Quando falamos de Pazuello à luz da banalidade do mal, não estamos comparando nazismo e pandemia. Não é isso de modo algum. Estamos aplicando a teoria de Arendt sobre responsab. política, julgamento moral e culpa jurídica-pessoal em atrocidades cometidas pelo governo de ninguém.
Para entender Arendt, é preciso entender que ela desenvolve uma teoria de julgamento moral e responsabilidade que vai além do caso do nazismo, e é sobre isso que falei quando escrevi sobre Pazuello e banalidade. Vamos lá.
1o. Hannah Arendt reportou o julgamento do nazista Eichmann, pela revista New Yorker, em Jerusalém. Arendt não foi lá como historiadora, mas sim como filósofa: ela estava interessada em como a questão de culpa e responsabilidade (dois conceitos distintos) se manifestavam ali.
2o. Ao longo do julgamento, Arendt notou um descompasso: de um lado, a acusação colocava o Eichmann como um dos grandes arquitetos do nazismo e, de outro e em oposição, Eichmann se colocava como um burocrata que não tinha capacidade de PENSAR sobre os seus atos. Isso é importante
3o. Capacidade de PENSAR moralmente, para Arendt, é essencial para o julgamento moral. Ao ver Eichmann se colocar como parte de uma burocracia - pra Arendt, este é o governo de ninguém - e não como um arquiteto da morte, Eichmann havia perdido a capacidade de julgamento moral.
4o. Neste sentido, e só neste sentido, é que utilizei o termo "banalidade do mal". O "mal" (morte em massa) se torna banal na medida em que o julgamento moral sobre ele se dissipa num governo de ninguém. Arendt temia que vivêssemos num mundo que produzisse mais Eichmanns.
5o. Arendt temia que vivêssemos num mundo que produzisse mais Eichmanns, não somente no sentido de novos nazismos, mas no sentido de novas burocracias da morte onde suas engrenagens tivessem perdido a capacidade de pensar, logo de julgamento moral. Este é a base do totalitarismo.
6o. Aqui é importante: Arendt diferencia CULPA (pessoal) jurídica e/ou moral - ser responsável pelo crime que cometeu e pelo julgamento moral que fez - de RESPONSABILIDADE POLÍTICA - responsabilidade coletiva por toda uma atrocidade. O problema de Eichmanns é confundir os dois.
7o. Sem entender a distinção entre culpa pessoal e responsabilidade coletiva, não entenderemos - em Arendt - o descompasso entre burocratas e a atrocidade. É necessário questionar um mundo que produza bucroatas que não vêem a atrocidade que causam e sua culpa pessoal nela.
Pazuello, assim, se mostra como um burocrata que 1) não pensa moralmente (julgamento moral); 2) não vê sua culpa neles (ideia de culpa); 3) dissipa responsabilidade num governo de ninguém. É perfeitamente possível ler Pazuello à luz de Arendt sem cair na comparação com nazismo.
Para referências sobre Arendt, meu livro favorito não é o sobre Eichmann, mas sobre a sua teoria de responsabilidade, em "Responsabilidade e Julgamento", mas os livros sobre Eichmann e sobre Totalitarismo são essenciais. FIM do FIO.

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