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12 Mar, 19 tweets, 3 min read
A mentira da radicalidade de Lula

Apesar do número enorme de pessoas que, com a absolvição de Lula, se apavoram com a possibilidade da “volta do comunismo”, como o Samuel Borges (@SamuelSilvaFB) lembrou no Twitter, o governo Lula não chegou nem a ser social-democrata.
Ficou mais próximo de um liberalismo social.

E é fácil provar. Lula nunca bateu de frente nem com os bancos nem com o agronegócio. Ao contrário. Deu inúmeros incentivos, subsídios, desonerações, perdões de multas etc.
Os donos do capital não podem reclamar da cordialidade, nem da boa vontade do Presidente.

Lula não taxou grandes fortunas – nem ameaçou fazê-lo –, não acelerou o processo de reforma agrária e nunca, nem em seus mais ousados sonhos, propôs nada que desagradasse o grande capital.
Teve até um grande empresário como Vice-Presidente.

Lula só tentou dar um coração ao capitalismo, com algumas políticas compensatórias para os mais pobres. Deu a eles alguns direitos básicos e um mínimo de dignidade. Essa é a radicalidade do ex-presidente?
Sendo sincero: alguém pode elencar as atitudes radicais tomadas por Lula em seus governos? Alguém lembra de pelo menos uma?

Então, por que forjar para ele essa fama de radical e extremista?
Por que incutir na população o medo a um presidente que trouxe tanta prosperidade, inclusive aos mais ricos, e alguma justiça social ao país?
Essa é a parte cruel e torpe da campanha da grande mídia.
Lula, que poderia ser o perfeito “candidato de centro”, conciliador, para comandar a tal da Frente Ampla, é perigoso porque abre as defesas da direita privilegiada. Ele deixa clara a indignidade da vida do povo, (segue)
relembra em seus discursos que tem muita gente que passa fome no nosso país, que a concentração de renda é imoral e que vem crescendo, especialmente nesses tempos neoliberais.
Mesmo sem querer derrubar o sistema, nem pensar nisso, essa pequena brecha no muro de proteção da fortaleza capitalista assusta os donos do mundo. A crueldade do sistema tem que se tornar invisível para evitar uma convulsão social mais que justa, necessária.
A narrativa sobre a vida, a política e a economia tem que ser única e indivisível: não temos um mundo perfeito, mas é o mundo possível. Qualquer mudança tornaria tudo ainda muito pior. Olha a Venezuela! Como disse Margaret Thatcher: “There is no alternative.” (Não há alternativa)
O que Lula dá ao povo que mais preocupa os poderosos é a esperança, a possibilidade de futuro. Na luta de classes, há algum tempo os poderosos roubaram as armas de seus adversários. O projeto neoliberal é a vitória acachapante dos exploradores, por imobilização.
Todos os direitos dos trabalhadores, conquistados com sangue no século passado, estão sendo metodicamente retirados pelas “necessárias reformas” (necessárias para quem, não é mesmo?) para aumentar a competitividade dos negócios.
E esses direitos são quase demonizados, como entraves ao progresso. Nesse processo, só resta aos trabalhadores nos nossos dias torcer para que o pouco que ainda resiste não lhes seja roubado muito rapidamente. A utopia possível é retardar a total submissão aos senhores da grana.
O governo Lula apontou para a esperança, para a alternativa, para além da derrota anunciada e inevitável. Isso é imperdoável para as classes dominantes. Elas já convenceram boa parte do Congresso que modernidade é sinônimo de indiferença social e liberdade total para o capital.
Quem discorda desse discurso vira inimigo mortal, terrorista, extremista, polarizador.

O único extremismo que se pode atribuir ao Lula é o de achar, contra as lendas do reino encantado do mercado, que as pessoas são mais que instrumentos para a produção, que merecem comer, (+)
descansar e até (terrorista!) fazer um churrasco e tomar uma cerveja gelada.

Lula não prega (nem deseja) a Revolução, nem a socialização dos meios de produção, nem o fim da propriedade privada da terra, como boa parte da esquerda.
Nem mesmo, como o trabalhismo inglês de Jeremy Corbyn, proporia limitar os salários dos executivos a uma relação de vinte para um com seus empregados, invadindo a sacrossanta “liberdade” do ambiente de negócios. E a grande mídia sabe disso.
Ela sabe que Lula não tem nada de extremista. Ela ouviu, no seu discurso pós absolvição, ele dizendo que fortaleceria os sindicatos porque um capitalismo forte precisa desse embate. Sabe que não há nenhum risco econômico, que os lucros do capital não estão ameaçados.
Sabe, e bem, que ele é um democrata, ao contrário do atual ocupante da presidência.

O que ela não pode tolerar em Lula é a radicalidade de uma fresta de esperança.

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11 Mar
Vocês teriam interesse em ler um texto meu mostrando como é mentirosa a ideia de que Lula é extremista ou radical? De como isso é uma mentira contada pela imprensa para barrar candidaturas muito mais à esquerda que a do Lula? Ou deixo pra lá?
Estou acabando de escrever. Que bom que rolou interesse.
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23 Nov 20
O projeto global proibicionista, originárioda guerra as drogas, tem sua origem nos EUA e guarda vinculo com questões econômicas, xenofóbicas e racistas

Lá o ópio foi associado aos chineses, a maconha aos mexicanos e a cocaína aos negros
Isso permitia a perseguição desses grupos
Grupos esses que eram minorias ou grupos com "menor status social".

O mesmo se repetiu no Brasil
A maconha, cannabis, pito do pango ou fumo de angola era uma substância de uso característico da população negra, que foi trazida para ser escravizada no Brasil.
No Brasil pós abolição, onde os negros foram alçados, em tese, a condição de cidadão igualando a todos
era necessário a construção de mecanismos alternativos para a manutenção da estrutura existente de hierarquia racial e supremacia branca.
Read 14 tweets
23 Nov 20
A gente não pode analisar o super encarceramento brasileiro fora do contexto histórico.

Não se chega a terceira maior população carcerária do mundo sem que se tenha, a longo prazo, um projeto político que nos empurre para isso, e que ele seja contínuo, independente do governo.
Interessante pensarmos que no primeiro ano do governo Bolsonaro, que sabemos da sua linha racista e punitivista contra grupos específicos, a população prisional cresceu "apenas" 1,49%.

Isso se dá, também, por já estarmos em uma constante de crescimento antes da sua posse.
Dados do INFOPEN
Em 2018
30% das pessoas privadas de liberdade estavam nessa condição por infringirem a lei de drogas
44% em razão de crimes patrimoniais

Em 2019, os números são:
20% e 50% respectivamente
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23 Nov 20
Como disse para vocês na minha apresentação por aqui, eu adoro Literatura. Mesmo. Desde pequena fui sempre incentivada a ler e, assim, os livros estão comigo para todo lado que vou.
Sabe quando a gente leva o livro, mesmo indo encontrar com alguém, meio pensando "vai que dá pra ler um pouquinho"?
Além disso, entendo a literatura como uma ferramenta de libertação.
O crítico literário e sociólogo Antonio Candido falava sobre a efabulação como uma capacidade humana universal. Assim, ele afirmou a literatura como um direito humano!
Nós imaginamos, criamos e compartilhamos essa criatividade.
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22 Nov 20
O pesquisador do Núcleo de Justiça Racial da FGV-SP, Felipe da Silva Freitas, considerou correta a nota do MPF ao assinalar a necessidade de políticas de compliance para prevenir práticas abusivas e de filtragem racial por parte dos seguranças particulares.
Segundo ele, filtros raciais nos critérios de abordagem das polícias e de seguranças privados já foram largamente constatados por inúmeras pesquisas nos últimos anos.
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22 Nov 20
Sempre me perguntam porquê falamos em “encarceramento em massa” no Brasil. E acho importante a gente começar a pensar no sentido do termo.

Segue o fio.
Como a gente percebe as magnitudes de uma Política Criminal? Várias são as maneiras. Pelo tamanho dos aparatos criminais e penitenciários. Ou seja, o tamanho da estrutura da Justiça Criminal e a quantidade de presídios.

📸 Agência Brasil de Notícia
Veja, quanto mais a gente abre presídios, mais pessoas são presas. O discurso de que a abertura de novas unidades serviria para lidar com a superlotação não se sustenta. Tanto que, de 2006 a 2014, ampliamos imensamente as unidades prisionais.
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