Durante a pré-história, antes da invenção da internet, sempre que submetíamos um artigo a uma revista científica ficávamos tão orgulhosos dele que não dava para esperar o processo de revisão por pares: mandávamos uma versão inicial para os conhecidos e amigos: os pré-print. (1/8)
Tinha até um cartão que ia junto, com o logo da instituição e os dizeres "With compliments". Assim eles tinham acesso às ideias e informações mesmo antes do demorado processamento pela revista que podia levar um ano ou mais. (2/8)
Com a invenção da internet tudo ficou mais dinâmico. Os físicos (sempre nós) inventaram o arXiv, um servidor onde poderíamos depositar nossos preprints, potencialmente estendendo o círculo de conhecidos e amigos a todo o mundo. (3/8)
Logo começaram a aparecer no arXiv preprints completamente delirantes. Efeitos quânticos sobre a consciência. Motos perpétuos. Origens divinas do universo. A comunidade de Física sabe lidar com essas extravagâncias do pensamento. Viram piada e ninguém dá bola. (4/8)
Outras áreas criaram servidores de preprints com o mesmo propósito. O medrXiv atende a medicina. Veio a pandemia. A imprensa e o grande público descobriram os servidores de preprints. Encontram neles textos com forma de artigos científicos que não passaram por revisão. (5/8)
Assim como no arXiv, picaretas de todas as cores, sem treinamento científico passaram a enviar suas bobagens para o medrXiv. Sites mal intencionados como o mentiroso c19study passaram a incluir bobagens em suas "meta-análises" fajutas. (6/8)
Um manuscrito enviado por um grupo de defensores do "tratamento precoce" retrata bem o nível de picaretagem. Ao contrário de artigos verdadeiros, nesse os autores não têm endereço. Metodologicamente é uma piada. Provavelmente não foi enviado para publicação. (7/8)
Já está circulando nas redes sociais do 🐮 como mais uma evidência para o "tratamento precoce". Só serve para enganar quem não é cientista e desconhece o processo de publicação de artigos e para animar cientistas de twitter. Pura má fé. (8/8)
medrxiv.org/content/10.110…

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16 Apr
Eu ainda faço parte de uma comissão interdisciplinar da CAPES. Ontem mesmo recebi um processo para analisar. Essa comissão tramita processos de auxílios no exterior. A coisa funciona(va) assim: os membros recebem os processos e indicam pareceristas ad-hoc. (1/9)
Os nomes dos pareceristas são parte de um cadastro (bem desatualizado) ou indicados pela comissão. É(ra) parecido com o processo de escolha de pareceristas para revisão por pares em periódicos sérios. Vários conhecidos meus, competentes em suas sub-áreas, foram incluídos. (2/9)
A última reunião presencial foi em fevereiro/2020, sob a presidência do pastor da CAPES, o criacionista do Mackenzie. Nela a coordenadora propôs renovar o processo. Em lugar de indicados pela comissão, os assessores seriam voluntários que completassem um formulário. (3/9)
Read 9 tweets
15 Apr
Quando a meta-análise é bem feita, tem autoria conhecida, sabe calcular p-valor e passa por revisão por pares na Nature Comm, o resultado é inequívoco: Tratamento com HCQ é associado com aumento de mortalidade em pacientes com covid-19 e não há benefício.(1/3)
via @Damkyan_Omega
Para quem se impressiona com os Forest plots do c19study, aqui vão gráficos feitos corretamente.
Bem diferente da fraude do c19study, não é mesmo? (2/3)
Não tenho dúvidas que tem gente que vai ficar dando piruetas de raiva e jurando que tá errado. Outros vão jogar numa binomial e jurar que o p-valor é 10^-18. O 🐮 vai torcer por eles.
A realidade não vai mudar.
Eles passarão. Nós passarinho. (3/3)

nature.com/articles/s4146…
Read 4 tweets
29 Mar
Graças a uma dica dada por um dos donos do c19study e uma noite com insônia, resolvi o #Desafiodopvalor
Eles não multiplicam p-valores.
É muito pior.
A dica foi: "eles usam o teste exato de Fisher".
Fiquei me perguntando como estimavam os parâmetros. (1/5)
Não conseguia chegar de forma alguma a 10^⁻18. Em alguns dias, com mas estudos, aumentou para 10^⁻16. Não estavam multiplicando p-valor.
Então me propus um exercício. Se eu não entendesse absolutamente nada de estatística, quizesse obter um p-valor para meus 229 estudos.(2/5)
Minha ideia ingênua: a chance de um estudo ser favorável ou contrário é 50% (deve estar claro que para os responsáveis por aquela coisa fazer um RCT ou jogar uma moeda é +- o mesmo). Contei os estudos "positivos" e "negativos". Joguei na fórmula da distribuição binomial. (3/5)
Read 5 tweets
15 Jun 20
Muito curiosa a conclusão da polícia civil de MG que os donos da Backer não tinham conhecimento técnico para saber que a intoxicação era por dietilenoglicol. Eu que sou um cervejeiro mega inexperiente sabia. (1/5)
Cantei a barbada do vazamento do anticongelante assim que as primeiras notícias foram divulgadas. Aí teve aquela confusão entre monoetilenoglicol e dietilenoglicol. Qualquer pessoa que já fez cerveja sabe como ocorre o resfriamento rápido do líquido. (2/5)
Nas cervejarias artesanais grandes eles adicionam anticongelante (dietilenoglicol é usado como antivcongelante em radiadores de carro) para poder trabalhar com água de resfriamento a temperaturas abaixo de zero. (3/5)
Read 5 tweets
5 Jun 20
Muita gente vai tomar a retirada do artigo da @TheLancet como um sinal de que não dá para confiar na ciência. Quem conhece ciência certamente terá uma leitura oposta. A ciência sai do episódio fortalecida. Segue o 🧵. 1/12
O artigo foi preparado rapidamente no meio da pandemia, num momento em que a imprensa internacional vem tratando preprints de baixa qualidade no @medrxivpreprint como evidência científica. 2/12
O rito científico exige que antes de serem publicados os preprints passem pelo processo de revisão por partes. Isso consiste em submeter os artigos ao escrutínio cuidadoso por parte de outros cientistas. Esse processo é cego (os autores não sabem quem são os revisores). 3/12
Read 12 tweets
8 May 20
O @_fcampelo fez um longo 🧵falando de um novo ataque ao modelo do Imperial College, agora tendo como alvo o código usado por eles. Isso parece parte da nova narrativa negacionista de que o isolamento social não é necessário. Segue o 🧵. (1/12)
Em resumo, foram colocadas suspeitas sobre o código usado pelo grupo do IC para fazer suas previsões. A lógica (rasa) é que como o código supostamente contém bugs o modelo não é válido e não há razões para o isolamento social. (2/12)
O código disponibilizado é uma versão editada e simplificada das mais de 15 mil linhas de código na linguagem C que foi trabalhado ao longo de uma década para as diferentes implementações de modelos epidemiológicos pelo grupo. (3/12)
Read 12 tweets

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