O uso de sapos como enteógeno e intoxicante na Mesoamérica:
Sapos foram animais importantes na Mesoamérica em diversos aspectos, fazendo parte da cosmologia e cotidiano de muitos povos, mas, será que suas propriedades psicoativas foram utilizadas por eles?
Segue o fio👇🐸
A hipótese sobre o uso da espécie Rhinella marina, cujas secreções, como as de outros sapos, contém, principalmente, bufotenina, baseia-se na presença de muitas representações iconográficas e cosmológicas de sapos nas culturas Olmecas, Maias e Astecas.
Nos vestígios arqueológicos da cultura Olmeca em San Lorenzo, México, foram encontrados esqueletos de espécies de sapo datando de 1250-900 AC.
Esculturas e representações Astecas dão grande ênfase às glândulas parotoides dos sapos, onde se localizam as secreções psicoativas.
Relatórios de historiadores do século XVI dizem que os Maias adicionavam tabaco e as peles secas de um sapo comum do gênero Bufo às suas bebidas alcoólicas para torná-las mais potentes.
O grupo K'iche Maia ainda usa a pele desse anfíbio como ingrediente em seus balché.
Uma fraqueza da hipótese do R. marina é que além das glândulas secretarem bufotenina, também presentes no veneno do sapo estão glicosídeos cardíacos extremamente poderosos, como bufotoxina e bufogenina, ambos são altamente tóxicos.
A bufotenina só é enteogenicamente ativa quando fumada, cheirada ou quando combinada com algum tipo de inibidor da MAO (monoamina oxidase).
Os inibidores da MAO são necessários para proteger a molécula enteogênica de ser quebrada antes que seus efeitos sejam sentidos.
Há representações do R. marina que o distinguem de outras espécies de sapos da região por sua crista craniana única, glândulas parotoides e tibiais e sua faixa vertebral mediana.
A maioria das representações são inconfundíveis por causa da representação das glândulas paratóides.
Talvez a melhor de todas as representações seja o “Monólito Animal G” do sítio guatemalteco de Quirigua.
Com essas representações do R. marina aparecendo com tanta frequência na Mesoamérica, é possível que eles tenham descoberto uma maneira de contornar o problema do veneno?
Alison Kennedy descreve um possível método na qual os sapos poderiam ter sido alimentados para patos, conhecidos por terem fígados que são excepcionalmente capazes de desintoxicar e permitiriam então que os psicoativos fossem explorados através da ingestão dos fígados dos patos.
Apesar das óbvias características iconográficas, a hipótese do R. marina tem sido enfraquecida recentemente pelo fato da psicoatividade da bufotenina ser questionada e pelo potencial letal dos outros componentes tóxicos.
No entanto, há outro candidato: O Bufo alvarius.
O Bufo alvarius é um anfíbio que tem seu habitat no deserto de Sonora, no México. Suas glândulas cutâneas contêm mais de uma dúzia de compostos de triptamina, incluindo bufotenina e 5-MeO-DMT (5-metoxi-dimetiltriptamina), duas substâncias psicoativas poderosas.
Esta espécie em particular é única pois secreta bufotenina mas tem uma enzima incomum:
A O-metil transferase, que converte a pequena proporção de bufotenina na 5-MeO-DMT, aumentando a proporção deste produto químico na toxina em até 15% em relação ao peso seco das glândulas.
(De fato, realmente pode-se argumentar na hipótese do R. marina que os antigos mesoamericanos poderiam ter vasculhado suas florestas incrivelmente diversas em busca da O-metil transferase, que eles poderiam ter encontrado e extraído de árvores do gênero Pinus).
A área da qual o Bufo alvarius é nativo foi habitada por culturas do deserto e é também a suposta pátria dos uto-astecas, de onde eles se expandiram para o sul já em 1500 AC.
Foram os xamãs das culturas do deserto que descobriram os potentes efeitos psicotomiméticos do veneno.
Extensas rotas comerciais através do Deserto de Sonora para a Mesoamérica foram bem documentadas e o veneno seco do B. alvarius teria sido um excelente e ideal item de comércio de longa distância já que além de estimado, era fácil de transportar, durável e prontamente disponível.
Os povos indígenas Seri-Comcaac de Sonora tem o B. alvarius como um animal de importante valor cultural já que suas secreções são utilizadas como medicina sagrada, das quais em cerimônias anciãos e xamãs abençoam o uso dela com cantos antigos.
📷: Creative Pinellas.
O Bufo alvarius, no entanto, vem adquirindo popularidade entre ‘psiconautas’ e no meio do ‘neo-xamanismo’, o que gera preocupações quanto à preservação da espécie, o risco de saúde quanto ao uso irresponsável e recreativo, apropriação cultural, legalidade e etc.
A 5-MeO-DMT, porém, tem sido amplamente estudada e testada pela neurociência pelos possíveis benefícios terapêuticos, e testes da substância já reduziram sintomas de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático e o abuso de álcool e drogas.
Mas claro, como sempre reafirmo aqui na conta, quando falo sobre enteógenos e psicoativos, falo no ponto de vista antropológico e não aconselho de forma alguma a compra e o uso irresponsável dessas substâncias, sintéticas ou não, pois esbarram em diversas questões sérias. ⚠️
Claramente, há ausência de fortes evidências de apoio do registro etnográfico e etno-histórico e ainda é prematuro concluir que os povos antigos da Mesoamérica usavam do B. alvarius como um tóxico sagrado, apesar dos indícios.
No entanto, sem dúvida, houve o uso e sacralidade de outras espécies, mas, um sapo extremamente psicoativo presente na América Pré-colombiana e usado por povos indígenas até hoje convida e abre espaço para mais estudos do registro arqueológico e iconográfico deixados por eles.
Ps: Todas as fontes que eu vi são meio antigas e se referem ao alvarius como ‘Bufo’, mas aparentemente o nome científico da espécie mudou para ‘Incilius alvarius’.
Espero que o @ElGrandSapon releve esse e outros possíveis erros na thread quanto aos sapos. 🙏🐸
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A arte aborígine australiana e como interpreta-la:
Muito da herança cultural e transmissão de informações às novas gerações entre povos aborígenes se deu por meio dessa notável forma de arte e seus símbolos, segue o fio pra entender melhor como as ler.
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A arte aborígine é centrada na narração de histórias e muito dessa arte é baseada em símbolos e ícones que representam diferentes elementos dentro de uma cultura.
Muitos deles tem seus significados em diferentes regiões, enquanto o contextual dentro delas é sujeito a mudanças.
Grande parte da arte disponível e descoberta por arqueólogos usam a chamada ‘perspectiva atmosférica’ (artes visuais) e estão agora sendo reinterpretadas junto com aborígenes em atos cerimoniais, canções e outras tradições por meio de estudos meticulosos e análises cuidadosas.
É importante notar que os Maias tiveram uma grande variedade de roupas para diversas ocasiões e em diferentes épocas, desde vestidos luxuosos para grandes eventos, trajes de dança, de guerra, esportivos, e, claro, roupas cotidianas.
A vestimenta Maia é reconhecida pelas cores vibrantes alcançada pelos materiais disponíveis dos seus ambientes tropicais, que fabricavam tecidos coloridos e ornamentações exuberantes, cores essas que também foram formas de distinguir status e famílias.
A civilização Chavín se desenvolveu nas montanhas andinas ao norte do Peru, mais precisamente no vale do rio Mosna, onde os rios Mosna e Huachecsa se fundem, entre 900-250 AC, com sua influência se estendendo a outras civilizações ao longo da costa Peruana.
Dentro do ‘horizonte cultural’ andino (divisão de períodos entre formações culturais nos Andes Pré-Colombianos), a cultura Chavín entra na ‘formação andina’, classificada dentro do ‘primeiro horizonte cultural’ ou ‘horizonte inicial’, que corresponde aos anos 1200-200 AC.
A geografia única do território Chavín, perto de dois rios e de vales de altas montanhas permitiu que cultivassem milho, batatas, quinoa de grãos, etc, domesticar lhamas, construir sistemas de irrigação, montar complexos de aldeias e desenvolver técnicas avançadas de metalurgia.
Este elaborado queimador de incenso (350-500 DC) une um objeto ritualístico de influência Teotihuacana com uma narrativa cosmológica Maia.
Ela apresenta uma possível entidade emergindo de uma grande concha que simboliza a entrada no submundo aquático.
A figura agarra a borda da concha com a mão esquerda para ajudá-lo a emergir e usa um colar de três fios de conchas redondas; uma versão menor da concha da qual ele se levanta balança em seu peito.
Seus braços também são adornados com uma concha cada.
A tinta amarela de suas joias pode indicar que todas foram feitas de concha.
O adorno de nariz é típico da elite de Teotihuacan, no entanto quase toda sua iconografia, principalmente a concha em suas costas parece representar o chamado “Deus N” ou “Pauahtun”.
Os povos proto-Jê habitavam complexos de casas subterrâneas, também associadas a estruturas cerimoniais geométricas há 2.200 anos atrás dispersadas pelas terras altas do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
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O prefixo ‘proto’ é utilizado para englobar todos os ancestrais dos atuais grupos Jê do Sul, como os Xokleng e os Kaingang, incluindo também os antigos falantes das línguas Jê meridionais, Ingain e Kimdá, do território onde hoje é o oeste de Santa Catarina e Misiones (Argentina).
Os proto-Jê são identificados por uma cultura material conhecida como tradição Taquara-Itararé, englobando cerâmica, arte rupestre, e diferentes tipos de sítios arqueológicos como as aldeias de casas subterrâneas, montículos, plataformas e praças cerimoniais (danceiros).
Mingqi representando uma figura antropomórfica, possivelmente mitológica e ritual, inspirada pela literatura Han e iconografia budista, conhecida como “guardião das feras”.
Leste Asiático, China, Dinastia Han, 206 AC-220 DC.
Figuras como esta fazem parte de uma classe de artefatos chamados ‘mingqi’, conhecidos como "utensílios espirituais" ou "receptáculos para fantasmas" e se tornaram populares na Dinastia Han, persistindo por vários séculos.
Mesmo sendo produzidos em massa, os mingqi da Dinastia Han geralmente mostram um alto nível de detalhes e naturalismo.
Eles foram projetados para auxiliar o “Po”, a parte da alma do falecido que permanecia no subsolo com o corpo enquanto o Hun, a outra parte da alma, ascendia.