Thread by @BiodivFoco

Você provavelmente já deve ter ouvido falar sobre "Introdução de Espécies". Essa é uma das maiores causas de extinções que existem, e hoje eu vou contar um caso pra vocês;
Vamos falar sobre a introdução da Perca do Nilo no segundo maior lago do mundo, e o desastre que isso gerou;

O Lago Vitória é o maior corpo de água doce do continente africano, e um dos maiores do mundo, com mais de 68 mil metros quadrados. Ele se encontra sob a jurisdição de 3 países: Tanzânia, Uganda e Quênia, sendo sua maior parte na Tanzânia;

Um lago gigante e isolado dentro do continente, é de se esperar que haja uma biodiversidade e um alto grau de endemismo. Esse ambiente proporcionou a evolução de muitos animais. Ali são descritas mais de 190 espécies endêmicas, a maioria ciclídeos, e grande parte já foi extinta..

Com o desenvolvimento da colonização Britânica, entre os séculos XIX e XX, iniciou-se o uso de redes de pesca para aumentar a produtividade pesqueira. Como os peixes encontrados ali eram pequenos, a utilização da rede foi prejudicial, levando algumas espécies a desaparecer;

Uma dessas espécies foi a Tilápia Singida (Reochromis esculentus), que se encontra Criticamente Ameaçada. Lembrando que eram 190 espécies descritas, há estimativas que chegam a 500 espécies, porém foram extintas antes de serem descritas.

Observando tal diminuição, as Autoridades Coloniais buscaram uma solução para garantir a continuidade da produção de pescado na região. Daí tiveram uma brilhante ideia, e adivinhem qual?.... Isso mesmo, introduzir um peixe maior!!!

Obviamente a comunidade científica na época bateu panela, porém não adiantou muito. Não se sabe exatamente quem, nem quando, em meados da década de 1950 foram introduzidas Percas do Nilo no lago clandestinamente, e assim se iniciou um dos maiores desastres ambientais da história;

A Perca do Nilo (Lates niloticus), da ordem Perciformes, é um peixe encontrado no Rio Nilo, o bicho é enorme, podendo pesar mais de 200kg e alcançando 2m de comprimento. Com todo esse tamanho, torna-se um predador voraz;

Não demorou muito para aparecerem os resultados monetários. Inicialmente foi um sucesso, a pesca de subsistência se tornou pesca comercial, a partir de então os pescadores começaram a se dedicar a captura exclusiva de percas.

Em 2015, a produção de pescado total da Tanzânia atingiu a impressionante marca de 600 mil toneladas, a atividade gera cerca de 1 milhão de empregos e beneficia indiretamente aproximadamente 5 milhões de pessoas;

É claro que toda essa movimentação e mudanças no ambiente somaram grandes impactos. A começar pelo óbvio: sendo um predador de topo, introduzido em um local com peixes pequenos, a perca já é responsável pela extinção de 50% das espécies nativas do lago, a maioria só ocorria ali;

Hoje mais de 90% dos peixes pescados no lago são Percas, o que é um problema até mesmo para a própria espécie. Devido à escassez de alimento, esses animais começaram a desenvolver o canibalismo. Pescadores relatam que em 15 anos, as percas grandes quase não são mais capturadas;

Por ano são retiradas ~500 mil toneladas de pescado do lago. Com essa retirada, até a população da Perca está entrando em colapso, o pior de tudo é que se todas as Percas desaparecessem, as espécies que sobrariam não conseguiriam suprir a necessidade das populações locais;

Outro problema acarretado pela introdução, foi o desmatamento. Por se tratar de um peixe grande, com a carne gordurosa, uma solução encontrada para a preservação da carne foi a defumação, onde é necessário madeira para queimar e gerar fumaça.

Para tal a Tanzânia eliminou milhares de áreas com o desmatamento, ocasionando a perda de Matas Ciliares aumentando erosões e lixiviação do solo para dentro do lago. Os sedimentos depositados na água afetam a sua qualidade, prejudicando as poucas espécies que restaram;

A Tanzânia é o 5° maior produtor de ouro do mundo. Um país subdesenvolvido, de democracia frágil e autoridades subornáveis torna-se perfeito para empresas passarem por cima de normas ambientais, como é o caso dos rejeitos não tratados das mineradoras que são liberados no Lago;

Não acaba por aí, com o ''boom'' econômico por causa da pesca, os centros urbanos ao redor do Lago cresceram. Atualmente, mais de 80 indústrias que operam nas proximidades do lago despejam cerca de 7 toneladas de resíduos em suas águas todos os anos, junto com esgoto não tratado;

Vale lembrar que na natureza nada se cria, nada se perde, logo os nutrientes que fazem parte de um ecossistema precisam estar sempre em seu próprio ritmo de funcionamento, e qualquer interferência externa do homem pode desencadear uma série de fatos negativos;

O Lago Vitória, outrora um majestoso ambiente, rico em biodiversidade e recursos, agora se encontra de joelhos, à beira da exaustão e do esgotamento. Ele está literalmente morrendo, levando consigo os animais, plantas e pessoas que dele dependem.

Essa thread teve ajuda na revisão do Mestrando em Ecologia, Biodiversidade e Conservação, Charles Borges (@s_rhombeus)

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