outro lado do país, aquele que é majoritário, umas três vezes maior que o apoio que Bolsonaro parece possuir, continuava resignado. Resignação, talvez, não descreva exatamente o cenário. O lado de cá resolveu ser expectador. Olhar a paisagem e fazer seu julgamento.
Read 30 tweets

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3/month or $30/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!

Follow Us on Twitter!