Algo que sempre deixa as crianças do 6º Ano um pouco perdidas é no começo do ano letivo, quando nas primeiras aulas de História, eles descobrem que a ciência histórica não é sobre “estudar o passado”.
Bom deixar claro que este fio foi pensado para quem tem curiosidade sobre o assunto mas não tem formação em História. Tomara que eu acerte o tom!
Parafraseando Marc Bloch no clássico “Apologia da História”, nós historiadores estudamos a ação humana, e de sociedades humanas, através do tempo. Nos interessa entender quais caminhos percorremos e o que fizemos entre o antes e o agora...
E deste fundamento da História, origina-se um dos seus principais problemas: se é impossível voltarmos no tempo, como entender estes percursos através dos momentos? Lembrando que estas trajetórias sãos os chamados processos históricos.
Como ainda não conseguimos voltar no tempo (o que de certa forma não adiantaria muito), não conseguiríamos simplesmente estudar o passado, mesmo que o passado humano. Portanto, o que realmente analisamos são os vestígios que este passado transmite até nós aqui, no presente.
Estas fontes podem ser objetos, imagens, textos, relatos, fragmentos de mentalidades e tudo isto junto ao mesmo tempo. Vivemos um presente constantemente invadido por várias sondas de vários passados.
E, obviamente, estas análises feitas das fontes históricas podem nos levar a resultados diferentes de acordo com a época, lugar físico ou social em que forem feitas ou mesmo o historiador que se debruçar sobre estas fontes.
E não tem problema na disparidade de resultados. A Ciência em geral tem mais a ver com a resolução de discordâncias do que com o reforço de hegemonias.
Outra questão sobre o trabalho historiográfico é a da natureza lacunar da História. É simplesmente impossível reconstruir fatos históricos em sua totalidade. Sempre será uma imagem com fragmentos ausentes. O que varia é a quantidade do fato a que temos acesso.
Estas lacunas acontecem por vários motivos. Pode ser pelo tempo entre o fato em si e o presente, pode ser pela escassez de fontes, pode ser pelo interesse dos agentes históricos de esconder os fatos dos quais eles participaram.
Parte da solução para lidar com esta natureza lacunar passa pela ideia de recortes. Recorte cronológico (“Que época estudarei?”), espacial (“Que lugar na Terra estudarei?”) ou temático (O que vou estudar?”) são exemplos de como se delimita o foco de estudos de historiadores.
Existem muitos outros fatores a se pensar, como diferenças entre temporalidades (é bem diferente estudar espaços de tempo curtos, longos e muito longos)… Mas aí teríamos um fio muito longo e eu transformaria um assunto empolgante em algo muito chato (se é que já não fiz isto).
Por enquanto, pense nisto, no objeto de estudo da História: ações humanas através do tempo, fontes históricas usadas para acessarmos o passado e a própria natureza lacunar da História.
É o bastante para ficarmos dias repensando a História, suas funções e objetos de estudo!
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Você sabe o que quer dizer Didática? Já ouviu esta palavra mas não sabe exatamente o que significa, ou já ouviu e não pensou muito a respeito? Vamos falar um pouquinho sobre estratégias de aprendizagem?
Estes dias, ouvindo um podcast que analisava um texto, ouvi mais de uma vez que o texto era bem “didático”. O engraçado é que ao mesmo tempo que a intenção era dizer que o texto era claro em sua proposta, também queria dizer que era um texto raso.
Lembro também de uma professora do primeiro semestre do bacharelado de História que, ao criticar um seminário de colegas, disse que a apresentação “era muito didática”. Isto foi dito para deixar claro que não esperava um seminário de Ensino Médio, mas algo mais robusto.
Toda vez que alguém vem com papos do tipo “Esqueça o que você ouviu no Ensino Médio”, “Aprendi a deixar de seguir o senso comum que me passaram na escola”, você não está sendo vanguardista ou descolado. Você só está desrespeitando o trabalho dos professores do Ensino Básico...
Este desprezo pelo ensino básico é perceptível em alguns acadêmicos (mas longe de ser uma maioria), que para reforçar seu status ou fingir um status que ainda não possuem, adoram se colocar como os verdadeiros donos de uma verdade que os professores escondem nos colégios...
“Esqueça o que você aprendeu na escola”, “Seu professor te ensinou tudo errado”, são chavões comuns que desintelectualizam o professor da rede basica. E não se enganem. Tive muitos colegas de EM e Fundamental II que fazem o mesmo com as professoras do Fundamental I e E. Infantil.
Pessoas falando sobre ressignificarmos a bandeira do Brasil, não deixando que fascista, opressores e afins a sequestrassem de vez. Mas será que esta bandeira alguma vez foi do povo brasileiro?
Foi esta bandeira imperial que tremulava quando o exército assassinou os líderes da Confederação do Equador (Lembrem de Frei Caneca), que lutavam contra o autoritarismo de D. Pedro I.
Foi uma bandeira do Império que tremulou ao fuzilarem e açoitarem os líderes da Revolta dos Malês em 1835. Cada revolta escrava, cada açoite público nos pelourinhos do Brasil, tinha a bandeira verde e amarela como testemunha e legitimadora.
Em meio à repercussão sobre o Ur-Fascismo (ensaio do professor Umberto Eco, vi na minha timeline que o professor @lftofoli usou meu fio como base e recebeu como resposta que deveria ler Jason Stanley, pois este possuía argumentos melhor construídos que aos de Eco.
Por coincidência, eu li “Como o fascismo funciona: a política de nós e deles” do professor Stanley, nascido em 1969 e atualmente professor em Yale. Como estudo o enfrentamento de Érico Veríssimo ao Fascismo e ao autoritarismo em geral, está bibliografia me interessa muito.
Para começo de conversa, já é bom dizer que o professor vê em Trump e também em Bolsonaro representantes e defensores de ideias fascistas, como pôde-se ver na seguinte matéria:
Estava de bobeira aqui lendo um texto do Professor Umberto Eco sobre o Ur-Fascismo, que seria a manifestação do Fascismo nos dias de hoje. Vivemos chamando pessoas e grupos de fascistas. Mas o que define o Ur-Fascismo neste texto primoroso de Eco?
Em abril de 1995, Umberto Eco (1932 – 2016) proferiu um discurso para uma conferência na Universidade Columbia, numa celebração da liberação da Europa. Depois, a transcrição foi publicado no livro Cinco Escritos Morais, publicado pela Editora Record em 2002.
Vou me concentrar na segunda parte do texto, onde o professor Eco descreve as 14 características básicas do Fascismo. Mas antes, observe a tabela abaixo.