Thread by @aheidrich

A UCRÂNIA SOB AMEAÇA

Anselmo Heidrich
14 abr. 21

Faz algumas semanas, as tropas russas se deslocaram para a península da Crimeia, que fazia parte do oblast ucraniano de Kherson, e fora cedida pelo governo do ex-líder soviético Nikita Kruschev, para então ser reocupada pela \1

Rússia em 2014. De lá para cá, em função do euromaidan, uma série de protestos contra o governo ucraniano pró-russo de Viktor Yanukovych, que a tensão entre Moscou e Kiev, ou Kyiv, como preferem dizer os ucranianos, só aumentou. Mas o que incrementou esta disputa ao ponto de \2

se configurar recentemente em ameaça de grande escala e possível invasão do território ucraniano?

O interesse russo na região, próxima ao Mar Negro, que muitos entendem como um “lago russo”, tem muito mais a ver com o afastamento da influência americana e controle sobre os \3

gasodutos que passam pela Ucrânia. Na visão tradicional russa de empreendimentos, o controle da distribuição de gás para a Europa é fundamental, daí o enfraquecimento da sua periferia, leia-se “europa oriental”.

A mudança do cenário recente se deveu a eleição de Joe Biden nos \4

Estados Unidos. Antes, com Trump, havia um certo distanciamento, embora os conflitos se mantivessem em áreas mais afastadas (mas também cruciais), como na Síria. Com Trump, que fora mais de uma vez acusado de ter sido eleito com ajuda de Moscou, as relações com a Rússia nunca \5

foram de confronto direto. Já, com os Democratas no poder, isto se inverteu, ao ponto de haver ameaças.

O que se pode esperar para breve? Um recrudescimento das ameaças ou um jogo de distensão com alguma pressão em baixo nível de ameaça, com navios de guerra posicionados a \6

uma certa distância para contra-ataque dos Estados Unidos. Sinceramente, eu não acredito em confronto direto, algo impensável desde a Guerra Fria, devido à Mútua Destruição Assegurada.

Muito se fala na aliança entre China e Rússia, o que, sinceramente, não me parece mais do \7

que uma quimera. Na verdade, vejo o papel da Alemanha como um fiel da balança nessa disputa. Ao mesmo tempo em que o país depende do gás russo, ele é um grande comprador e, como todos nós sabemos, a verdadeira locomotiva da Europa. Logo, suas políticas internas têm impacto \8

direto nas pretensões e sucesso de Moscou. Se a Alemanha, em uma hipótese vaga, for na contramão das políticas esboçadas pelos Verdes, reduzindo a participação de gás natural na produção de energia e voltando à boa e velha matriz nuclear, o que isto impactaria na economia \9

russa? A Rússia hoje é um país, proporcionalmente, tão dependente da economia dos hidrocarbonetos quanto são os Estados Unidos em relação ao seu complexo industrial-militar para manter sua “paz mundial”.

Como boa parte do gás consumido pela Alemanha passa pela Ucrânia, \10

qualquer conflito entre este país e a Rússia, que venha a reduzir esta oferta aos alemães, aumentando seus custos de produção energética, obviamente, irão levar Berlim a uma tomada de posição estratégica defensiva, o que, no caso, também implica, numa reaproximação com \11

Washington. Mas a Rússia está sendo atiçada ao ver sua mega-obra de transmissão de gás, o Nord Stream II, que passa pelo Báltico sofrer pressão direta, explícita e contrária dos Estados Unidos.

Dois pontos:

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• Este gasoduto diminui severamente a dependência estratégica que a Rússia tem da Ucrânia, e piora a situação deste país, já que cerca de 20% do seu PIB é gerado apenas com taxas pela passagem do gás russo em seu território;

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• Para Washington, o sucesso do gasoduto russo levaria a Alemanha e demais países da Europa Ocidental a se inclinaram, em sua dependência, para o leste, Moscou e isto, claramente, significa um menor peso das decisões de curto prazo e intenções de longo prazo de Washington \14

sobre o continente europeu.

Para nós e para mim, particularmente, um menor peso dos Estados Unidos e ascensão da Rússia na ordem global gera desequilíbrio no curto prazo, mas uma estabilidade multipolar no longo prazo. Daí sim a China passa a ter uma importância relativa \15

maior, bem maior. Mas quem está assediando e criando um projeto de cooperação com a China, a Rússia ou os Estados Unidos? Não é difícil saber, não?

Os Estados Unidos já foi um país chave para o desenvolvimento econômico mundial. Para que continue sendo tem que mudar sua \16

visão de política externa de longo prazo e isto não se dá com uma beligerância ampliada de Joe Biden e, muito menos, com a covardia de capacho de Donald Trump. Os Estados Unidos podem e têm plena capacidade para isso em se envolverem em uma “guerra” econômica e não meramente \17

comercial (de tarifas), trabalhando em conjunto na “nova rota da seda” que unirá a China à Turquia levando o comércio e desenvolvimento aos países asiáticos ou, se ainda preferirem se manter firmes na Europa, com dutos concorrentes para trazer hidrocarbonetos de regiões \18

vizinhas que diminuam o monopólio do gás russo para a Europa, além, é claro, de fontes alternativas de produção energética.

Obviamente que não estamos em um mundo de Poliana dos libertários em que uma flor enfiada no cano de um fuzil e uma sigla de Princípio de Não Agressão \19

(PNA) fazem alguma diferença no mundo. Não fazem, exceto para protetores de tela e epígrafes de blogs. O que faz diferença é a força das armas apoiando um plano de desenvolvimento, pois um reforça o outro. Washington tem a força das armas, \20

mas não vejo plano nem desenvolvimento nenhum para a economia mundial e isto inclui a deles próprios.

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*Faltou comentar o papel estratégico da Turquia em um possível conflito ampliado no Mar Negro, mas isto fica para um outro texto.

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