Pessoal, vou transpor aqui algumas observações das maravilhosas palestras que tivemos ontem, no PPGBIO/UFCSPA, que você pode assistir à gravação aqui: (segue)
A primeira delas é a importância sobre o entendimento que a eficácia de uma vacina está relacionada à incidência de uma doença, conforme explicou o Dr Paulo @Nadanovsky. Ele fez uma ótima analogia disso com o uso do cinto de segurança.
Em uma sociedade onde as pessoas dirigem em alta velocidade e alcoolizadas, o uso do cinto quase não será eficaz, porque as batidas serão geralmente fortes.
Por outro lado, em locais onde as pessoas dirigem a baixa velocidade e não ingerem álcool, ao bater, essas batidas serão leves e, portanto, o uso do cinto será praticamente irrelevante.
Naquela situação onde as pessoas dirigem em velocidade moderada, pouco álcool, as batidas serão de intensidade moderada e, nesta situação, o cinto poderá ser muito eficaz.
Assim, mesmo vacinas que foram produzidas em ensaios randomizados de ótima qualidade terão eficácias diferentes em situações diferentes.
Mas observem que o uso do cinto é obrigatório. Sendo obrigatório, os danos causados por acidentes e batidas é MINIMIZADO. No caso da vacina, o benefício pode ser direto e indireto (cobertura vacinal).
Uma outra questão importante é que na nossa situação (alta transmissão) é possível que o vírus se torne endêmico (alta permanência) e, nesse sentido, a vacina é o que vai ajudar na proteção à saúde de todos, diminuindo, por exemplo, a necessidade de hospitalização.
Outra situação abordada foi a Infodemia. O Dr Luis Claudio Correia usou uma expressão ótima: "É como se a COVID-19 fosse uma caricatura do ecossistema científico". Ele se referia ao grande número de trabalhos fracos, com vieses, sem impacto científico, de qualidade questionável
Alguns pesquisadores publicaram qualquer coisa, para se fazer notar, e "contagiaram" outros, que também publicaram qualquer coisa, o que ganhou proporções exponenciais do início da pandemia até hoje. Vimos acontecer até nos grandes jornais. O "interessante" deu lugar ao relevante
Eu mesma já discuti com pessoas que vieram me questionar com "estudos"... Pedi o artigo, fui atrás do Fator de Impacto e às vezes eram textos de fato fraquíssimos, com experimentos espúrios, publicados em revistas não indexadas no Web of Sciences, etc.
Segundo o Dr Luis, isso ajuda a enviesar o conhecimento científico para um "modus operandi ineficiente". Ou seja, a cultura daqueles muitos artigos fracos ajuda a fortalecer as ideias por vezes inequívocas a certos aspectos. Veja dois pontos principais...
Primeiro, o cientista bom metologista é diferente do cientista que tem boas ideias. Isso porque uma ideia fraca pode ser bem desenvolvida tecnicamente e gerar resultados fracos, de baixo (ou nenhum) valor preditivo positivo, mas publicáveis.
O outro ponto, é querer se provar que uma ideia esdrúxula é negativa. "Preciso provar que tal resultado é negativo (valor preditivo negativo) para as pessoas acreditarem que é de fato negativo."
Aí, vem a cereja do bolo: "não adianta querer provar valor preditivo positivo em crença, porque a crença não é uma evidência científica". Pior, a probabilidade pré-teste na crença é de 100%, onde não vai haver evidência que for, que vai tirar isso da cabeça da pessoa e sua ideia
"Crença é insensível a evidências". A crença pode ser corrigida com conversa, racionalização ao invés de polarização. Se a pessoa traz uma evidência para contradizer uma crença, dificilmente a crença será dissipada. É justamente o que estamos vendo acontecer.
O paradigma da fé (crença) no tratamento precoce, por exemplo, não consegue ter a inversão de ônus da prova com a evidência científica, que traz consigo o ceticismo. Quem nunca tentou algo assim com um familiar e ouviu um "fique vc com os seus argumentos que fico com os meus!"?
Temos até cientistas, médicos, condutas e práticas pragmáticos em crenças. O que podemos fazer para modificar essa influência cognitiva, esse "paradigma da crença"? A raiz é muito profunda, pessoal. Porque isso vem da nossa criação, da nossa educação, dos que tomamos como verdade
A boa educação pode ajudar? Sim, mas só ela não basta. É preciso conversar em sociedade. E é preciso que os exemplos sejam merecedores do pragmatismo. Algumas pessoas valorizam opiniões e ideias esdrúxulas pq para elas aquilo é importante. Enfim, assistam. É uma baita aula!

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27 Feb
Agora no início do mês (fevereiro) saiu uma discussão na Nature sobre essa questão da atenção à descontaminação de superfícies. Siga o fiozinho comigo que vou atualizar alguns pontos.
nature.com/articles/d4158…
A discussão se pauta no fato de que já está até bem estabelecido que a contaminação pelo SARS-CoV-2 se dá muito mais por gotículas e aerossóis (aumentando a transmissão) do que a possibilidade daquela proporcionada pelos fomites (superfícies).
Bom, a reportagem da Nature em nenhum momento desacredita que as gotículas depositadas nas superfícies não possam ser fonte de contaminação. Pelo contrário, eles argumentam segundo uma importante observação do CDC...
Read 20 tweets
27 Feb
Sabe quando estamos assistindo um filme de terror/suspense e do outro lado da tela dizemos mentalmente ao personagem "não vá por aí!"? Os cientistas, muitos médicos e uma parte da população têm se sentido exatamente assim quanto ao que estamos vivendo (segue)...
Desde quando começou a pandemia, fruto de ações negacionistas, muitas pessoas desistiram de sequer observar as medidas preventivas. Eu acho muito improvável que ainda exista alguém que não use máscara porque não sabe que precisa usar e nem que deixar o nariz de fora ajuda em algo
Desde o início, as pessoas se dividiram entre os que seguiram as medidas preventivas, importando-se com sua saúde e com a dos outros, e os que preferiram "pagar pra ver". Ainda me dói lembrar da garota gritando "me entuba" no show de não sei quem. Mas o que nos levou a isso?
Read 11 tweets
24 Feb
O ano era 1987. A cidade era Goiânia. Um catador encontra um equipamento de radioterapia e o considera como sucata. Ele leva o equipamento para um ferro-velho, onde é desmontado, liberando 20g de cloreto de césio-137, que é colocado no bolso (isso mesmo). (siga o fio)
Com o césio no bolso, o dono do ferro-velho se desloca para a casa em um TRANSPORTE COLETIVO. O resultado: 112 mil pessoas examinadas para contaminação radioativa. Além das vítimas fatais, 129 apresentaram contaminação, onde 21 vieram a falecer posteriormente. E isso com a COVID?
Esse artigo, publicado em janeiro, mostra a possibilidade de contaminação pelo SARS-CoV-2 em locais públicos. Diferente da contaminação radioativa, essa PODE SER EVITADA, se seguidas as condições sanitárias/preventivas adequadas e redução de circulação. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33519256/
Read 12 tweets
17 Feb
Nestas primeiras semanas de 2021, a revista Science publicou alguns artigos e textos a respeito de estudos que, assim como muitos outros, vem nos auxiliando no entendimento de questões relacionadas à COVID-19 e ao SARS-CoV-2 no âmbito da resposta imune. (segue)
Os artigos referem-se a fatores como a exaustão de células T em pacientes com COVID-19 severa, células T auxiliares residentes que influenciam na memória de células B e T citotóxicas e proteção respiratória...
... as diferenças da resposta imune entre os sexos, a memória de células B em pacientes após 6 meses de COVID-19, precursores de células T citotóxicas de memória que resistem a dano de DNA e deleções que causam escape da proteína Spike do SARS-CoV-2 à ação dos anticorpos.
Read 25 tweets
16 Feb
Atenção cabeludas e cabeludos do meu Brasil, este fiozinho é para você, que usa sua máscara certinho, mas não prende a melena...
Pois eu venho aqui justamente para te alertar que “cabelo preso” também é uma Boa Prática em Biossegurança.
Por que? Porque cabelos também são “superfícies”. Eles estão expostos à poluição, ácaros, microorganismo e, obviamente, a gotículas que podem conter partículas do SARS-CoV-2.
Read 7 tweets
15 Feb
Esse é um fio indignado sobre o tal “hiato” das vacinas... Desculpem, mas é que está difícil, sabe? Não estimularam/estimulam prevenção. E não tem vacina (segue).
O general não é um “estrategista”? No dicionário, “estrategista é aquele versado em estratégia”.
Primeiro não queriam “vacina chinesa”. Daí, veio “me dá essas vacina aqui pra cá”. Depois, compraram umas poucas doses da vacina de Oxford (era o que dava? Ah, “não tinha demanda”... 🤔).
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