Aproveitando mais uma noite insone passei a organizar as minhas notas que escrevi ao longo dos últimos seis anos monitorando redes que hoje integram o conluio bolsonarista. Impressionante como elas apontam, sempre, para uma máquina de produção e manejo de afetos e subjetividades.
São sempre os mesmos arquétipos, os mesmos tipos de sujeitos - mas não os mesmos sujeitos -, os mesmos afetos. Quanto mais fundo no sistema, mais próximo de um sujeito ideal. Bolsonaro, sua subjetiivdade, é esse sujeito ideal.
Ao longo dos anos tive a oportunidade de conversar com diversas pessoas que tiveram o desprazer de conviver com o presidente e todas dizem a mesma coisa: ele é basicamente aquilo ali, não é encenação, ele realmente acredita nas coisas que fala.
Hoje falamos do Heinze, mas se você pegar as falas de Bolsonaro quando era deputado ou vereador vai ver que o estilo era mais ou menos o mesmo. E muito coerente com aquilo que ele mostra hoje.
Mas um ponto crucial é que esse sujeito não se encerra na figura de Bolsonaro, ele se distribui por meio dos afetos que mobiliza. A Raiva e o Medo são dois afetos importantes nessa história, mas também a esperança.
Por isso que a maioria dos apoiadores de Bolsonaro não se parecem com ele - mas são os mais parecidos que tomam sempre a nossa atenção. Muito dos que votaram no sujeito e alguns até mantém o seu apoio reportam sempre os mesmos afetos, votaram por medo, raiva...
E aqui entra o papel das redes sociais. Uma etnografia superficial desses grupos de whatsapp e páginas de facebook (mas também sua timeline e a forma como ela é organizada) vai mostrar como elas contribuíram de forma decisiva para a difusão desses afetos.
Mas não apenas, contribuiu para uma infantilização do debate político, difundiu a ideia de que existem soluções simples e rápidas para problemas estruturais. Uma dessas soluções rápidas é a identificação de grupos inimigos.
A ideia de que o problema não é o sistema, a estrutura, mas a existência de alguns grupos específicos de pessoas.
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Witzel não é e nunca será um "aliado útil", como vi alguém dizendo por aí. Não podemos cair nessa lógica simplória do "inimigo do meu inimigo...".
Witzel é uma bomba, simples assim. E que bom que ela está explodindo no colo dos bolsonaristas.
Witzel não é inocente: é um facínora da pior espécie, daqueles cujo o comportamento beira o sadismo. Mas tudo indica que ele foi alvo de uma operação do bolsonarismo, de algo que já fora denunciado por outros, uma tentativa de criar uma máquina totalitária.
Bolsonaro nunca escondeu suas intenções, ele opera uma espécie de ligação direta do Planalto com a esfera local, passando por cima dos poderes intermediários, especialmente quando estes não estão de acordo com seus desígnios. Esse esvaziamento dos poderes é muito perigoso.
Eu vou anotando temas para desenvolver melhor quando tiver tempo para escrever alguma coisa. Um deles é como a boa parte dos comentários políticos (especialmente na internet) ignoram os setores "médios" da sociedade brasileira e sobre como isso compromete o resultado das análises
Quando se fala de bolsonarismo, por exemplo, ignora-se muito o papel dos "setores médios" na sua codificação e difusão - por isso o trabalho da @kalil_isabela é muito importante -, e sobre como eles se comportam de maneira muito distinta dos outros dois setores.
Um exemplo recente dessa discussão é uma crença difundida de que basta um reajuste no Bolso Família para Bolsonaro garantir sua reeleição. Uma análise que ignora, por exemplo, a crescente insatisfação da classe média que, tem quase uma década, vem sendo pauperizada.
Hoje a #CPIdaCovid promete, teremos a "ilustre" presença do ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, também conhecido como Whitney Houston. O sujeito que sonhava em ser presidente da ONU e atualmente é coach de concurseiro.
Para quem não conhece, Witzel é mais um desses que se elegeu na onda conservadora, prometendo matar traficantes com tiros na cabeça, fazendo cospobre de PM - e andava para cima e para baixo com uma faixa de governador comprada numa loja de fantasias.
Witzel sempre foi ambicioso, nunca escondeu que o governo do Rio era apenas um estágio, ele almejava presidência da República e posteriomente - é sério - a presidência da ONU.
O vergonhoso - e perigoso - da decisão do Nunes Marques que manteve o sigilo de Élcio Franco é que ela já desenha uma linha de defesa para os indiciados na CPI em eventuais processos criminais.
Olha o nível da vergonha "não se pode confundir a hesitação de decisores ante dúvidas e incertezas, dadas circunstâncias profundamente aleatórias e complexas criadas pela Covid-19, com crime omissivo"
"hesitação", os sujeitos estão receitando nebulização de cloroquina e dispensando vacina e o Ministro está falando de "hesitação". E piora, ainda piora.
Nessa semana a #CPIdaCovid se tornará um cópia do velho quadro televisivo "a porta dos desesperados", teremos depoimentos de pessoas que estão na mira da justiça, hoje teremos Marcellus Campêlo, ex-secretário de Saúde do AM.
O depoimento de Marcellus Campêlo será crucial para desmontar a versão do Governo Federal e comprovar que Pazuello e Mayra Pinheiro mentiram deliberadamente sobre o colapso em Manaus, Campêlo já afirmou em depoimento que o MS foi oficialmente comunicado no dia 07 de janeiro.
Campêlo também deve confirmar a tese de que o Ministério da Saúde tinha a intenção de utilizar Manaus como um caso exemplar do sucesso da Cloroquina - mesmo sabendo da iminência do colapso do sistema de atendimento.
Estou beirando meus 40, nasci, fui criado e vivo no subúrbio do Rio de Janeiro, tempo suficiente para saber que casos como o de Kathlen Romeu não são uma exceção, tampouco um ponto final (ou exclamação) na política de extermínio carioca.
Infelizmente, é um ponto e vírgula.
Viver no Rio de Janeiro é viver em suspenso entre uma tragédia e outra. Ela será a grande tragédia da cidade até a próxima criança, a próxima grávida, o próximo inocente. Eu mesmo já vivi tempo suficiente para perder familiares e amigos (sim no plural) dessa forma.
Eu, eles, são apenas estatística, não há nada de extraordinário. Entre uma chacina e outra naturalizamos a barbárie e tentamos seguir com a nossa vida.