Preparei essa thread pra quem não tem muita noção sobre a disputa envolvendo China e Taiwan - e como esse conflito pode desencadear uma guerra, com potencial participação de grandes nações do mundo.
🇨🇳🇹🇼
Não conhece nada sobre Taiwan?
Em primeiro lugar: não é uma micronação.
Taiwan é mais populoso do que Austrália, Chile, Holanda, Grécia, Portugal, Suíça e Hungria. Na verdade, a população de Taiwan é maior do que a soma das populações de Uruguai, Dinamarca, Noruega e Irlanda.
Como a China, Taiwan tem o mandarim como língua principal e a Han como etnia dominante.
Em 1949, ambos eram uma coisa só - a República da China. Foi quando acabou uma guerra civil entre nacionalistas (que governavam a China) e comunistas (que pleiteavam governar a China).
Com a vitória dos comunistas, houve um impasse.
O Partido Comunista estabeleceu a República Popular da China, com capital em Pequim, substituindo a República da China, no continente chinês.
Mas não conquistou Taiwan, que permaneceu República da China, sob governo nacionalista.
Até 1971, a ONU não reconhecia o Partido Comunista no controle da China. Taiwan era quem sentava no assento do Conselho de Segurança.
As coisas mudaram desde então.
Há uma grande participação dos Estados Unidos nessa história. E com o cara cumprimentando Xi Jinping nesta foto.
Nos anos 1960, chineses e soviéticos romperam. Pequim se negava a ser tratada como um satélite de Moscou.
Para enfraquecer o Partido Comunista da União Soviética, Washington promoveu seus laços com o Partido Comunista da China. A ideia era implodir a cortina de ferro.
Até certo ponto, o plano vingou. Em 1979, Pequim chegou a entrar em guerra com o Vietnã, aliado da URSS. Em 1989, o Bloco do Leste ruiu.
Mas a estratégia americana foi além: fortaleceu o Partido Comunista Chinês, antes arruinado pela Grande Fome Chinesa e a Revolução Cultural.
Nesse período, Taiwan era uma ditadura de partido único, governada pelos nacionalistas (o Kuomintang). Os laços com a China eram imensos.
Foi na década de 1980 que o jogo mudou. Taiwan se abriu para a democracia. E desde então, os taiwaneses fortaleceram os laços com... Taiwan.
Hoje, Taiwan possui uma democracia consolidada. Há eleições livres no país, com 13 partidos com representantes eleitos. O Legislativo e o Judiciário são independentes.
Em 2021, esse país - que se autogoverna - é presidido por essa mulher aqui. Seu nome é Tsai Ing-wen.
Há duas grandes forças políticas em Taiwan: liberais e nacionalistas.
Os nacionalistas ainda alimentam laços com a China - e por esse motivo, hoje ironicamente possuem boas relações com o Partido Comunista.
Esse cara aqui com o Xi foi o candidato nacionalista derrotado em 2016.
Conforme o tempo passa, os taiwaneses se identificam mais como taiwaneses e menos como chineses. Hoje, apenas 2,6% da população se identifica como chinesa. 64,3% do país se identifica apenas como taiwanês.
Em 2000, 36,9% da população se dizia taiwanesa. Em 1992, eram 17,6%.
Não surpreende a guinada. Desde a abertura democrática, Taiwan se distanciou da China. Taiwan é hoje muito mais rica, e possui melhor IDH, saúde e educação.
O PIB per capita de Taiwan hoje é maior do que o da Alemanha, Suécia e Finlândia. O da China é menor que o da Costa Rica.
Além disso, os taiwaneses têm acesso a algo extremamente valioso: direitos humanos.
Taiwan é o único país da Ásia a permitir o casamento LGBT. A internet é livre, assim como a imprensa. E isso sem falar das eleições livres.
Taiwan virou um país completamente diferente da China.
O Partido Democrático Progressista, filiado à Internacional Liberal, é liberal na economia e nos costumes. O partido venceu os nacionalistas em 2020 com uma margem ampla: 57% x 38%.
Pequim reagiu com irritação com a vitória, como já havia feito em 2016.
Hoje, há uma janela de oportunidade se fechando. Se Pequim quer controlar Taiwan, como promete desde 1949, precisa agir. A população taiwanesa não deseja ser governada por Pequim. A força bruta, militar, é o único instrumento possível.
E é isso que os chineses ameaçam.
Pequim não aceita a soberania de Taiwan. E ameaça todos que tratam Taiwan - um país - como um país.
Pequim tem aumentado os exercícios aéreos e navais em torno de Taiwan.
Nessa semana, Taiwan assumiu que a China "está se preparando para a guerra".
A posição da Austrália merece atenção.
Em abril, o Ministro da Defesa australiano disse que um conflito entre Taiwan e China "não deve ser descartado". theguardian.com/world/2021/apr…
Ainda em abril, um oficial australiano disse que as "nações livres" estavam ouvindo os "tambores da guerra" bater novamente. sbs.com.au/news/global-dr…
Em maio, um general do país disse que um conflito com a China tem "alta probabilidade" de acontecer. smh.com.au/politics/feder…
A relação dos chineses com o Partido Liberal, que governa a Austrália, é a pior possível.
A Austrália sofre frequentes ciberataques da China (de páginas do governo ao setor privado) e já prevê gastar quase US$ 1 bilhão na década pra proteger sua internet. nytimes.com/2020/06/30/wor…
A Austrália é provavelmente o país que mais insiste para a OMS investigar a origem da pandemia de coronavírus na China. E desde que passou a adotar esse tom, vê aumentar os ataques de Pequim.
Nunca abordei aqui sobre a teoria de vazamento do Sars-Cov-2 de um laboratório em Wuhan. Mas gostaria de lembrá-los que no surto de Sars, no início do século, houve vazamento laboratorial.
Naquela ocasião, os chineses também admitiram falhas de transparência, avisando tardiamente a comunidade internacional sobre o surto, subnotificando o total de casos, sendo pouco cooperativos com a OMS.
Eu usei a palavra "também" porque, embora muita gente esqueça - visto que a narrativa política mudou com o tempo -, Pequim admitiu, em 2020, suas falhas de transparência com a atual pandemia.
Ontem, a Federação Internacional de Jornalistas, a maior organização de jornalistas do planeta, publicou um relatório acusando a China de construir uma rede de jornalistas em veículos espalhados pelo mundo para elogiar Pequim.
Segundo o relatório, graças à pressão chinesa, num ano em que a pandemia de coronavírus prejudicou a imagem de Pequim globalmente, a cobertura sobre a China na imprensa internacional foi mais positiva em 2020.
Além de fundar uma das maiores empresas do planeta, Jack Ma também controla a fintech Ant Group, controladora do serviço de pagamentos Alipay - a startup de tecnologia mais valiosa do mundo (mais usada que cartão de crédito na China).
Poucas coisas me impressionam mais do que ver a defesa do governo chinês por progressistas ocidentais.
Nenhuma nação tão influente no mundo rejeita com tamanha veemência os valores progressistas e persegue tão abertamente minorias quanto a China.
Quer ver só?
É LGBT? Má notícia.
O casamento gay e a adoção de crianças por casais LGBTs não são permitidos na China. Imagens de homens usando brinco podem ser borradas na tv pela censura como parte de uma agenda para reforçar as noções tradicionais de masculinidade.
A China proíbe representações LGBTs na tv como parte de uma repressão a “conteúdo vulgar, imoral e prejudicial à saúde”, comparável à "perversão sexual, agressão sexual, abuso sexual, violência sexual e assim por diante" (as aspas são do governo).
Trump, sobre a mudança da constituição chinesa que deu poder "vitalício" a Xi Jinping:
"Xi é um grande cavalheiro, agora é presidente vitalício. Ele é ótimo. E olhe, ele foi capaz de fazer isso. Talvez tenhamos que tentar isso algum dia."
@franciscorazzo É slogan de jovem tuiteiro de classe média. Virou mantra, discurso patriota do funcionalismo público, que fora desta bolha verde e amarela nacionalista do serviço público diz muito pouco.
@franciscorazzo Na vida real, a saúde pública é a maior preocupação dos brasileiros. Este é um país com uma série de problemas - nenhum deles é maior que a saúde pública para a própria população. E isso diz muito.
@franciscorazzo Não sem motivo, este é um povo que sonha com carteira assinada para ter a possibilidade de contar com um plano de saúde privado como benefício. Enquanto o jovem tuiteiro faz hashtag pelega, ascensão social para a dona Maria é ter Unimed.