Essa é uma história imperdível que resume como poucas a América Latina - tem populismo de direita, terrorismo comunista, Lava Jato, impeachment, golpe de Estado, ditadura, filhotismo, homofobia, pobreza crônica e muita gente morrendo.
Saca só:
Esse cara aqui se chama Pedro Castillo.
Esse sujeito é um representante fiel daquela esquerda sul-americana ainda ressentida por nunca ter superado a queda do Muro de Berlim.
E uma esquerda com dezenas de milhares de mortos na ficha criminal - conto essa história daqui a pouco.
Castillo - com perdão do trocadilho - é do Perú Libre. Seu partido diz ser marxista-leninista e assume defender "os processos revolucionários em Cuba, Nicarágua, Equador, Venezuela e Bolívia". expreso.com.pe/elecciones-202…
No plano econômico, promete "substituir o neoliberalismo" e ser um "interventor estatal, planejador, empresário, protetor, inovador e regulador do mercado". perulibre.pe/programa-econo…
Como muitos membros dessa parcela medieval da esquerda latino-americana, Pedro Castillo é conservador: contra casamento gay, ideologia de gênero, aborto e eutanásia.
“Você tem que defender a família na escola. Pensar em outra coisa é quebrar a família."
Keiko tem algo em comum com a gente - a Lava Jato. Em 2018, foi presa acusada de embolsar uma grana da Odebrecht. Passou quase 2 anos no xilindró. Saiu pagando fiança, em 2020. Mas ainda pode ser condenada a 30 anos de prisão.
Keiko é filha desse cara aqui: o ex-presidente Alberto Fujimori.
Em 1992, Alberto dissolveu o Congresso e fechou o Poder Judiciário, num golpe de Estado com o apoio das Forças Armadas.
Como ditador, governou por quase uma década. Em 2001, fugiu para o Japão pra não ser preso.
Alberto - eleito em 1990 após derrotar o liberal Vargas Llosa - foi condenado a 25 anos de prisão em 2009. Aos 82 anos, ele permanece preso.
Ele é o pai do fujimorismo, uma identidade populista de direita que tem os filhos como herdeiros de seu capital político. Lembra alguém?
Bolsonaro já admitiu admiração pelo "homem digno" Alberto Fujimori, e chegou a dizer ao NYT, em 1993 - ou seja, depois do golpe de Estado no Peru - que "a fujimorização é a saída para o Brasil". nytimes.com/1993/07/25/wee…
Na ocasião também disse ser "a favor de uma ditadura".
Por que o fujimorismo ainda é popular? Muito graças à rejeição aos terroristas do Sendero Luminoso.
Inspirado em Mao, o grupo promoveu uma guerrilha nos anos 1980, conquistando largas áreas do território nacional, com a intenção de fundar uma versão peruana da China maoísta.
A guerrilha promovida pelo Sendero Luminoso resultou na morte de 69 mil peruanos entre 1980 e 2000 - mais do que a soma das mortes nas ditaduras militares de Brasil, Chile e Argentina.
O grupo promoveu tortura e sequestros que duraram décadas.
O Sendero Luminoso utilizava carros-bombas e assassinava mesmo líderes sindicais que discordavam do método maoísta.
A violência era brutal. Quem não aderisse ao grupo era marcado: especialmente indígenas e peruanos mais humildes de populações ribeirinhas, suas maiores vítimas.
Um desses ataques entrou para a história como o Massacre de Lucanamarca, quando 69 camponeses peruanos foram assassinados pelo Sendero Luminoso - incluindo 18 crianças (uma delas com 6 meses de idade).
Muitos aldeões foram queimados com água fervente.
A população não demorou a rejeitar categoricamente o Sendero Luminoso.
E quem apareceu pra ganhar capital político com isso? Alberto Fujimori.
Abimael Guzmán, o líder do grupo, foi capturado em 1992 e condenado à prisão perpétua.
Fujimori o expôs numa jaula na tv aberta:
Massacres dos mais variados tipos foram promovidos na luta entre os militares de Fujimori e os maoístas - com muitas vítimas inocentes no meio.
Em 1992, em Lima, o Sendero Luminoso detonou uma bomba numa rua lotada de adultos e crianças. 25 pessoas morreram.
Entre 1989 e 1992, o Sendero Luminoso também instituiu violência generalizada contra LGBTs.
Pelo menos 500 LGBTs foram assassinados pelos maoístas. Inúmeros foram torturados.
Para eles, este era um grupo de pedófilos e aidéticos, a "escória".
Um dos episódios mais tristes desse extermínio LGBT entrou para a história como La Noche de Las Gardenias.
Na ocasião, 8 LGBTs que frequentavam um bar gay clandestino em Tarapoto foram escolhidos ao acaso e assassinados na rua para servir de exemplo para a população.
Outro episódio violento ocorreu meses depois: o Secuestro de Picuruyacu.
Na ocasião, 12 LGBTs foram sequestrados pelo Sendero Luminoso. Duas vítimas foram assassinadas da mesma forma - com um disparo na cabeça.
Fidel Castro era a inspiração homofóbica.
Fujimori também cometeu uma série de atrocidades.
Uma delas ficou conhecida como o Massacre de Barrios Altos, quando seus militares assassinaram 15 pessoas inocentes - incluindo uma criança de 8 anos - no primeiro andar de um prédio.
O Sendero estava reunido no segundo andar.
Entre 1996 e 2000, Fujimori também promoveu uma campanha de esterilização forçada.
Quase 300 mil mulheres, a maioria delas pobres e indígenas, foram vítimas de uma ação brutal que tinha como objetivo promover o "planejamento familiar".
Keiko Fujimori, sua filha, é a presidente do partido Fuerza Popular, uma organização tão personalista que o símbolo é esse círculo laranja com um K, de Keiko, no meio.
O Fuerza Popular é o principal herdeiro do fujimorismo. É socialmente conservador - e contra o casamento gay.
Abimael Guzmán, o fundador do Sendero Luminoso, criou uma outra organização em 2007: o Movadef - Movimiento por la Amnistía y los Derechos Fundamentales.
O grupo pede a anistia dos crimes dos terroristas ainda presos, incluindo do próprio Guzmán.
O medo é que a eleição de Pedro Castillo devolva o Sendero Luminoso ao centro do país. Ele nega e repete o que Chávez fez em 1998 e Fidel Castro em 1959: diz que não é comunista. istoe.com.br/nao-somos-comu…
A relação dele (e de sua irmã) com o Movadef é documentada.
Por outro lado, há o medo de que a eleição de Keiko devolva o Peru ao período brutal do fujimorismo. Assim como Pedro Castillo, ela nega esse caminho e pede perdão pelos "erros" do pai - dizendo entender a desconfiança das pessoas com sua candidatura.
Alguns analistas dizem que nem Pedro, nem Keiko, teriam capacidade para mobilizar os apoios necessários - dentro do parlamento ou do setor produtivo - para radicalizar o país. Eles apostam em um provável mandato fragilizado.
Ninguém, no entanto, é capaz de colocar a mão no fogo.
O Peru teve 4 presidentes nos últimos 3 anos.
Em 2018, Pedro Pablo Kuczynski renunciou para escapar do impeachment. Ele cumpre nesse momento prisão domiciliar, condenado pela Lava Jato.
Martín Vizcarra, seu sucessor, sofreu impeachment em 2020, acusado de ter recebido propina.
Manuel Merino, então presidente do Congresso, assumiu a presidência do país. Mas como uma parcela importante da população peruana foi às ruas tratando o impeachment de Vizcarra como "golpe", Merino renunciou após 5 dias no cargo.
Hoje, Keiko e Pedro concorrem para liderar o futuro de um país arrasado.
Ambos são herdeiros de uma tradição política autoritária.
Ambos representam facetas do atraso deste continente, inundado por ideias estúpidas.
Que o futuro possa ter a piedade que nosso passado não teve.
A propósito, o @ptbrasil está entusiasticamente apoiando a candidatura de Pedro Castillo - um candidato abertamente homofóbico, contra o aborto e a "ideologia de gênero nas escolas". Não há nenhuma ressalva a esses pontos no comunicado oficial do partido.
Partidos e candidatos brasileiros que defendem entusiasticamente, sem asteriscos, este personagem, assumem natural aproximação ideológica com esta plataforma de governo:
1. A criação de uma nova constituição, “que debe concluir en el desmontaje del neoliberalismo y plasmar el nuevo régimen económico del Estado”.
2. A estatização "de los sectores mineros, gasíferos, petroleros, hidroenergéticos, comunicaciones, entre otros"
3. Todas as dívidas públicas “deben ser canceladas en el país, previa renegociación de las cifras primarias”.
4. A regulamentação da imprensa, defendendo os "legados de Lenin y Fidel" nessa matéria. O Peru Libre abertamente não defende a liberdade de imprensa.
As pessoas não têm muita dimensão da influência que esse 4 de junho de 1989, dia do Massacre da Praça da Paz Celestial, tem nos rumos da história.
Vou ilustrar o que aconteceu na sequência disso, inspirado pela coragem desses manifestantes:
Em agosto, mais de 2 milhões de pessoas de Estônia, Letônia e Lituânia formaram uma corrente humana de 675 quilômetros, passando por Tallinn, Riga e Vilnius, numa manifestação contra a URSS conhecida como o Caminho do Báltico.
Os três países conseguiram a independência.
Entre outubro e novembro, manifestações populares derrubaram o Partido Comunista da Bulgária, dando início a eleições livres no país.
Preparei essa thread pra quem não tem muita noção sobre a disputa envolvendo China e Taiwan - e como esse conflito pode desencadear uma guerra, com potencial participação de grandes nações do mundo.
🇨🇳🇹🇼
Não conhece nada sobre Taiwan?
Em primeiro lugar: não é uma micronação.
Taiwan é mais populoso do que Austrália, Chile, Holanda, Grécia, Portugal, Suíça e Hungria. Na verdade, a população de Taiwan é maior do que a soma das populações de Uruguai, Dinamarca, Noruega e Irlanda.
Como a China, Taiwan tem o mandarim como língua principal e a Han como etnia dominante.
Em 1949, ambos eram uma coisa só - a República da China. Foi quando acabou uma guerra civil entre nacionalistas (que governavam a China) e comunistas (que pleiteavam governar a China).
Nunca abordei aqui sobre a teoria de vazamento do Sars-Cov-2 de um laboratório em Wuhan. Mas gostaria de lembrá-los que no surto de Sars, no início do século, houve vazamento laboratorial.
Naquela ocasião, os chineses também admitiram falhas de transparência, avisando tardiamente a comunidade internacional sobre o surto, subnotificando o total de casos, sendo pouco cooperativos com a OMS.
Eu usei a palavra "também" porque, embora muita gente esqueça - visto que a narrativa política mudou com o tempo -, Pequim admitiu, em 2020, suas falhas de transparência com a atual pandemia.