Com discussões sobre se variantes poderiam infectar vacinados, vale entender qual a proteção que vacinas dão e quando realmente se preocupar, se e quando for o caso. Segue um fio para entender as notícias recentes e futuras sobre escape.
Entre não ter contato com o vírus e morrer de COVID, tem um gradiente de condições de infectados sem sintomas, casos muito leves, casos leves, moderados e graves que os testes clínicos de vacinas mediram. E mesmo essa classificação muda de acordo com os critérios de cada estudo.
A maioria dos testes começou a medir eficácia com base em casos leves. Não no contágio pelo vírus, que seria bem mais caro de monitorar, com testes regulares. Por isso dizemos que vacinas são eficazes em proteger X% de casos leves a moderados. E não que elas impedem o vírus.
Seria ideal que todas vacinas impedissem os vírus de circular completamente, mas nem sempre é o caso. A vacina da gripe protege muitos de pegarem o vírus, mas nem todos. Ela é importante principalmente porque mesmo quem pega evita hospitalização (cdc.gov/flu/prevent/va…).
Principalmente entre idosos, a vacina da gripe pode não dar imunidade suficiente para parar o vírus. E alguns vacinados podem ter gripe e passar o vírus para outros. Mas as chances de precisarem de hospital e terem pneumonia caem muito e mais do que compensam.
Por isso, desde sempre, a recomendação para vacinados contra COVID é continuar usando máscaras e fazendo distanciamento. Porque não sabemos se vacinados podem ter o vírus e passar para outros.
Então quando saem anúncios sobre variantes poderem escapar de vacinas, ou serem menos barradas por elas, vale ver qual o tipo de proteção que caiu. A proteção realmente importante é a de casos moderados e graves. Essa é a proteção mais almejada.
Se uma variante conseguir infectar e causar casos leves em vacinados, ela terá mais facilidade para circular na população. E atrasa mais o retorno ao "normal", que depende de todos serem vacinados. Mas não muda as precauções que quem toma vacina já precisa continuar seguindo.
Se uma variante consegue causar casos graves entre vacinados, se mesmo quem se vacinar precisar de hospital ou for para UTI, aí é muito sério. Acompanhamos desde já para não tomar um susto com isso, mas até aqui nenhuma delas se mostrou capaz de fazer isso.
A seleção natural favorece vírus que se transmitem, independente do que causam. Então variantes que escapem da vacina são "esperadas", é o caminho da evolução. Mas nada indica que precisam ou devem causar casos mais graves em quem for vacinado.
E vale lembrar que esse processo de mudar e se transmitir mais ou menos, a evolução, depende de novos casos. Vacinas e fechamento reduzem a transmissão e diminuem a chance do vírus escapar. Por isso precisamos de doses e por isso precisamos conter o vírus independente disso.
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Saiu o artigo da Sputnik V (🙏) mostrando a eficácia mais alta entre vacinas de adenovírus. Ótimo ter mais uma no páreo e forte sinal que alternar o vírus vetor, que leva um pedaço do coronavírus, promove mais imunidade produtiva. Isso tem outras implicações, que explico abaixo.
Falamos muito sobre vacinas serem atualizáveis, para cobrir novas variantes, como as que aparecem. Em muitos casos é um processo simples, como trocar a sequência em vacinas de RNA. Acredito que a vacina de Oxford terá dificuldades e os resultados da Sputnik reforçam a impressão.
As vacinas de vetor com adenovírus têm esse nome porque usam um vírus modificado (adenovírus) para carregar um pedacinho do coronavírus (nesse caso) contra o qual queremos desenvolver imunidade. É uma estratégia legal pq apresenta o alvo pro sistema imune de forma mais "real".
Sempre falo de Manaus como preocupante pelo vírus ainda circular com tantas pessoas imunes.
Esse estudo dá uma noção de pq variantes podem ter surgido lá. Em laboratório, o coronavírus só desenvolve as mutações da variante P.1 na presença de anticorpos. biorxiv.org/content/10.110…
A pressão evolutiva para vermos as variantes que começam a circular pode ser justamente a imunidade em uma população que já teve muitos casos de COVID e ainda tem muitos casos. Contar com imunidade coletiva pode ser a receita para novas linhagens que escapam da imunidade.
@otavio_ranzani tô vendo uma maré bem grande na direção de escape de imunidade.
Manaus é o prego no caixão do discurso de imunidade coletiva. E esse artigo recente com participação da Ester Sabino, da @marciacastrorj e outros explica o tamanho do problema. Segue um fio com interpretações minhas e o quão mais complicado 2021 fica.

Como a figura do artigo mostra, depois de uma primeira onda de hospitalizações muito alta, Manaus passou por 7 meses com hospitalizações estáveis. Mesmo com reabertura. De repente, no fim do ano, vem essa segunda onda pior do que a primeira que colapsou o sistema de saúde.
A explicação que poderia se dar para a estabilidade é a imunidade coletiva, ou imunidade de rebanho. Trabalhos como o Epicovid e o estudo de anticorpos contra COVID entre doadores de sangue chegaram a estimar que até 76% dos manauara tiveram COVID até o meio de 2020.
A dinâmica de vacinas particulares e muito mais:
"Mas há uma terceira razão, mais importante, para se preocupar com a crescente desigualdade da vida americana: uma lacuna muito grande entre ricos e pobres mina a solidariedade que a cidadania democrática exige."
"Conforme a desigualdade se aprofunda, ricos e pobres vivem vidas cada vez mais separadas. Os ricos mandam seus filhos para escolas particulares (ou escolas públicas em subúrbios ricos), deixando as escolas públicas urbanas para os filhos de famílias que não têm alternativa."
"Academias privadas substituem os centros de recreação e piscinas municipais. Comunidades residenciais de luxo contratam seguranças particulares e contam menos com a proteção da polícia pública. Um segundo ou terceiro carro elimina a necessidade de contar com transporte público."
Para vacinação pública, 'Para que essa ansiedade, essa angústia?', "só" 70 milhões de doses causariam "frustração em todos os brasileiros" e "seriam mais uma conquista de marketing, branding e growth".
Se estivéssemos comprando toda e qualquer dose possível, vacinação feita por empresas seria complementar. A partir do momento que dispensamos acordo e atrapalhamos o fornecimento de insumos, criamos uma fila e agora vamos vender vagas na frente dela.
Próximo passo é o quê? "Oxigeneria" em Manaus, onde você tem acesso diferenciado ao oxigênio em UTIs antes de bebês prematuros no SUS?
"Recebemos sim essa oferta de 70 milhões de doses de vacinas que poderiam cobrir quase todos grupos prioritários em grandes cidades, mas escolhemos em nome dos brasileiros que eles preferem morrer de asfixia."
70 milhões de doses de vacinas da Pfizer não acabariam com a COVID no Brasil, além de serem difíceis de transportar e aplicar fora de grandes metrópoles. Mas poderiam salvar dezenas ou centenas de milhares de pessoas se aplicadas em grupos prioritários nos grandes centros.