Em tempo: comer inseto é algo bastante normal, em culturas ameríndias, africanas, asiáticas e até europeias. Orientalismo aí é mato.
Só que com a Revolução Industrial e alimentação virou um troço massificado globalmente inclusive nos hábitos alimentares.
A massificação do consumo retomou um padrão de alimentação tipicamente europeu ocidental, focado em especial nas elites cortesãs - ou seja, opulência = consumo de carne.
Esse processo é tão intenso que a própria China tá vivenciando esse boom do consumo de carne.
Ou seja, tem cultura E tem economia. Desde Marshall Sahlins a gente, das humanidades, sabe que não tem essas esferas separadas. Portanto, essas manchetes da Folha visam unicamente entender os insetos como substituição da proteína dos mais pobres (mantendo o consumo de carne...
...concentrado nas elites).
Vai funcionar?
Não. Porque não é porque uma proteína é mais barata, ou até mais nutritiva, que as pessoas mudam sua alimentação. Gosto (e todas suas implicações) é um campo de batalha, inclusive entre as classes sociais.
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Mas o pensamento de um Guedes não cai do céu. Essa mistura de "burrice com toques de psicopatia" tá enraizada em muitos lugares. Tentei mapear alguns dos mais importantes aqui.
1) A imprensa. Sim. Desde 2016, com o impeachment de Dilma, a forma pela qual os jornais noticiam a carestia (aumento de preços e falta de produtos) é sempre glamourizando a situação. Vocês já viram isso aqui, né?
“na sociedade comunista, onde cada um não tem um campo de atividade exclusivo, mas pode aperfeiçoar-se em todos os ramos que lhe agradam, a sociedade regula a produção geral e me confere, assim, a possibilidade de hoje fazer isto, amanhã aquilo,...
...de caçar pela manhã, pescar à tarde, à noite
dedicar-me à criação de gado, criticar após o jantar, exatamente de acordo com a minha vontade, sem que eu jamais me torne caçador, pescador, pastor ou crítico."
(MARX, 2007. p. 37-38)
Nem todo mundo na esquerda gosta de retomar essa visão de comunismo do jovem Marx, mas eu sou um grande fã dela. Imaginar uma realidade futura na qual não sejamos definidos pela divisão social do trabalho é muito poderoso.
Um dia queria escrever uma história dos #panelaços no Brasil. É um tema interessante, protesto social e suas múltiplas formas. E por aqui, ele foi apropriado por diferentes classes e diferentes ideologias - em diferentes contextos.
Mas a verdade é que panelaço tem uma variante latino-americana que é o cazerolazo. E como no Brasil, as "cazerolas" não têm uma ideologia específica.
No Chile, em 1971, viraram sinônimo de protesto da direita golpista contra Salvador Allende.
Mas tanto na Argentina, em 1982, quanto no Uruguai, em 1983, os cacerolazos foram apropriados pela luta contra a ditadura. Uma luta talvez ainda restrita a setores privilegiados...um professor meu, uruguaio, dizia que essa era um protesto das classes médias.
É preciso entender que a Copa América é muito pior do que a realização dos campeonatos e eventos esportivos (que em função da pandemia, não deveriam estar sendo realizados).
São 10 delegações. Imprensa esportiva. Anunciantes. Sem torcida, claro - dentro do estádio.
Colômbia, Chile e Argentina rejeitaram o evento, mas fazem seus campeonatos nacionais. Por que? Ou por considerarem que a pandemia se agravaria, ou porque não queriam dar isenção fiscal pra Conmebol e anunciantes, ou simplesmente por causa dos protestos.
A gente pode dizer que eles estão sendo hipócritas, já que seus campeonatos nacionais tão rolando, mas as condições da Conmebol (que envolvem inclusive final com público) são inaceitáveis. Ou eram.
Sobre fascista e não-fascista, tem um textinho que encontrei uma vez vendo as referências de uma pesquisa do antropólogo Gilberto Velho.
Se chama "Good people, dirty work", escrito pelo antropólogo Everett C. Hughes focado na Alemanha nazista (procurem nos russos).
Na verdade, o foco é Hughes analisando o imediato pós-guerra na Alemanha. As pessoas comuns lá, tudo arrependidas, mas no fundo, elas soltavam pistas de que sua adesão ao nazismo na época é porque os nazistas faziam o "trabalho sujo".
O trabalho sujo poderia ser uma série de coisas, mas basicamente, na compreensão das pessoas comuns, eles resolviam os problemas das pessoas com antisemitismo, diversidade, pautas morais que estavam disseminadas antes do nazismo.
Sobre o Hamas ser legítimo, ou não, para mim parece óbvio.
Quem confere a legitimidade do Hamas enquanto partido é o povo palestino. Parte significativa dele apoia o Hamas. A legitimidade tá aí.
Pode se alegar que há discurso no Hamas que promovem o fim de Israel e anti-semitismo. Mas consideremos que o Likud também promove o fim da Palestina e o sentimento anti-árabe.
Entretanto, só o Hamas é representado como terrorista.
Ainda que desde 2008 o partido tenha se posicionado a favor da solução dos dois Estados, ainda hoje impera a versão de que o Hamas é contra o Estado de Israel. A cobertura de boa parte da imprensa segue o mesmo tom desde os anos 1990 (mesmo que o maior atentado político...