Saiu o artigo da Sputnik V (🙏) mostrando a eficácia mais alta entre vacinas de adenovírus. Ótimo ter mais uma no páreo e forte sinal que alternar o vírus vetor, que leva um pedaço do coronavírus, promove mais imunidade produtiva. Isso tem outras implicações, que explico abaixo.
Falamos muito sobre vacinas serem atualizáveis, para cobrir novas variantes, como as que aparecem. Em muitos casos é um processo simples, como trocar a sequência em vacinas de RNA. Acredito que a vacina de Oxford terá dificuldades e os resultados da Sputnik reforçam a impressão.
As vacinas de vetor com adenovírus têm esse nome porque usam um vírus modificado (adenovírus) para carregar um pedacinho do coronavírus (nesse caso) contra o qual queremos desenvolver imunidade. É uma estratégia legal pq apresenta o alvo pro sistema imune de forma mais "real".
Se usa o adenovírus pq ele é fácil de cultivar em laboratório (produzir IFA) e seguro de usar depois. O grande problema é que apresentamos dois alvos para nossa resposta imune, o pedaço do coronavírus sendo carregado e o próprio vetor, o adenovírus.
Já aconteceu com vacinas de vetor anteriores de quem já teve adenovírus alguma vez na vida atacar o vetor da vacina e não o alvo desejado. Para fugir disso, a vacina de Oxford usa um adenovírus de chimpanzé que não circula em humanos e a Sputnik usa um adenovírus ≠ a cada dose.
O nome delas mostra isso, a vacina de Oxford AstraZeneca se chama ChAdOx1 nCoV-19, pq é um Adenovírus de Chimpanzé feito por Oxford carregando um pedaço do SARS-CoV-2 da COVID-19.
Então sempre se tenta direcionar a resposta mais para o pedaço de coronavírus sendo levado do que para o adenovírus, que é o carteiro da mensagem. No teste de Oxford esse problema pode ter aparecido, quando vemos que uma primeira dose menor induziu melhor resposta imune.
Uma explicação que se deu para a diferença entre doses foi de que com uma 1a dose alta, o sistema imune ataca mais o adenovírus carteiro do que o coronavírus contra o qual queremos imunizar. Já a Sputnik usa dois adenovírus, rAd26 e rAd5, e viu mais eficácia.
Então no regime da Sputnik você tem uma dose com um vírus A + coronavírus e outra dose com o um vírus B + coronavírus. O que tem em comum entre as duas doses é só o coronavírus. E o resultado de eficácia mais alta indica que essa resposta é mais produtiva.
Até aqui, tudo bem. Mesmo com eficácia menor, a vacina de Oxford/AstraZeneca é ótima para proteção contra a COVID. Mas se ela precisar ser atualizada no futuro, precisarão colocar um outro pedaço do coronavírus no mesmo carteiro de sempre, que já vimos duas vezes.
Imagino que uma terceira dose com o mesmo vetor, onde o que tem em comum entre todas é o adenovírus de chimpanzé e não o coronavírus, o sistema imune deve atacar o alvo errado. E se trocarem o adenovírus carteiro, precisarão fazer testes clínicos de novo para mostrar segurança.
Se precisarmos atualizar as vacinas, a vacina de Oxford deve ter que trocar o ChAdOx1 e testar de novo ou vão recomendar a terceira dose de atualização com outro vírus. Como uma dose da Sputnik.
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Sempre falo de Manaus como preocupante pelo vírus ainda circular com tantas pessoas imunes.
Esse estudo dá uma noção de pq variantes podem ter surgido lá. Em laboratório, o coronavírus só desenvolve as mutações da variante P.1 na presença de anticorpos. biorxiv.org/content/10.110…
A pressão evolutiva para vermos as variantes que começam a circular pode ser justamente a imunidade em uma população que já teve muitos casos de COVID e ainda tem muitos casos. Contar com imunidade coletiva pode ser a receita para novas linhagens que escapam da imunidade.
@otavio_ranzani tô vendo uma maré bem grande na direção de escape de imunidade.
Manaus é o prego no caixão do discurso de imunidade coletiva. E esse artigo recente com participação da Ester Sabino, da @marciacastrorj e outros explica o tamanho do problema. Segue um fio com interpretações minhas e o quão mais complicado 2021 fica.

Como a figura do artigo mostra, depois de uma primeira onda de hospitalizações muito alta, Manaus passou por 7 meses com hospitalizações estáveis. Mesmo com reabertura. De repente, no fim do ano, vem essa segunda onda pior do que a primeira que colapsou o sistema de saúde.
A explicação que poderia se dar para a estabilidade é a imunidade coletiva, ou imunidade de rebanho. Trabalhos como o Epicovid e o estudo de anticorpos contra COVID entre doadores de sangue chegaram a estimar que até 76% dos manauara tiveram COVID até o meio de 2020.
A dinâmica de vacinas particulares e muito mais:
"Mas há uma terceira razão, mais importante, para se preocupar com a crescente desigualdade da vida americana: uma lacuna muito grande entre ricos e pobres mina a solidariedade que a cidadania democrática exige."
"Conforme a desigualdade se aprofunda, ricos e pobres vivem vidas cada vez mais separadas. Os ricos mandam seus filhos para escolas particulares (ou escolas públicas em subúrbios ricos), deixando as escolas públicas urbanas para os filhos de famílias que não têm alternativa."
"Academias privadas substituem os centros de recreação e piscinas municipais. Comunidades residenciais de luxo contratam seguranças particulares e contam menos com a proteção da polícia pública. Um segundo ou terceiro carro elimina a necessidade de contar com transporte público."
Para vacinação pública, 'Para que essa ansiedade, essa angústia?', "só" 70 milhões de doses causariam "frustração em todos os brasileiros" e "seriam mais uma conquista de marketing, branding e growth".
Se estivéssemos comprando toda e qualquer dose possível, vacinação feita por empresas seria complementar. A partir do momento que dispensamos acordo e atrapalhamos o fornecimento de insumos, criamos uma fila e agora vamos vender vagas na frente dela.
Próximo passo é o quê? "Oxigeneria" em Manaus, onde você tem acesso diferenciado ao oxigênio em UTIs antes de bebês prematuros no SUS?
"Recebemos sim essa oferta de 70 milhões de doses de vacinas que poderiam cobrir quase todos grupos prioritários em grandes cidades, mas escolhemos em nome dos brasileiros que eles preferem morrer de asfixia."
70 milhões de doses de vacinas da Pfizer não acabariam com a COVID no Brasil, além de serem difíceis de transportar e aplicar fora de grandes metrópoles. Mas poderiam salvar dezenas ou centenas de milhares de pessoas se aplicadas em grupos prioritários nos grandes centros.
Levantaram 3 mil normas do governo de 2020 mostrando como as mais de 200 mil mortes pode COVID são uma escolha consciente de gestão federal.
"Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência da parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço para tantos eventos...
revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo."