Bom dia. Prometi, ontem, que faria um fio sobre o que acredito ser o rol de principais erros pedagógicos que estamos cometendo durante a pandemia. Lá vai
1) Vou destacar neste fio 4 aspectos que considero erros grosseiros. Começarei pela adoção do famigerado módulo-aula. A aula de 50 minutos é uma leve alteração da aula de 40 minutos adotada nos EUA na última década do século XIX. Foi uma sugestão de Joseph Mayer Rice
2) Rice sustentava que a educação deveria ter o foco na formação para a indústria. Daí, as disciplinas mais importantes seria aquelas vinculadas à produção industrial: matemática, física, química, biologia e comportamento. A leitura (para o operário ler instruções) completava
3) Rice, então, dividiu o número de aulas que considerava necessária para o desenvolvimento, em 4 anos do ensino "primário" pelo tempo de aula naquele momento e chegou aos 40 minutos. O módulo-aula, então, não tem relação alguma com qualquer aspecto pedagógico.
4) Se tivesse alguma relação com a estrutura mental, o módulo aula teria 20 minutos, tempo máximo de concentração de crianças e adolescentes no mundo atual. Para Larry Rosen, professor da Universidade Estadual da Califórnia, a capacidade média de concentração é de apenas 5 min.
5) Então, a estranha transposição do módulo-aula para as modalidades de ensino remoto parecem um atalho completamente desqualificado. A concentração em tempos de pandemia diminuiu ainda mais. Incluindo os adultos, pais ou responsáveis pelos nossos alunos.
6) Uma pesquisa recente envolvendo 33 mil jovens de 15 a 29 anos do Brasil revela a angústia e pedido de socorro às escolas. Voltarei à esta pesquisa mais adiante, mas vale destacar o percentual elevado de alunos decepcionados com suas escolas por não lhes dar segurança emocional
7) Então, o primeiro erro pedagógico grosseiro que estamos cometendo é transpor - ou adequar sem acuidade técnica alguma - o módulo-aula que empregamos desde o século XIX. Qual seria o tempo de programação de aulas durante a pandemia: 5 dias úteis. Esta deveria ser a medida
8) Estou sugerindo que cada plano de aula deveria se apoiar na pedagogia de projetos em que os alunos seriam instigados a planejar seu tempo de pesquisa para elucidar um problema ou situação-problema (como se pensou o ENEM originalmente).
9) O acompanhamento poderia ocorrer por "dicas" fornecidas por programas de rádio (todos têm acesso ao rádio e esta é a experiência mais exitosa de ensino remoto atual, praticado por Alagoas). O diálogo de professores com alunos se daria por mecanismos próximos ao portfólio
10) Convênios das secretarias de educação com os Correios ou, nas áreas rurais, com cooperativas que possuem "linhas" de coleta de produtos agrícolas garantiriam o fluxo. Na segunda, professores despachariam cadernos com o projeto da semana e, na sexta, os cadernos retornariam
11) Passemos para o que considero ser o segundo erro grosseiro do ensino remoto: desconsiderar a interatividade típica das novas tecnologias de comunicação. A grande maioria das redes de ensino transformaram as plataformas em informação dada, sem interatividade entre alunos
12) Se há algo significativo no uso das novas tecnologias pelas crianças e adolescentes é a interatividade. Basta acompanhar a troca de mensagens pelo YouTube, Instagram ou as plataformas mais velozes. Eles formam opinião pela interação, pela troca de impressões
13) Ora, o que estamos fazendo é transformar as plataformas em "folder eletrônico" em que a relação é verticalizada: o comando pedagógico com o objeto passivo do recebimento. Se alguém lembrar da "educação bancária", matou a charada.
14) O módulo-aula e o pobre uso das plataformas empregadas para o ensino remoto são irmãos siameses: fazem uma mera transposição da aulas presenciais para o ensino remoto. Coisa de preguiçoso, sejamos honestos.
15) Chegamos, então, no terceiro erro pedagógico: o foco no resultado (do IDEB e ENEM), negando o desequilíbrio emocional dos alunos. A pesquisa com jovens que citei logo no início deste fio indica que 30% dos 33 mil jovens pesquisados não sabem se voltarão às aulas no futuro
16) Parte desses 30% afirmam que esperavam maior apoio emocional nesse momento em que suas famílias perdem renda, morrem parentes por Covid e o futuro ficou nebuloso. O que fazem as escolas? Despejam atividades sem parar, numa sequência desumana
17) Então, erramos por ansiedade pedagógica. Esquecemos de entender, antes, as condições concretas de estudo de nossos alunos. Saltamos do mundo real para a construção idealizada de uma aula normal em meio ao caos.
18) O foco seria a criação de "Rodas de Conversa" entre alunos, espaços em que poderiam relatar suas dúvidas e angústias para reconstruir a crença no coletivo, na escola e na sociedade. A questão central é: estudar para quê? Esta é a chave da comunicação e da pedagogia
19) Chegamos no quarto erro pedagógico: acreditar que há uma enorme distância entre educação e desenvolvimento social. Esta crença surge dos modelitos administrativistas e gerenciais da cultura anglo-saxônica que copiamos nas últimas décadas e que o CONSED adora.
20) Focamos nas avaliações externas, nos números, nas tabelas que devem ser preenchidas e nos esquecemos que educação é relação humana. Não há aluno que se concentre se está adoecendo ou se tem familiar sem perspectiva.
21) Posso relatar casos que vivenciei nesses anos de caminhada na educação brasileira. Vou citar um caso como ilustração. Uma menina furtava lápis e outros objetos dos seus coleguinhas de sala. Um técnico formado para visitar famílias - o articulador comunitário - foi à sua casa
22) Ao chegar à residência da família da aluna, foi atendido pela avó que se desesperou quando soube do comportamento da neta. Chamou a neta e ouviu da criança que ela furtava para ser presa e, assim, ficar com a mãe que cumpria pena por ser "mula" do tráfico de drogas
23) O impacto dessa informação levou à mãe a ter sua sentença reformada. Voltou para casa com tornozeleira eletrônica. Em 3 meses, a aluna voltava ao seu padrão de comportamento. Não há como existir educação sem equilíbrio familiar.
24) Nessa ansiedade da sociedade do desempenho, o Brasil se esqueceu da função da educação e da pedagogia. A formação de nossos alunos não se dá somente pela escola. A formação formal concorre - ou se associa - com a formação familiar, principalmente em período pandêmico
25) É comum gestores educacionais distinguirem a estratégia educacional do que consideram "assistencialismo" (na verdade, política de desenvolvimento social). Equívoco grosseiro de quem estacionou no século XX. Todos estudos internacionais indicam exatamente o contrário
26) Temos, portanto, um desafio educacional gigantesco. Precisamos ouvir mais e estudar mais ao invés de criar atalhos pedagógicos que estão dando com os burros n´água.
27) Muitos pais ou responsáveis trabalham fora. Com quem deixar seus filhos? Muitos pais trabalham em homeoffice: como dividir tarefas profissionais com familiares se os dois espaços se confundem? É grande os pais que afirmam que os conflitos familiares aumentaram neste período
28) Ao mesmo tempo, não há como as aulas presenciais retornarem neste momento em que batemos recordes diários de mortes por Covid em nosso país. A Fiocruz sugere que somente quando chegarmos a 1 infectado novo por dia a cada 100 mil habitantes poderemos ter aulas presenciais
29) Então, não há atalhos. Temos que ser profissionais. Não podemos nos render às respostas fáceis e superficiais. Temos que criar uma comunidade científica entre educadores. Definir rumos corretos, socializar experiências exitosas. Basta de gerencialismos que andam em círculos.
30) Este é o fio que prometi. Que sejamos menos ansiosos e mais profissionais. (FIM)
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Ontem foi um final de dia bem chato aqui no Twitter. Um pastor do PDT postou uma comparação esdrúxula entre Vargas, Brizola e Ciro Gomes. Eu contestei e ele foi deslizando para o ataque pessoal. Eu revidei na mesma moeda e... descambou. Eu o bloqueei. (continua)
Soube por amigos que são evangélicos que ele continuou me atacando pelo Twitter e chegou a afirmar que sou filiado a um partido, o que não é verdade. O que percebo é que o estilo bolsonarista de ser inundou o meio político brasileiro. Criticar é ser identificado como inimigo
Mas, não é uma inimizade fortuita, mas uma identificação de ataque mortal. Nesse sentido, o inimigo tem que ser atacado em toda sua extensão. No meu caso, facilito a vida desse pessoal porque respondo na mesma intensidade. O que lhes deixa ensandecidos. É parte do meu sadismo
Querem entender a competência e a confiança que os deputados têm no governo? Sigam a negociação feita pelos sindicatos dos trabalhadores da Receita Federal com o governo e a mesa diretora da Câmara a respeito da PEC Emergencial. Segue
1) Comecemos por entender o papel do FUNDAF, centro das negociações para este segmento. O Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização, é destinado a fornecer recursos para financiar o reaparelhamento e reequipamento da Receita Federal
2) Pois bem, a PEC Emergencial possuía um trecho que colocava em risco a manutenção do fundo que custeia as atividades do Fisco. O texto aprovado no Senado acabou com a ressalva que protegia o Fundaf, mas privilegiou outros fundos federais.
Farei um fio sobre o impacto gigantesco da decisão de Fachin. O ministro do STF, apoiador da Operação Lava Jato, se desesperou e antecipou a campanha de 2022. Vamos ao fio.
1) O ministro Fachin procurou, já está nítido, preservar minimamente o juiz Sérgio Moro e o legado da Operação Lava Jato ao anular os processos contra Lula por terem sido julgados por um foro não competente. A 13ª Vara Federal de Curitiba. As vara competente seria a do DF
2) Fachin afirmou que retirou-se os casos que não se relacionavam com os desvios praticados contra a Petrobras" e foram distribuídas por todo território nacional as investigações que tiveram início com as delações premiadas da Odebrecht, OAS e J&F, caso das acusações contra Lula
Bom dia. Farei um fio, antes de minha reunião com parte da minha equipe, sobre a mudança de perfil dos estudantes universitários. Este fio é motivado por uma postagem do jornalista e acadêmico uruguaio Leonardo Haberkorn (vou reproduzir ao final). Lá vai:
1) Uma década atrás, senti que algo se quebrava na relação professor-aluno. Até então, minhas aulas atraíam até alunos que já tinham estudado comigo e estavam no final do curso. Eu tinha orgulho dessa relação que me fazia sentir que era útil.
2) Essa relação alimentava minha dedicação: eu alterava planos de aula, estudava a melhor metodologia, ouvia as sugestões. Decidi adotar uma avaliação processual em que os alunos tinham várias oportunidades de melhorar a produção anterior e, assim, tirar a melhor nota
Boa tarde. Recebi um paper que trabalha o perfil de quem se autodefine esquerda e direita no Brasil. O título do paper é Dimensão e Determinantes do Pensamento Ideológico entre os Brasileiros, escrito por Pedro Henrique Marques. Farei um fio sobre os dados (interessantíssimos)
1) A base de dados que o autor usou foi a do Projeto de Opinião Pública da América Latina de 2017. São dois critérios empregados para definir a identidade ideológica: econômica e de costumes.
2) Trata-se de uma definição muito empregada nos EUA (em virtude do conceito de "liberal" por lá). Meio complicado para usar na América Latina, mas, sejamos maleáveis
Sofri um processo alérgico muito forte desde sábado. Pelos sintomas, por precaução, meu alergista pediu que fizesse o teste para Covid. O resultado saiu agora: negativo. Eu desconhecia os protocolos de convívio em casa para quem tem suspeita. Vou socializar aqui:
Você deve ficar num quarto isolado. Seus pratos, talheres, copos, bucha para lavar pratos passam a ser de uso específico. Quem lava tudo que usa é você.
Se andar pela casa, só com máscara. Só pode se sentar em cadeiras ou poltronas para seu único uso. Não chega a parecer um urso de circo, mas fica próximo disso.