Boa tarde. Farei um fio sem tanta informação ou conceito a respeito da disputa política no mundo real dos governos e direções partidárias. Há um mito que está sendo propagado aqui nas redes sociais sobre a tal unidade de forças ideológicas. Um sonho que raramente ocorre. Lá vai
1) Eu milito na política desde os 15 anos de idade. Tenho, portanto, 43 anos de experiência neste terreno, fora os anos de analista profissional, como cientista político. Meu pai foi liderança política em seu município e na área profissional (foi dirigente da APCD)
2) Meu avô era colaborador do PSB das antigas e outros parentes do PCB. Enfim, cresci no meio. O que posso adiantar é que essa história de unidade entre forças ideológicas de um mesmo campo é um mito que só ocorre em ano bissexto. Um devaneio de quem nunca atuou na política
3) Se há um local onde a disputa é diária, sanguinária, uma guerra de posição em que sempre alguém sai ferido é o interior de um governo. Em segundo lugar, as direções partidárias. Até numa campanha eleitoral o clima é mais ameno, dado o tiro curto e a meta coletiva
4) Num governo, os secretários são estrelas em ascensão ou em queda. Lideram equipes e se relacionam com parlamentares e bases eleitorais. O que significa que estão construindo seu futuro político. Na prática, conformam máquinas ou aparelhos a partir de sua liderança.
5) Quando fui do governo Erundina, fui responsável pela montagem e sustentação de unidades intersetoriais de gestão em cada território. Embora um baita militante, o secretário de saúde, Eduardo Jorge, era um dos que mais resistiam à essa unidade territorial ou mesmo ao OP
6) Por que Eduardo Jorge resistia à intersetorialidade? Porque, diziam seus assessores, a saúde já tinha suas estrutura de participação e gestão coletiva: conselhos, conferências etc. Para que dividiria esta coordenação com outros secretários? Na primeira gestão Lula, era igual
7) Lembro que conversava com o então ministro Luiz Dulci sobre gestão participativa, incluindo o monitoramento do PPA. Acontece que dois ministros da linha de frente eram contra porque acreditavam que isso organizaria demandas populares para além da capacidade de resposta
8) Secretários ou ministros fazem acordos com movimentos organizados ou lideranças sociais vinculadas ao se tema de gestão. Acordos custam tempo, tutano e saliva. Um secretário de habitação cede casas populares negociadas com um movimento social para desalojados pelas chuvas?
9) Também é comum que ministros ou secretários criem agrupamentos próprios para se contrapor a outro subgrupo no primeiro escalão. Presenciei, muitas vezes, governantes colocando dois secretários numa mesa e pedindo para se acertarem, dado que não conseguia mais unificar nada
10) Eugène Enriquez estudou como os subgrupos - e suas disputas internas - são vitais para a atualização e vitalidade de organizações. Em outras palavras, o conflito faz parte da vida de uma organização.
11) Então, trata-se de um dos mitos mais sem pé nem cabeça essa história de unidade do campo de esquerda ou de direita (ou de centro). Essa possível unidade, quando ocorre, é tópica, episódica. Vejam o caso da briga interna do PSDB e DEM e seus cruzamentos.
12) Bastou o Centrão ganhar as eleições municipais e ter a Câmara de Deputados e Senado aos seus pés que a disputa se instalou no seu interior: Baleia contra Lira; ACM Neto contra Maia; Aécio contra Doria, e por aí vai. Unidade é utopia de filosofia oriental
13) Normalmente, quando posto nas redes sociais que essa exigência de unidade das esquerdas é produto de ficção, logo vem algum gaiato dizendo que a direita se une por programa. O engraçado é que a esquerda também. Mas, para os gaiatos, essa unidade da esquerda não conta
14) Enfim, unidade programática não é fácil de ocorrer, mas é muito mais frequente que unidade na disputa de poder. Por qual motivo? Porque potências iguais não cedem espaço. E potências inferiores temem serem engolidas por um mais forte. Já o mais forte atropela os fracos
15) Enfim, espero ter contribuído para os que não entendem como é o mundo da política no seu interior repensem suas cobranças sobre a construção de unidades justamente no ringue em que forças políticas disputam o poder. Unidade política não é algo comum, mas episódico. (FIM)

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2 Feb
Lá vai o fio que prometi sobre o que podemos esperar depois das eleições das presidências da Câmara dos Deputados e do Senado ontem à noite:
1) Começo afirmando que Bolsonaro está cada vez mais nas mãos do Centrão, bloco político dominante da política institucional brasileira. Li um texto publicado pela Carta Capital que me pareceu totalmente desconectado dos fatos
2) Lembremos a situação atual de Bolsonaro: a) seus filhos não estão mais no centro dos acontecimentos políticos do país; b) Sara Winter e os 300 - seu QAnon tupiniquim - foram varridos do cenário nacional; c) os ministros "ideológicos" estão para serem substituídos.
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26 Jan
Socializo, em seguida, a "Nota sobre Retorno às Aulas Presenciais" elaborada pelo Pacto Educativo Global do Brasil (iniciativa mundial liderada pelo Papa Francisco). Segue o fio.
1) 1.As bases técnicas para o retorno às aulas presenciais

A orientação de especialistas da área de saúde indica que sem redução drástica do número de infectados pela COVID19, o retorno presencial das aulas se torna inviável, dado o alto risco de contaminação.
2) A Fundação Oswaldo Cruz, órgão do Ministério da Saúde, publicou o documento com o título “Contribuições para o retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia Covid-19”, de setembro/2020
Read 41 tweets
26 Jan
Boa tarde. Vou postar um fio sobre o que considero traços paradoxais de nossa cultura política. Algo que alia alegria excessiva, resiliência doentia e violência privada. Lá vai:
1) O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, num ensaio que dedicou às suas filhas, em determinado momento escreveu: “não posso evitar a história”. Afirmava que a história havia decretado que ele era polonês e judeu e, com tais imposições arbitrárias, emergia uma alta dose de incerteza
2) Quando li essas palavras que parecem uma narração realista, pensei no decreto que a história acabou impondo a todos nós, brasileiros. Bauman sabia que não nascemos com essência, já que nossa inteligência nos “decreta” que somos responsáveis por nossas escolhas e omissões.
Read 30 tweets
24 Jan
Bom dia. Farei um mini fio comentando as carreatas de ontem. Ontem, a reação foi um sucesso. Carreatas gigantes pelo país afora. Mas, nada de repercussão na grande imprensa. Por qual motivo? Segue o fio Image
1) Não foi apenas na região sudeste, não foi apenas nas capitais. As carreatas se espalharam pelas cidades do interior. Image
2) Mas, o que ocorreu na grande imprensa? Pequenas notas, quase no rodapé dos seus sites. Na ilustração à esta nota, percebam que não se trata de alinhamento com Bolsonaro. Trata-se de não divulgar ofensiva que não tenha o controle do Centrão Image
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23 Jan
Para não restar dúvidas sobre a impossibilidade de retorno às aulas presenciais. A Fundação Oswaldo Cruz, órgão do Ministério da Saúde, publicou o documento com o título “Contribuições para o retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia Covid-19”, de set/20
O documento pode ser acessado através deste link portal.fiocruz.br/documento/cont… . Os indicadores globais e específicos para retorno das atividades sugeridos pela Fiocruz são: 1. Redução da transmissão comunitária: < 1 caso novo por dia por 100.000 habitantes;
2. Taxa de contágio - valor de R < 1 (ideal 0,5) por um período de pelo menos 7 dias; 3. Disponibilidade de leitos clínicos e leitos de UTI, na faixa de 75% livres. (Faixa verde – Conass/Conasems);
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