Bom dia. Farei um fio, antes de minha reunião com parte da minha equipe, sobre a mudança de perfil dos estudantes universitários. Este fio é motivado por uma postagem do jornalista e acadêmico uruguaio Leonardo Haberkorn (vou reproduzir ao final). Lá vai:
1) Uma década atrás, senti que algo se quebrava na relação professor-aluno. Até então, minhas aulas atraíam até alunos que já tinham estudado comigo e estavam no final do curso. Eu tinha orgulho dessa relação que me fazia sentir que era útil.
2) Essa relação alimentava minha dedicação: eu alterava planos de aula, estudava a melhor metodologia, ouvia as sugestões. Decidi adotar uma avaliação processual em que os alunos tinham várias oportunidades de melhorar a produção anterior e, assim, tirar a melhor nota
3) Até que um dia uma aluna da graduação do curso de Administração começou a cortar as unhas do pé em plena aula. Eu gosto de rebeldia juvenil, mas, sala de aula sempre foi espaço sagrado para mim. Pedi para que parasse com aquilo. Ela olhou com cara de nojo e desdém. Insisti.
4) Insisti. Nada. Saí da sala de aula. Era ela ou a aula. E acabei repreendido pela coordenação do curso. Em outro curso, uma turma não lia nada.
5) Noutra turma, vários alunos reagiram com agressividade quando um grupo de estudantes católicos passava nas salas para recolher agasalhos para presos comuns não passarem frio no inverno. Tive que ouvir: "eles que passem frio e sofram".
6) Algo havia se quebrado. Era início desse século. Os estudantes se portavam como clientela eleita pelos deuses avaliando o serviçal à sua frente que alguns chamavam de professor.
7) Todo essa lembrança ruim aflorou quando li o relato de Leonardo Haberkorn. O professor do curso de comunicação da Universidade ORT de Montevidéu jogou a toalha. E escreveu a carta que vou reproduzir em seguida (estará entre aspas):
8) "Depois de muitos, muitos anos, hoje dei aula na faculdade pela última vez. Cansei de lutar contra celular, contra WhatsApp e Facebook. Eles me venceram. Eu desisto. Puxo a toalha. (...) "
9) "Estou cansado de falar de assuntos que me apaixonam por rapazes que não conseguem descolar a vista de um telefone que não cessa de receber selfies. (...) "
10) "Claro, é verdade, nem todo mundo é assim Mas estão cada vez mais. Até há três ou quatro anos, a exortação a deixar o telefone de lado por 90 minutos - mesmo que fosse só para não ser mal-educada - ainda tinha algum efeito. (...)"
11) "Pode ser que seja eu que tenha me desgastado demais no combate. Ou que esteja fazendo algo errado. Mas há uma coisa certa: muitos desses garotos não têm consciência do quão ofensivo e ferido é o que eles fazem. "
12) "Além disso, está cada vez mais difícil explicar como funciona o jornalismo perante pessoas que não o consomem nem vê sentido a ser informado."
13) "Essa semana na aula saiu o tema Venezuela. Apenas uma estudante entre 20 pôde dizer o básico do conflito. O básico demais. O resto não tinha nem a mínima ideia. Perguntei se vocês sabiam qual uruguaio estava no meio dessa tempestade. Obviamente, ninguém sabia. (...) "
14) "Assim com tudo. O que está acontecendo na Síria? Silêncio.vQue partido é mais liberal, ou mais à ′′esquerda′′ nos Estados Unidos, democratas ou republicanos? Silêncio. Sinto muito que os jovens não podem sair do celular, nem ainda na aula. "
15) "Conectar pessoas tão desinformadas com jornalismo é complicado."
16) "É como ensinar botânica a alguém que vem de um planeta onde não existe vegetais. E aí vê que esses meninos - que continuam a ter inteligência, simpatia de sempre - os enganaram, que a culpa não é só deles. Que a incultura, o desinteresse não lhes nasceram sozinhos."
17) "Que lhes foram matando a curiosidade e que, com cada professora que deixou de lhes corrigir as faltas de ortografia, lhes ensinaram que tudo dá mais ou menos o mesmo. ′′ Então, quando você entende: que eles também são vítimas, quase sem perceber vai baixando a guarda."
18) "E o mau acaba por ser aprovado como medíocre; o medíocre passa por bom; e o bom, nas poucas vezes que chega, comemora-se como se fosse brilhante. Não quero fazer parte desse círculo perverso. "
19) "E eu não suporto desinteresse diante de cada pergunta que faço e responde com o silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. ′′ Eles queriam que a aula terminasse. Eu também". (FIM)

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25 Feb
Boa tarde. Recebi um paper que trabalha o perfil de quem se autodefine esquerda e direita no Brasil. O título do paper é Dimensão e Determinantes do Pensamento Ideológico entre os Brasileiros, escrito por Pedro Henrique Marques. Farei um fio sobre os dados (interessantíssimos)
1) A base de dados que o autor usou foi a do Projeto de Opinião Pública da América Latina de 2017. São dois critérios empregados para definir a identidade ideológica: econômica e de costumes.
2) Trata-se de uma definição muito empregada nos EUA (em virtude do conceito de "liberal" por lá). Meio complicado para usar na América Latina, mas, sejamos maleáveis
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24 Feb
Sofri um processo alérgico muito forte desde sábado. Pelos sintomas, por precaução, meu alergista pediu que fizesse o teste para Covid. O resultado saiu agora: negativo. Eu desconhecia os protocolos de convívio em casa para quem tem suspeita. Vou socializar aqui:
Você deve ficar num quarto isolado. Seus pratos, talheres, copos, bucha para lavar pratos passam a ser de uso específico. Quem lava tudo que usa é você.
Se andar pela casa, só com máscara. Só pode se sentar em cadeiras ou poltronas para seu único uso. Não chega a parecer um urso de circo, mas fica próximo disso.
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24 Feb
Bom dia. Farei um breve fio sobre a fragmentação de "leituras obrigatórias" no meu campo de atuação: a sociologia. Formam-se bolhas de pesquisadores e leitores muito agressivos, movidos por uma espécie de fetiche. Lá vai.
1) Nos anos 1980, leitura obrigatória no campo progressista era Marx - com ampla vantagem para os textos do jovem Marx - e Gramsci.
2) No Brasil da lenta e gradual reconstrução democrática estava em curso a revisão da bibliografia histórica e sociológica oriunda das teses da III Internacional. Do conceito de "resquícios feudais" e "revolução de 30" emergia uma literatura cujo foco era a história dos vencidos
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21 Feb
Vou fazer mais um fio neste domingo. Na verdade, um micro fio, que estabelece relação com o anterior. O Clube de Engenharia acaba de publicar uma nota sobre o preço do petróleo e a administração equivocada da Petrobrás. Vou reproduzir o miolo desta nota. Lá vai:
a) Antes, uma breve informação sobre o Clube: foi fundado em 24 de dezembro de 1880, por Conrad Jacob Niemeyer, para agregar engenheiros e técnicos com o objetivo de oferecer um espaço democrático para a discussão de questões relacionadas ao desenvolvimento nacional.
b) Vamos à nota, assinada pelo presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino:
"Preços dos Combustíveis e Interesse Nacional
(...) O histórico da PETROBRÁS é o de atender o mercado nacional aos menores preços possíveis. (...)
Read 15 tweets
21 Feb
Bom dia. Farei um breve fio sobre o que aparentemente ocorre no interior das Forças Armadas (FFAA) brasileiras em relação ao alinhamento - parcial ou total - ao bolsonarismo. Consultei analistas, pesquisadores e interlocutores do Alto Comando. Lá vai:
1) O ideário e organização internos das FFAA brasileiras tem origem em cooperações com Alemanha e França. No início do século XX, militares se alinharam à concepção alemã. Uma comissão esteve na Alemanha e de lá trouxe a organização e ideário de defesa nacional.
2) A revista A DEFESA NACIONAL teria sido um dos resultados deste alinhamento, fundada por Euclides Figueiredo, Bertoldo Klinger, Genserico de Vasconcelos e Augusto de Lima Mendes
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16 Feb
Bom dia. Farei o fio que prometi há pouco sobre as dificuldades para criarmos mobilizações mais constantes nos últimos dois anos. Tem relação com esta manchete do portal UOL que afirma que a oposição defende protocolarmente o impeachment, mas aposta no desgaste de Bolsonaro.
1) Desde abril de 2017, quando as centrais sindicais lideraram a maior greve geral da nossa história, as mobilizações do campo progressista brasileiro se tornaram intermitentes: mobilizações estudantis, carreatas, greve de trabalhadores de aplicativos ou manifestação das torcidas
2) Embora a provisoriedade seja uma marca das mobilizações e engajamentos sociais deste século XXI, o Brasil parece apresentar um sintoma mais agudo desse fenômeno: de 2017 para cá, as mobilizações populares são cada vez mais inconstantes e não geram uma liderança nacional
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