"Se ninguém defender o legado de Moro, é o país que perde", escreveu hoje o Joel Pinheiro da Fonseca.
O artigo não é só negacionista. É também ingênuo e desinformado sobre o debate de combate à corrupção.
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Primeiro, o artigo passa pano para as graves ilegalidades cometidas por Moro e procuradores. O que o autor chama de "excessos" ou até "abusos" diz respeito a desvirtuação do processo legal, com o juiz instruindo a acusação, combinando ações conluiadas, etc.
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Muita gente boa da área já escreveu sobre as ilegalidades da Lava Jato, como @augustodeAB e @reglezer. A lista de desvios é graúda. Fico com uma: o que Joel pensa de um juiz sugerir aos procuradores não investigar um político (FHC) para não melindrar um aliado?
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Mas aqui quero entrar em outro debate. Sobre as formas efetivas de combate à corrupção. Em 2017 fui escrever um artigo sobre o tema. Como não é minha área, passei alguns meses estudando a literatura nacional e internacional. Chama a atenção no artigo de Joel...
… a completa ignorância sobre esse debate. O autor se pauta no senso comum, de que o combate à corrupção se faz pelas operações de investigação e as prisões espetaculares. O que a literatura mostra é que a redução da corrupção no longo prazo vai por outros caminhos.
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No foco institucional, o que muitos autores argumentam é que o combate à corrupção se faz sobretudo preventivamente, através do fortalecimento de controladorias, do aumento da transparência e do estabelecimento de leis que impeçam o favorecimento de entes privados.
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Em seu livro Combate à corrupção: Lições da Lava Jato, escrito no auge da operação, Sérgio Praça já advertia que vivíamos um momento de muita punição, mas talvez não de menos corrupção, criticando o excesso de foco nas investigações em detrimento do controle e da transparência. +
O autor aponta também a razão da magnitude da corrupção na Petrobras: a Lei do Petróleo, de 1997, que permitiu à estatal realizar procedimentos de licitação distintos do restante da administração pública. Não queria melindrar FHC, mas foi o presidente que regulamentou...
via decreto, as formas licitação da companhia, permitindo a modalidade de contratação integrada e não estabelecendo limites objetivos para convites fechados (a Lei 8.666 diz que, a partir do valor de R$50 mil, entes públicos devem realizar processos licitatórios abertos).
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O Tribunal de Contas da União questionou diversas vezes as formas de licitação da Petrobras. Ao não estabelecer limites para a modalidade “convite”, a companhia permite que contratações de alto valor sejam feitas selecionando-se os participantes de antemão.
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A questão chegou ao STF, mas uma decisão do ministro Gilmar Mendes, em 2006, considerou correto o decreto de 1998. Segundo Sérgio Praça, a aplicação da Lei 8666 às licitações da Petrobrás poderia ter dificultado o favorecimento a empresas e esquemas de corrupção.
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Este é apenas um exemplo de como o foco preventivo institucional poderia reduzir o desvio de recursos públicos. O livro de Praça tem outros. Trata inclusive do Bolsa-família como mecanismo que reduziu práticas clientelistas.
Mas existe também uma outra abordagem, que vê a corrupção como uma relação entre fatores culturais, sociais e institucionais. Esta é a abordagem de Eric Uslaner, professor de ciência política na Universidade de Maryland. Para ele, prender políticos corruptos é a menor parte.
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Uslaner tem produzido artigos e livros em que compila grande quantidade de informações sobre o assunto. Ele compara índices sociais e econômicos de diversos países, por longos períodos, visando a estabelecer modelos que expliquem as causas e os efeitos da corrupção.
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O resultado é uma relação intrincada entre corrupção, confiança e desigualdade. Essa é uma abordagem rara, resultado de pesquisas comparativas, e que desafia o foco institucional da visão mais comum. Esta é a abordagem, por exemplo, neste livro:
“As raízes da corrupção são em grande parte não institucionais: derivam da desigualdade econômica e de uma cultura de pouca confiança, esta decorrente de uma distribuição desigual de riqueza”, defende Uslaner. Seguindo seu argumento, confiança e corrupção estão em polos…
... opostos na escala de valores. A confiança está na ponta de um espírito de cooperativismo, enquanto a corrupção no de individualismo. Sociedades com mais confiança e menos corrupção têm governos melhores, mais crescimento econômico, redistribuição de renda e respeito a leis.+
Pessoas que acreditam que as outras são confiáveis tendem a ter uma visão mais positiva das instituições, a participar mais da vida política e de organizações sociais. Não é difícil ver aí um ciclo positivo, em que confiança leva a mais participação e controle social do Estado. +
Por outro lado, a desigualdade é uma das principais geradoras de desconfiança. Quanto mais bem distribuídos forem os recursos de uma sociedade, mais ela terá difundida a crença de que se compartilha um projeto comum. Quanto mais desigual for a distribuição de recursos...
...menores serão a coesão social e a confiança. A desigualdade gera desconfiança, que leva à corrupção. Como a corrupção tira recursos do Estado, que poderiam ser investidos em redução da desigualdade, cria-se aí um círculo vicioso que Uslaner chama “armadilha da desigualdade”.+
O círculo se retroalimenta: governantes corruptos reduzem ainda mais a confiança da sociedade. A partir do momento em que a percepção de corrupção cresce, “as pessoas começam a acreditar que a desonestidade é a única maneira de se dar bem”, aponta o autor.
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No Brasil, temos uma das maiores taxas de desigualdade do mundo e uma das menores taxas de confiança social. Para reduzir a corrupção, se as pesquisas de Uslaner estiverem corretas, precisaremos enfrentar esses desafios. Precisaremos também de maior controle e transparência.
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Já sobre a efetividade do combate à corrupção a partir da mobilização de super-heróis que encarnam a luta do bem contra o mal, não há relatos positivos. Sabemos que a Operação Mãos Limpas resultou em Berlusconi; e que Sérgio Moro foi parar no governo de Jair Bolsonaro.
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Combater a corrupção não é moralismo. Afinal, ela corrói a confiança e a cooperação, estimula o “cada um por si” e reduz a capacidade redistributiva do Estado. Trata-se, ao fim das contas, de disputar uma sociedade mais justa e solidária. Mas isso não se dará com super heróis.
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Deixo aqui o artigo completo que escrevi em 2017, no auge da Lava Jato. Tem esses argumentos de Eric Uslaner, de Sérgio Praça, Millôr Fernandes, um pouco da história da corrupção no Brasil e sobre como a alta confiança social dos países nórdicos se teceu. piseagrama.org/ladroes-viscon…
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Marcos Lisboa comparou o plano de infraestrutura do Biden às desonerações fiscais dos governos petistas, para dizer que já tentamos um plano Biden no BR e não deu certo.
Não consegui entender por que ele comparou investimento público em infraestrutura com renúncia fiscal. +
O American Jobs Plan é majoritariamente um plano de investimento público em infraestrutura. Poderia ser comparado com o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Seria um ótimo exercício, aliás.
Mas, ao comparar alhos com bugalhos, o renomado economista só mostra que...
... sua oposição a qualquer forma de liderança do investimento público é maior do que a racionalidade que ele pretende levar aos debates.
A efetividade do gasto público precisa ser debatida. Mas confundir e jogar pra plateia não ajuda em nada.
Hoje entram em vigor novas regras de trânsito, aprovadas pelo governo de Jair Bolsonaro no Congresso.
O Brasil, que tem um dos trânsitos mais violentos do mundo, verá essa carnificina aumentar.
Um fio 👇
O Brasil tem a maior taxa de mortes por acidentes de trânsito da América Latina. No quesito matança nas estradas, estamos à frente de TODOS os nossos vizinhos e de praticamente todos os países da Ásia, da Europa e da América do Norte.
Nem sempre foi assim. Até a década de 1950, os trens transportavam parte relevante das cargas e das pessoas no país. Esse é um modo de deslocamento de baixo percentual de acidentes. A rodoviarização excessiva do Brasil, acelerada na ditadura, está no centro do problema.
A elite brasileira se fez na escravidão. Sempre usou do Estado para manter seus privilégios. Encheu os bolsos na última ditadura, às custas de mortes e tortura. Ontem, alguns de seus próceres ovacionaram o presidente genocida, enquanto hospitais colapsam e 4 mil morrem ao dia.
Alguns dos empresários presentes no apoio ao genocídio: Rubens Ometto, da Cosan, Claudio Lottenberg, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil), André Esteves, do BTG Pactual, Alberto Saraiva, do Habib's, e João Camargo, do grupo Alpha.
Lista mais completa de empresários ovacionadores do genocida presentes na festinha de ontem:
André Esteves (BTG);
Alberto Leite (FS Security);
Alberto Saraiva (Habib’s);
Candido Pinheiro (Hapvida);
Carlos Sanchez (EMS);
Claudio Lottenberg (Hospital Albert Einstein);
Em 1988, o país tinha ainda 18,5% de analfabetos e 70% de casas com saneamento.
Em 30 anos, o analfabetismo caiu para 7% e já são 85% das casas com acesso a saneamento.
O Salário mínimo era quase metade do valor atual em 1988. A inflação chegava a 1.000% ao ano nos últimos anos do regime militar, só sendo controlada em 1994. A expectativa de vida do povo brasileiro cresceu em 10 anos em média durante a democracia.
Um FIO com fontes e dados para não deixar dúvida que:
- O golpe de 1964 foi um GOLPE
- A ditadura que se seguiu foi uma DITADURA, sangrenta e autoritária
- O período foi de desordem, concentração de renda, desmonte da proteção social e aumento da pobreza. 👇
Em seu discurso de posse como presidente após o golpe de 1964, o general Castello Branco prometeu “entregar, ao iniciar-se o ano de 1966, ao meu sucessor legitimamente eleito pelo povo em eleições livres, uma nação coesa”.
O Brasil só pôde votar para presidente 25 anos depois.
Esta citação está no 1º tomo de "As Ilusões Armadas", de Elio Gaspari. O jornalista demonstra como as rupturas foram regra, definindo a “anarquia militar”: uma sucessão de golpes internos e emparedamentos em busca do poder, depois que as regras democráticas foram abandonadas.
Ninguém definiu melhor (a falta de) cidadania brasileira que Milton Santos. Ele diz assim:
"Me pergunto se a classe média é formada de cidadãos. No Brasil não o é, porque não é preocupada com direitos, mas com privilégios."
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"A desnaturação da democracia amplia a prerrogativa da classe média, ao preço de impedir a difusão de direitos fundamentais para a totalidade da população. E o fato de que a classe média goze de privilégios, não de direitos, que impede aos outros brasileiros ter direitos."
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"E é por isso que no Brasil quase não há cidadãos. Há os que não querem ser cidadãos, que são as classes médias, e há os que não podem ser cidadãos, que são todos os demais, a começar pelos negros. Digo-o por ciência própria."