O óbvio se constatou: a PEC emergencial era um golpe do governo - especialmente de sua equipe econômica - para destruir o serviço público no país. Em troca disso, "recebemos" uma esmola e, provavelmente, o fortalecimento de uma certa teocracia difusa.
Sim, esmola, pois a quantia de - no melhor dos casos - 250 reais pode até ajudar uma família que possui alguma renda e fazer a diferença entre a vida e a morte para quem não tem nenhuma. Mas no geral não muda em absolutamente nada para a grande parcela que realmente necessita.
Nem vamos entrara aqui nas questões de acesso ao auxílio, documentação, etc... mas a realidade é que, dada a inflação galopante, especialmente no setor alimentício e moradia, 250 reais (no melhor dos casos, reitero), e por tão pouco tempo, não vai ser capaz de mudar muita coisa.
O poder de consumo dos mais pobres está completamente achatado, seu dinheiro está cada vez mais desvalorizado e por isso a carga tributária (sobre os pobres) cada vez pesa mais.
Chega a questão: o auxílio será capaz de estancar a sangria da popularidade do presidente? Isso dependerá da capacidade de impor uma narrativa e do apoio das igrejas evangélicas, que são as redes bolsonaristas mais próximas dessas populações.
Existem estudos que mostram uma relação direta entre crises econômicas, achatamento do poder de consumo, e aumento da população evangélica. Os "neopentecostalismos" (o termo é polêmico) foram os cultos que melhor se adequaram ao neoliberalismo.
Já observamos isso na série histórica, mas creio que observaremos um crescimento ainda maior dos evangélicos no pais nos próximos anos. Junto disso, virá uma transformação no cenário, por exemplo, a pulverização das congregações em detrimento das grandes igrejas.
Mas o ponto em tela é: se os militares são os fiadores institucionais do bolsonarismo, os grupos evangélicos são (serão) seus fiadores populares, donde o crescimento e a importância da ministra Damares (que muitos da esquerda viam como uma piada).
Damares é referência em diversas redes evangélicas responsáveis por "traduzir", codificar a mensagem bolsonarista: torná-la palatável para uma certa moral.
Nos grupos de estudo da bíblia que monitoro (composto essencialmente por pessoas pobres) ele continua a ser colocado como alguém comprometido com o projeto de reforma moral da sociedade brasileira. Mesmo os casos de corrupção de seus filhos são motivos de empatia.
Muitas das pessoas que estão ali também tem problemas com filhos "problemáticos", lutam, rezam, jejuam para queles retornem para o caminho da fé.
Estas redes foram cruciais para que Bolsonaro se apropriasse do auxílio emergencial em 2020, para que disseminasse a mensagem antivaxx. Serão elas as responsáveis por, de alguma forma, fazer o mesmo com os 250 reais (no melhor dos casos).
Só que elas precisam ser aquecidas, precisam de acenos diretos para funcionar. Então, esperem um fortalecimento da agenda moral. Ela se tornará a prioridade a partir do segundo semestre desse ano. O que vimos até o momento foi apenas um aquecimento.
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É sintomático que muito dos comentários que recebo sobre a atuação das igrejas e congregações evangélicas ignore o papel pragmático dessas instituições. Ignoram o papel dessas redes na socialização dos indivíduos, seu papel humanitário/assistencialista.
Esquecem, inclusive, da longa relação que as esquerdas tiveram com estes setores ao longo dos anos 90-00, vide, por exemplo, o papel proeminente de figuras como Benedita e Marina Silva. Mas também na constituição da base de governabilidade do PT.
As redes evangélicas não se resumem aos pastores da universal exorcizando pessoas na televisão, tampouco aos grupos de estudos da Bíblia no whatsapp. As redes evangélicas correspondem, sempre, a uma rede de indivíduos reais que, geralmente, tem um papel comunitário essencial.
O governo Bolsonaro é uma "operação limpeza" das FFAA que está dando muito errada. E até 2022 teremos um ponto crucial, pois é impossível que as FFAA (e o governo Bolsonaro) sejam capazes de mudar o situação nós próximos dois anos.
"Operação limpeza" é uma operação militar que ocorre para limpar os resultados de suas ações. Nesse caso específico, os mortos e desaparecidos políticos durante a Ditadura Militar.
Aconteceu no Araguaia, por exemplo, quando os militares fizeram seguidas "operações limpeza" na região para sumir com os restos mortais dos guerrilheiros e camponeses mortos durante o período militar.
O PSDB e congêneres não aprenderam absolutamente nada com 2018, quando viram o seu projeto de poder ser surrupiado pelo então deputado Jair Bolsonaro (financiado pelos militares.).
Sempre bom lembrar, Bolsonaro não era o candidato do "mercado", era o Alckmin (e o Meirelles como plano B). Tanto que o Paulo Guedes fora vendido como o fiador de uma agenda ultraliberal que nem chegou ao papel.
O "mercado", repito sempre, só comprou o mandato Bolsonaro como um alternativa pois lhe fora prometido que ele seria um presidente (fraco) comprometido com o mercado, que "ele" seria capaz de pautar livremente a agenda econômica do governo.
O não voto favorece o Bolsonarismo. E nesse momento é a sua única estratégia para vencer as eleições. Setores mais ao "centro" apostam na narrativa para, mais a frente, lançarem alternativas ao "cenário de polarização" (que eles mesmo estão criando).
Deu muito certo para o Alckmin em 2018, né? Passaram anos gestando um "espírito nacional à direita" na esperança de se valerem dele nas eleições. Tomaram uma lavada do conluio bolsonarista.
A decisão do Fachin foi, ao mesmo tempo, o melhor e o pior dos mundos para o Bolsonaro. No melhor dos mundos lhe deu uma narrativa para suportar os próximos meses, no pior, lhe deu o pior cenário possível para 2022.
Melhor dos mundos: tem semanas, meses até, que a máquina de desinformação bolsonarista vem tentando, sem muito sucesso, emplacar uma narrativa capaz de virar o jogo político. A viagem para Israel foi uma tentativa desesperada de criar algo.
O desespero da máquina era tão grande que chegavam a testar narrativas conflitantes no mesmo dia. As pessoas percebem - e comentam isso nos grupos. No geral, existe um período de tempo entre elas, alguns dias. Isso demonstra desespero.
Essa história do Bolsonaro se filiar ao Partido da Mulher Brasileira sendo aventada, justamente, no 8 de Março tem toda cara do mundo de ser uma estratégia de comunicação pensada.
Real ou não a filiação já nasce como trending por conta do efeito de ultraje. Revoltados, estamos divulgando a notícia, o deboche. Os partidários do sujeito estão rindo nos comentários. Bullying como política tem eficácia comprovada.
Povo adora utilizar a palavra "cortina de fumaça", né? Exceto quando se trata de uma. A filiação, real ou factoide, por se tornar uma trending desvia atenção do fracasso político que foi a criação do Aliança Pelo Brasil.