Quantas vezes você ouviu que no Brasil tem gente notificando COVID-19 em excesso? Ou que outras doenças matam mais que Covid? Ou que "parece que agora só morre gente de Covid", entre outros argumentos para dizer que nossa situação no Brasil não é tão ruim.

(continua...)
A todo momento enviam isso no seu WhatsApp junto a estimativas de mortes por Covid em comparação com outros países, para minimizar o que estamos vivendo aqui. Isso quando não citam "o placar da vida" que comemora o gol que fizemos na Alemanha e não mostra os 7 gols que levamos.
O número de mortos, independentemente de comparações já é uma tragédia por si só que merece toda nossa atenção e empatia. Mas se ainda assim existe esse interesse e necessidade em comparar, temos que começar comparando o Brasil pandêmico com o Brasil anterior à pandemia.
Para isso, temos que nos familiarizar com o conceito de "Excesso de mortalidade". E o que é isso? É a variação no número de mortes durante a pandemia, comparado com a média do número de mortes dos últimos 5 anos. Como isso funciona?
Pega-se o total de mortes de 2020/2021 no Brasil (período de pandemia) subtraindo desse valor a média do total de mortes dos períodos de 2014 a 2019. Esse é o excesso de mortalidade absoluto. Dividindo esse valor pela média de mortes de 2014 a 2019, temos o valor relativo (%).
Se você ficou confuso, o CONASS desenhou pra você.
A faixa cinza é o intervalo entre o mínimo o máximo de óbitos de 2014 a 2019. A linha azul são as mortes em 2020 e a linha roxa, as mortes em 2021 até agora. Isso contado em semanas ao longo do ano. Detalhe importante...
Esta técnica não é baseada nas notificações de causas da morte, simplesmente mostra todo excedente de mortes durante a pandemia, pois esta é a única grande diferença entre este ano e anos passados recentes. Ou seja, ela ignora o viés da super ou subnotificação de COVID.
Em Junho de 2020, tivemos 33% de excesso de mortalidade. Em fevereiro de 2021, 38%. Observem que em março o pico é assustador em relação ao esperado. Não se aumenta tudo isso de mortes sem uma causa direta ou indireta.
Podemos colocar nessa conta as mortes por Covid, mas também..
... as mortes por outras doenças que não tiveram atendimento adequado pela sobrecarga do sistema ou pelo fato de as pessoas procurarem menos os serviços de saúde por causa da pandemia. Entre diversos outros fatores. É uma medida global do efeito da pandemia em nosso país.
Por isso, chega dessa babaquice de dizer que "Estão exagerando os dados", "não é tudo isso", "Tudo agora é COVID". Os dados estão aí. A não ser que você ache normal aumentar absurdamente a mortalidade de um país de uma hora pra outra, simplesmente pare de falar isso por aí.
E se for comparar países (na tentativa de minimizar o que ocorre por aqui), experimente comparar o excesso de mortalidade relativo do Brasil com o excesso de mortalidade relativo de outros países. É uma medida mais honesta para entender de modo mais geral o efeito da pandemia.

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19 Jun
Quando escrevi o livro Desafios Toxicológicos (lançado no início de 2020), o caso de Bob Marley me chamou tanto a atenção, que utilizei um tópico deste capítulo para falar de teorias da conspiração. Mal sabia eu que formularíamos teorias muito mais loucas alguns meses depois... Image
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Embora orientado pelos médicos a amputar o membro, ele se recusou, por motivos não claros (mas que parecem ter sido religiosos e/ou também por afetar sua performance artística)
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15 Jun
Essa maluquice sobre grudar moeda no braço após a vacina é na verdade um episódio muito didático de como nosso cérebro é muito criativo para enxergar padrões onde não existem.

Então deixo aqui 5 lições pedagógicas que podemos aprender com essa fake news:
1 - Se o evento B (moeda grudar) acontece logo após o evento A (vacinar), não significa que o evento A provocou o evento B. Correlação não implica em causalidade. 100% das pessoas que morreram, tomaram se hidrataram pouco tempo antes de isso acontecer. Mas beber água não mata.
2 - "O barulho de cascos que você ouve atrás de você geralmente não são de zebras". Ou seja, é muito mais provável que haja uma explicação mais simples. Que sejam cavalos.
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15 May
Quando qualquer um de nós se depara com uma fórmula dessas, a primeira reação é "torcer o nariz".
Mas e se eu te falar que a aplicação desse raciocínio traz mais lucidez e racionalidade para interpretar artigos científicos?

Abra o seu coração para a palavra do reverendo Bayes
Thomas Bayes foi um pastor presbiteriano do século XVIII, que veio a se tornar posteriormente famoso pelo "Teorema de Bayes", resumido na fórmula do tweet anterior.
Bayes desenvolveu a probabilidade condicional para tentar inferir a probabilidade subjacente a partir da observação
Não tá entendendo nada? Eu também demorei pra entender. Quando ele explicou isso para os outros, ninguém entendeu também. Por isso é mais fácil explicar isso por meio do experimento que originou o seu Teorema. Foi necessário apenas uma mesa e duas bolas. E uma mente brilhante.
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13 May
#FarmacoNumTweet

A Dependência é um fenômeno complexo. Além dos aspectos neurobiológicos, o comportamento, a genética e o ambiente são cruciais para o desenvolvimento do quadro.

Vamos entender um pouco mais sobre esses aspectos neurobiológicos? Segue o fio!
Embora estes são sejam os únicos elementos envolvidos no processo de dependência e não possamos avaliar este fenômeno de modo descontextualizado, é fato que sem uma droga capaz de provocar dependência ou sem um cérebro capaz de se tornar dependente, não haveria dependência.
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2 May
A maioria de nós tivemos a oportunidade de aprender o que é ceticismo com Scooby-Doo sem nem perceber
Frente a enxurrada de obras ficcionais que colocam o sobrenatural como lugar-comum e menosprezam a figura do cético, Scooby-Doo se destaca por valorizar o ceticismo. Segue o fio!
Com mais de 50 anos de existência Scooby-doo, a seu modo, pertence a cada geração desde sua estreia em 1969. Um grupo improvável de 4 jovens e um dogue alemão viajam em uma van (Máquina do Mistério), investigando e desvendando casos sobrenaturais em todo tipo de lugar bizarro.
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1 May
Já falei por aqui da "Regressão à Média": em uma série de eventos aleatórios, há uma grande probabilidade de que um evento fora do comum (extremo) seja seguido por um outro mais corriqueiro (retornando a valores médios).
Hoje tem historinha pra ver como isso pode nos confundir...
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Mas ele foi confrontado por um aluno:
"Muitas vezes elogiei meus alunos por manobras muito bem executadas, e na vez seguinte se saíram pior. Já gritei com eles por manobras mal executadas, e geralmente melhoram na vez seguinte. Não me diga que recompensa funciona e punição não. Minha experiência contradiz essa ideia"
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