Hora do... FIO SOBRE O PREÇO DO OVO DE PÁSCOA 🥚🐰

Invejosos dirão que é uma tentativa de explicar o meme, mas em 2021 lhes digo que é uma mistura de escapismo tretístico com a tentativa de não deixar meu diploma de engenheira de alimentos mofar (feat. sou palestrinha 😬).

BORA
A primeira viagem de comparar preço de barra de chocolate com ovo de Páscoa pelo peso é ignorar que a semelhança dos produtos é só a matéria-prima (chocolate). É a mesma coisa que comparar o preço de duas peças de roupa totalmente diferentes feitas com a mesma metragem de tecido.
A industrialização é isso, né: pegar uma matéria-prima e agregar valor (o que, no capitalismo, significa aumentar o preço) ao transformar uma mistura delas em um produto que tem uma intenção diferente de cada matéria-prima separada (e que é mais que a simples mistura de tudo).
No caso específico do ovo, porém, essa agregação de valor é bem objetiva. Ao contrário do exemplo que dei das roupas, que geralmente têm parte do valor agregado vindo de coisas subjetivas (moda, marca, identidade, símbolo de poder), a produção de ovo de Páscoa é cara PRA DEDÉU.
Começando pela conformação do chocolate em ovo, que exige uma linha de embalagem — uma "fôrma" — diferente. Isso não só representa investimento em maquinários como também mobiliza grande parte do tempo de produção da fábrica (que em geral produz outras coisas também).
Como é economicamente inviável deixar linhas inteiras paradas ao longo do ano só pra produzir na Páscoa, o que acontece com frequência é que grandes fábricas alugam fábricas menores pra dar conta da demanda extra sazonal enquanto continuam produzindo as outras coisas em casa.
Além disso, a forma de ovo é muito sensível a impactos e, pra piorar, aquela embalagem com o tufinho de pra cima é bem complicada de fazer de forma automática. Então o que rola é um processo (SEMI)MANUAL de embalagem — e tudo o que (semi)manual em altíssima escala é caríssimo.
Não a toa, no começo do ano tem contratações em massa de funcionários temporários pra dar conta justamente desse processo — o que é bom pra quem é contratado, mas pra empresas esse custo de contratação temporária é bem considerável (arrisco dizer que o maior do processo).
Agora já que estamos falando do formato do ovo de Páscoa: ô forma INGRATA pra fazer chocolate! Sério, não poderia haver um formato pior em termos de embalagem secundária, transporte e armazenamento — e por duas razões: volume e a já mencionada sensibilidade a impacto e ao calor.
Em termos de volume, não tem nem como comparar o peso de chocolate em barra que você coloca numa caixa com o peso em ovo numa caixa de mesmas dimensões. Isso aumenta DEMAIS a quantidade de paletes nos diferentes galpões de estocagem e nos caminhões e contêineres pra transporte.
Em termos de sensibilidade, você tem que tratar tudo com um carinho e proteções adicionais porque a gente até compra uma barra quebrada, mas um ovo quebrado/derretido é inadmissível. Ou seja, some aí aos custos uma taxa de perda ALTÍSSIMA durante o processo todo.
Lembrando que o Brasil é uma país continental e tropical, e que a produção do ovo de Páscoa é feita na época mais quente do ano. Ou seja, os custos de transporte e armazenamento que já são ALTÍSSIMOS por aqui ficam múltiplas vezes mais caros por causa dessa ~problemática~.
E bom, essa é a parte objetiva da agregação de valor, como mencionei lá em cima, mas é claro que o ovo de Páscoa também tem um valor agregado subjetivo. Vai de brinquedinhos e brindes a licenciamento de franquias do entretenimento, prestígio de marcas e... apelo emocional.
Porque assim, a gente não come nada só pelo gosto. Como eu sempre falo: escolher, comprar, preparar e comer alimentos é sempre um ato político, social, econômico, cultural. Estamos falando de um ecossistema todo que define nossas preferências e intenções de compra e consumo.
Então SIM, a indústria leva em consideração a criança que espera um ovo do Coelhinho e não o mesmo peso de chocolate em barra, a significação religiosa que pode existir em torno do feriado, o ato social e cultural de presentear alguém com chocolate diferente na Páscoa...
Mas isso é muito diferente de achar que uma empresa gasta a mesma coisa pra fazer uma barra de chocolate ou um ovo de chocolate de mesmo peso e aí do nada tira do chapéu que vai cobrar um preço abusivo só pra ser filha da puta (mas a indústria é filha da puta sim, tá).
Enfim, gosto de falar sobre esse tema porque ele mostra como existe mais coisas entre o chão de fábrica e a prateleira do que sonha nossa vã filosofia. E claro que ninguém é obrigado a saber como as coisas funcionam — mas tem hora que é melhor ser humilde e menos sabichão.
Eu vejo a galera fazendo essa comparação a sério (e não zoando o meme, claro) e acho muito sintomático uma pessoa que claramente não faz a menor ideia de como funciona a indústria querer pagar de genial. Como se SÓ ELA não estivesse sendo ENGANADA por essa FRAUDE DO CHOCOLATE.
(E enquanto isso muita gente sendo enganada por outra fraude do chocolate, o que vira mansão de seis milhões em Brasília — ah, o maravilhoso conceito de ser trouxa seletivamente no Brasil...)
"Ai, mas eu não me importo de comer/ganhar barra de chocolate em vez de ovo" — beleza, eu também não, nem sei a última vez em que comprei um ovo industrial de chocolate. Há anos dou preferência o ovos artesanais de pequenos produtores, ou chocolate normal mesmo.
Mas é isso, né, uma escolha. Voltando à comparação com a indústria têxtil, é como dizer "nossa, não vou pagar milhares de reais numa roupa de marca X se eu posso usar uma camiseta branca que vai cumprir o mesmo papel". É uma escolha legítima, ok, mas uma comparação falha.
Dito isso, acho importante concluir o fio com o preceito central da convivência: se não tá machucando o amiguinho, DEIXA AS PESSOA. Quer comprar ovo? Boa. Bombom? Boa. Ovo artesanal? Boa. Não quer comprar nada, a família que lute? Boa. Quer "boicotar" a indústria? Boa.
E por hoje é só, pessoal, obrigada por terem comparecido à minha Thread Talk. Vou devolver o capacete branco e o diplominha de engenheira ao fundo do baú e, quem sabe, volto na Páscoa que vem! (Ou quando a descoberta de que tem que ferver o palmito voltar ao Twitter! 😂)
Calma, gente, não priemos cânico com o palmito, aqui tá o fio em que falei sobre isso (mas o resumo é: se não morreu até hoje, tá tudo bem, comece a ferver que vai dar bom hahaha):

• • •

Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh
 

Keep Current with Jana Bianchi

Jana Bianchi Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

PDF

Twitter may remove this content at anytime! Save it as PDF for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video
  1. Follow @ThreadReaderApp to mention us!

  2. From a Twitter thread mention us with a keyword "unroll"
@threadreaderapp unroll

Practice here first or read more on our help page!

More from @janapbianchi

14 Mar 20
Como ando falando muito sobre ser tradutora, profissão que ocupa a maior parte do meu tempo/rende a maior parte da minha renda nesse momento, muita gente vem me procurando pra saber por onde começar. Tô no ônibus e resolvi fazer um fio sobre isso. Here we go! (Tradução: Boralá!)
Antes, o aviso de costume: essa é a minha experiência. Não é o único caminho correto, tampouco é um caminho que vai dar certo pra absolutamente todo mundo — como tudo na vida, meu caminho envolveu acaso, sorte e privilégios. Mas vou focar mais no que está sob nosso controle.
✨ É preciso estudar pra ser tradutor. Falar bem inglês e gostar de livros não basta. Falar bem inglês, gostar de livros e ter um bom domínio do português é um ótimo começo, com ênfase no último tópico. Mas, ainda assim, é preciso estudar tradução.
Read 49 tweets
24 Jan 20
Bom, aqui vamos nós no fio da dita "weird food". Pra começar, vou relembrar o que disse na época da Ração do Dória™: comer é um ato político, social, cultural e econômico. E sim, é racista e xenofóbico ver a escolha alimentar de um povo como esquisita ou exótica.
A maioria da dita "comida esquisita" nasceu em períodos de escassez extrema de alimentos, geralmente via processos tácitos de processamento de alimentos pra: a) transformar algo não-comestível em comestível ou b) aumentar a vida útil do alimento depois da colheita/abate/coleta.
(Dá até pra acrescentar um c) melhoria das características organolépticas de um alimentos — o processo biológico da nossa escolha alimentar favorece certos sabores/aromas por uma questão calórica, e no fim comer tem sim a ver com prazer e emocional, mas seria um bônus. ENFIM.)
Read 17 tweets
23 Jul 19
Ah gente cêis não vão fazer eu tirar meu argumento palavro-científico da gavetinha de conhecimentos de engenheira de alimentos pra falar de novo sobre bolacha e biscoito, né?
Ok depois de literalmente três minutos de "AH PRONTO", aqui vou eu de novo rs
Vou dar a resposta antes e aí vou formular: basicamente, biscoito é generalista, bolacha é específico. Ou seja: #timebolacha: não é sempre que é bolacha. #timebiscoito: não enche a caralha do saco de quem fala bolacha porque às vezes também é bolacha sim. ELABORANDO:
Read 8 tweets
28 May 19
Vamos lá, aqui vai meu fio sobre a experiência com a seleção das ficções relâmpago pra primeira temporada da @faiscamafagafo. São pensamentos esparsos sobre 1) as possibilidades do formato e 2) o que faz esse projeto tão especial pra mim (e pra @mafagaforevista).
Antes de mais nada, quero agradecer a @tbs_bookworm. Foi um prazer trabalhar com alguém tão comprometida, caprichosa e pró-ativa. Na verdade, eu só ajudei a pensar em algumas coisas, selecionar e escrever os feedbacks pros textos. Toda a comunicação e bastidores são coisa da Fer.
Dito isso:

1) POSSIBILIDADES DO FORMATO

Depois de ler todas as cinquenta e tantas ficções relâmpago — que, agora, às vezes chamo de faíscas — da edição 2 da Mafagafo, mais as DUZENTAS que recebemos pra primeira temporada da Faísca, descobri que há três tipos de faíscas ótimas:
Read 18 tweets
23 Apr 19
Nesse #DiaMundialDoLivro, minha timeline tá cheia de indicações de livros incríveis. Mas queria aproveitar o espaço pra enaltecer os amigos e colegas que trabalham com literatura. Só quem ama muito o livro e tudo o que ele significa — que é MUITO — se sujeita a essa missão.
Em tempos de crise no mercado do nicho e uma situação política que enevoa o futuro da literatura (e da cultura como um todo) no país, é preciso muito amor pelo livro pra levantar da cama, vestir a armadura e encarar mais um dia de batalha desleal. Mas é o que a gente faz.
Eu tenho certeza que minha vida seria muito menos rica e feliz se não fossem os livros. E eu tenho mais certeza ainda de que a vida de milhares de crianças brasileiras são menos ricas ou mais miseráveis e infelizes porque os livros não chegam até elas. E eu sinto muito.
Read 6 tweets
23 Mar 19
Ninguém pediu, mas depois de ler várias coisas e conversar com um monte de gente do meio da produção de conteúdo, resolvi fazer um:

🗣️ Fio com a minha opinião sobre a treta Mauricio de Sousa/Turma da Mônica/Damares/Responsabilidade/Capitalismo 🗣️
Antes de mais nada, pra já tirar o elefante da sala: sou muito fã da Turma da Mônica. Admiro muito o Maurício, mas me decepcionei com algumas decisões que ele tomou (antes mesmo da foto com a Damares) e não tenho a menor intenção de passar pano pra qualquer comportamento dele.
A intenção é falar do contexto, mais pra tentar formar (eu mesma) uma posição coerente sobre o caso — considerando que, como produtora de conteúdo, tento ser consciente e responsável pelo que produzo e por como me porto, mas também tenho intenção de viver ($) do meu conteúdo.
Read 22 tweets

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3/month or $30/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!

Follow Us on Twitter!