Quando escrevi o livro Desafios Toxicológicos (lançado no início de 2020), o caso de Bob Marley me chamou tanto a atenção, que utilizei um tópico deste capítulo para falar de teorias da conspiração. Mal sabia eu que formularíamos teorias muito mais loucas alguns meses depois... Image
Bob Marley morreu em decorrência de um melanoma (um tipo mais "agressivo" de câncer de pele) metastático que se "espalhou" para os pulmões e para o cérebro.

Bob descobriu o melanoma ao acaso, pois o mesmo estava localizado sob a unha do dedão do pé...
Em um acidente durante uma partida de futebol, sua unha teve que ser removida, e ele foi diagnosticado.
Embora orientado pelos médicos a amputar o membro, ele se recusou, por motivos não claros (mas que parecem ter sido religiosos e/ou também por afetar sua performance artística)
O fato é que o tratamento mais conservador não foi capaz de eliminar o tumor, que acabou se espalhando e levou à morte do cantor cerca de 4 anos após este episódio.
Mas por que estou falando isso?
Porque embora haja um motivo lógico para este óbito, outra teoria foi disseminada..
A teoria dizia que vários anos antes da morte de Marley, um membro da CIA (agência de Inteligência Norte-americana), teria se disfarçado e presenteado o músico com um par de chuteiras de futebol. Com uma delas contendo um fio de cobre no seu interior que teria lesionado o dedo...
... e, pasmem, inoculado o "câncer". (qualquer semelhança com vacinas magnéticas que grudam moedas e geram sinal de bluetooth não é mera coincidência).

Agora, pensando racionalmente: Qual dessas hipóteses é a mais provável:
1) Bob Marley, que possuía importante histórico de melanoma na família, desenvolveu a doença no dedão do pé. Por motivos pessoais, contrariou a recomendação médica de amputar o dedo. Com o tempo, a lesão evoluiu para metástase e atingiu
órgãos vitais, promovendo sua morte.

OU...
2) Um agente da CIA disfarçado presenteou Bob Marley com um par de chuteiras, que continha uma espécie de agulha, que inoculou no cantor uma substância tóxica capaz de induzir um tipo de câncer que, anos mais tarde, o matou.
Basta um exercício simples de estimativas de probabilidades para perceber que hipótese 2 deixa muito a desejar:
- existe substância capaz de induzir melanoma por agulha?
- Como o agente da CIA sabia que Marley se recusaria a amputar o dedo?
- Etc, etc
Pessoas que tenham pressa em tirar conclusões para definir uma situação parecem sofrer mais influência de informações conspiratórias. Sentem-se mais desconfortáveis frente às incertezas. Parece existir uma tendência de preencher lacunas de modo conclusivo, mesmo que inverídico. Image
Este é um dos 30 casos que abordo no livro "Desafios toxicológicos", que lançamos em 2020, pela Editora Sanar (@sanarflix).

Link para o livro: sanarsaude.com/livro/desafios… Image

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21 Jun
Quantas vezes você ouviu que no Brasil tem gente notificando COVID-19 em excesso? Ou que outras doenças matam mais que Covid? Ou que "parece que agora só morre gente de Covid", entre outros argumentos para dizer que nossa situação no Brasil não é tão ruim.

(continua...)
A todo momento enviam isso no seu WhatsApp junto a estimativas de mortes por Covid em comparação com outros países, para minimizar o que estamos vivendo aqui. Isso quando não citam "o placar da vida" que comemora o gol que fizemos na Alemanha e não mostra os 7 gols que levamos.
O número de mortos, independentemente de comparações já é uma tragédia por si só que merece toda nossa atenção e empatia. Mas se ainda assim existe esse interesse e necessidade em comparar, temos que começar comparando o Brasil pandêmico com o Brasil anterior à pandemia.
Read 11 tweets
15 Jun
Essa maluquice sobre grudar moeda no braço após a vacina é na verdade um episódio muito didático de como nosso cérebro é muito criativo para enxergar padrões onde não existem.

Então deixo aqui 5 lições pedagógicas que podemos aprender com essa fake news:
1 - Se o evento B (moeda grudar) acontece logo após o evento A (vacinar), não significa que o evento A provocou o evento B. Correlação não implica em causalidade. 100% das pessoas que morreram, tomaram se hidrataram pouco tempo antes de isso acontecer. Mas beber água não mata.
2 - "O barulho de cascos que você ouve atrás de você geralmente não são de zebras". Ou seja, é muito mais provável que haja uma explicação mais simples. Que sejam cavalos.
Busque a explicação simples primeiro. Deixe a explicação maluca pros roteiros de ficção.
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15 May
Quando qualquer um de nós se depara com uma fórmula dessas, a primeira reação é "torcer o nariz".
Mas e se eu te falar que a aplicação desse raciocínio traz mais lucidez e racionalidade para interpretar artigos científicos?

Abra o seu coração para a palavra do reverendo Bayes
Thomas Bayes foi um pastor presbiteriano do século XVIII, que veio a se tornar posteriormente famoso pelo "Teorema de Bayes", resumido na fórmula do tweet anterior.
Bayes desenvolveu a probabilidade condicional para tentar inferir a probabilidade subjacente a partir da observação
Não tá entendendo nada? Eu também demorei pra entender. Quando ele explicou isso para os outros, ninguém entendeu também. Por isso é mais fácil explicar isso por meio do experimento que originou o seu Teorema. Foi necessário apenas uma mesa e duas bolas. E uma mente brilhante.
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13 May
#FarmacoNumTweet

A Dependência é um fenômeno complexo. Além dos aspectos neurobiológicos, o comportamento, a genética e o ambiente são cruciais para o desenvolvimento do quadro.

Vamos entender um pouco mais sobre esses aspectos neurobiológicos? Segue o fio!
Embora estes são sejam os únicos elementos envolvidos no processo de dependência e não possamos avaliar este fenômeno de modo descontextualizado, é fato que sem uma droga capaz de provocar dependência ou sem um cérebro capaz de se tornar dependente, não haveria dependência.
A dependência pode ser descrita como uma transição de ações impulsivas (incapacidade em adiar recompensas) para ações compulsivas (uso contínuo da droga, apesar das consequências negativas). O uso inicial da droga é geralmente voluntário, ligado à traços de impulsividade...
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2 May
A maioria de nós tivemos a oportunidade de aprender o que é ceticismo com Scooby-Doo sem nem perceber
Frente a enxurrada de obras ficcionais que colocam o sobrenatural como lugar-comum e menosprezam a figura do cético, Scooby-Doo se destaca por valorizar o ceticismo. Segue o fio!
Com mais de 50 anos de existência Scooby-doo, a seu modo, pertence a cada geração desde sua estreia em 1969. Um grupo improvável de 4 jovens e um dogue alemão viajam em uma van (Máquina do Mistério), investigando e desvendando casos sobrenaturais em todo tipo de lugar bizarro.
O desenho ocupou um papel de destaque na infância de muitos de nós, competindo com o mundo supersticioso em que vivemos. Mesmo considerando personagens de diversos perfis desde a racional Velma até os medrosos e motivados por comida Salsicha e Scooby, as lições são as mesmas:
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1 May
Já falei por aqui da "Regressão à Média": em uma série de eventos aleatórios, há uma grande probabilidade de que um evento fora do comum (extremo) seja seguido por um outro mais corriqueiro (retornando a valores médios).
Hoje tem historinha pra ver como isso pode nos confundir...
Na década de 60, o (hoje) Nobel Daniel Kahneman começou a dar aulas a um grupo de instrutores de vôo da Aeronáutica. Nas aulas, ele dizia que recompensar comportamentos positivos dos pilotos era mais interessante do que punir os equívocos.

Mas ele foi confrontado por um aluno:
"Muitas vezes elogiei meus alunos por manobras muito bem executadas, e na vez seguinte se saíram pior. Já gritei com eles por manobras mal executadas, e geralmente melhoram na vez seguinte. Não me diga que recompensa funciona e punição não. Minha experiência contradiz essa ideia"
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