Relendo "Football Mulato", 1938, de Gilberto Freyre, para a aula de amanhã, e é impressionante como o mito da brasilidade vem sempre acompanhado de anticomunismo, ainda que para falar de futebol.
Para quem não conhece, esse é um texto fundacional da crônica esportiva, (...)
escrito logo após as vitórias sobre a Polônia e a Checoslováquia na Copa daquele ano. Ali estão as bases do discurso que estabelece a singularidade da escola brasileira no futebol: espontaneidade, dança, improviso, diversão, mais criativo que tático, mais paixão que razão. (...)
Tal escola se daria justamente pela africanidade, pelo "mulatismo" do escrete brasileiro, que refletia em campo a nossa "formação social democrática como nenhuma". O Brasil era o lado dionisíaco da experiência humana contra o apolíneo totalitarismo europeu. (...)
O texto é recheado das inversões e ambiguidades freyrianas, como afirmar democracia onde há extrema exclusão e violência, mas o que ressalto é algo que já apontei aqui no twitter: certa versão da identidade brasileira tem como traço complementar o anticomunismo. (...)
Trecho do texto:
"Enquanto o futebol europeu é expressão apolínea (no sentido spengleriano) de método científico e de sport socialista em que a pessoa humana resulta mecanizada e subordinada ao todo, o brasileiro é uma forma de dança, em que a pessoa humana se destaca e brilha."
Para quem gosta de pensar futebol (ou qualquer elemento da cultura popular brasileira), história e política no Brasil, esse é daquele texto que continua a nos desafiar 30 anos depois, especialmente na força do mito sobre nós, ainda quando assumimos uma perspectiva crítica. (...)
Apenas para finalizar: voltar a esse texto fundacional também retira qualquer grau de novidade na utilização de elementos da seleção brasileira para se fazer política conservadora no país. Pelo contrário, aponta para uma certa constante histórica. (...)
Às vezes, antes de pensar em disputar tais símbolos, deveríamos nos perguntar porque a associação entre eles e a direita é tão imediata e intuitiva.
Isso significa retirar-se da batalha sobre os sentidos de Brasil? não, mas fazê-lo com melhor qualidade, sem reducionismos.
E ah, sim, para provocar: entre fenômenos de 30, ler "Football Mulato" explica muito mais o bolsonarismo que as importações a toque de caixa sobre o fascismo europeu.
Escrevi 30 anos depois não sei da onde haha, mas era para ser "quase 80 anos depois".
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Liberais brasileiros sempre defendem a barbárie até a razão se tornar inevitável.
No tempo de movimento estudantil, vi essa gente sendo contra cotas raciais e bolsa família, defendendo modelo de segurança militarizada e juntando-se a fascistas em eleições de DCE. 👇🏾
Hoje, vejo essas mesmas pessoas apagando esse passado, quando não muito o deturpando. Dizem que pautas como cotas e bolsa família sempre foram liberais. Bom, pode até ser, mas mesmo sendo liberais, eram radicais demais para serem apoiadas pelos liberais brasileiros. 👇🏾
É a mesma gente que hoje, diante do fascismo instaurado, prega o "não vamos procurar culpados" ou "não temos nada a ver com isso". Essa política do esquecimento é núcleo do liberalismo brasileiro, que o torna ilibado, ideologia perfeita e sem vícios. Vem das origens, aliás. 👇🏾
Se a nossa elite e a nossa mídia não fossem tão escravocratas e se Lula fosse gringo, o ex-presidente seria amado pelas primeiras.
Nada mais liberal que Lula. Só que gostam mesmo é da barbarie pura e possuem um ódio ao povo doentio.
Reinaldo Azevedo mesmo. Os países liberais tudo revendo as políticas de austeridade e a preocupação do gênio é constranger Lula para saber o que seria privatizado. É patético, ridículo. Depois ainda tem a cara de pau de dizer que a discussão está atrasada no país.
E repito. Dentro do marco liberal e social-democrata do pós-Ditadura , o PT e Lula são as duas maiores aquisições evolutivas da política brasileira. Nada representa mais o projeto de 88, em suas possibilidades e contradições, que o Partido.
Vendo a postagem do @VascodaGama e do @CADIR_UnB, inevitavelmente pensei em Honestino Guimarães. O aluno da UnB foi visto pela última vez no Maracanã, em um jogo do Vasco, seu time.
Para nós da UnB, Honestino tem uma mística. Um espelho. O Brasil interrompido que carregamos. 👇🏾
No meio da celebração do absurdo, lembrei de um dos textos que tenho mais carinho dos tempos de movimento estudantil, quando, em um momento crítico dentro e fora da UnB, o futuro tenebroso que vivemos já se anunciava.
Compartilho como memória das lutas que não acabam. 👇🏾
"Quantos anos ele teria?
Que sonhos teria realizado?
Se formaria em geologia? Viraria professor, político, geólogo?
Quais amores ele não realizou? Quantas dores não sofreu? Quantas alegrias não viveu?
O que estaria pensando? Teria filhos? Família? (...)
Gosto de criar narrativas paralelas, em que a história ocorreu de outra forma. Nelas, o Brasil ganhou a Copa de 50. Seus jogadores são lembrados como deveriam ser: no panteão máximo.
Hoje é o centenário de um deles, o eterno Moacir Barbosa! Segue o fio: 👇🏾
Desde ontem, matérias muito lindas estão sendo publicadas, falando de Barbosa muito além de 50. Afinal, ele não é um maiores goleiros da história do futebol à toa. 👇🏾
"Fui tetracampeão com a seleção carioca em 1945, 1946, 1947 e 1948. Fui campeão sul-americano em 1948, invicto. Também fui campeão carioca invicto em 1945, 1947 e 1949. Depois, vencemos 1950, 1952, 1956 e 1958." 👇🏾
Comicidade à parte, o vídeo dos calouros da FGV só mostra como esse país é senhorial. O mais interessante são figuras públicas parando o seu dia para participar da gincana e que são quase inacessíveis para tratar de assuntos sérios.
Há algo que sempre falo: o abismo social e o deslocamento da realidade de certos grupos no Brasil contemporâneo é pior que o da França pré-1789.
Isso me lembra quando virei calouro do direito da UnB. Os contatos e as redes que as pessoas tinham antes da Faculdade. A proximidade com figurões e os tribunais. Tudo isso era potencializado ainda mais na graduação. Um familismo e coleguismo louco.
Gente, o ensino superior público esqueceu o que é greve? Nunca houve uma ofensiva tão grande contra o setor e a resposta é fingirmos que não está acontecendo nada? Continuar com prazos, bancas e corrida lattes no meio do fim do mundo? Sério?
Parece que por falarem tanto que o ensino público é isso e aquilo, adotou-se a tática de ficar na moita para não chamar a atenção, evitar o menos pior. Bom, não está adiantando. Quando acordarmos, talvez nem sistema público exista mais para se lutar.
Gente, eu sei que muitos de nós esquecemos. Mas greve não é "parar": greve é espaço de comunicação, de orientação política e de intervenção. Enquanto muitos aqui estão com medo, outros setores já começaram a se articular. Deveria ser papel da universidade intervir nesse processo.