Nessa altura do campeonato, e sem considerar eventos imprevisíveis (como queda de jatinho, atentado a faca, etc), podemos afirmar o seguinte:
1. São grandes as chances de Jair Bolsonaro não conseguir se reeleger.
2. Como em 2018, ele estimulará o próprio eleitorado a filmar o processo de votação nas urnas eletrônicas.
3. Alguns problemas ocorrerão, pois sempre ocorrem, mas serão estatisticamente irrelevantes.
4. Contudo, mesmo estatisticamente irrelevantes, trarão números absolutos que correrão o WhatsApp, rendendo, portanto, a narrativa que Bolsonaro persegue há tempos com esse papo de voto impresso.
5. Com voto impresso, a ocorrência de erros há de ser ainda maior, pois é um modelo abandonado pelo país há décadas. Também seriam estatisticamente irrelevantes. Mas também serviriam à narrativa mentirosa de que as eleições teriam sido fraudadas.
6. Cumprido o roteiro, é possível que Jair Bolsonaro mais uma vez imite Donald Trump, gritando ao mundo que perdeu em uma eleição fraudada, e convocando os eleitores mais fanáticos para um ataque ao Congresso.
7. Contudo, diferente de Trump, Bolsonaro tem apoio de parte das Forças Armadas. E de parte ainda maior das forças policiais.
Em resumo, estou dizendo que é alta a chance de Jair Bolsonaro tentar um golpe de Estado entre outubro de 2022 e janeiro de 2023. E que as chances dele serão maiores que as de Donald Trump, pois possuirá o apoio de parte das Forças Armadas e policiais.
Eu entendo que a melhor forma de contornar algo tão grave seria uma vitória incontestável de um nome de centro. Foi exatamente o que os EUA fizeram. Os democratas abriram mão de uma candidatura mais à esquerda (Sanders) em benefício de um nome mais moderado (Biden).
É uma estratégia semelhante à usada pelo Brasil na redemocratização. O país tinha vários nomes mais fortes à esquerda. Mas Tancredo Neves era o nome de centro que poderia evitar um novo golpe das Forças Armadas. E evitou, ainda que não tenha assumido.
O problema: não há nomes fortes de centro no Brasil de hoje. E temo que não mais haja prazo para que qualquer nome de centro ganhe força suficiente a tempo da eleição de 2022.
Uma alternativa é um nome de esquerda assumir um discurso de centro. E imagino que essa ficha já caiu em Lula. Ele tem feito acenos a recortes religiosos, e costurado alianças com partidos de centro. Essa notícia é ótima.
Falta, no entanto, acenos ao mercado financeiro, como o feito em 2002 com a Carta ao Povo Brasileiro. Por ora, ele tem pregado contra teto de gastos, o que é estimulo para que grandes empresários refuguem de um desembarque do bolsonarismo.
Creio que Lula há de conseguir a vitória incontestável. Inclusive, com chance de isso ocorrer ainda em primeiro turno. Mas nada disso impedirá que Bolsonaro coloque os planos mais alucinados em prática (ainda que uma derrota por grande margem reduza as chances de sucesso dele).
Um terceiro cenário é impeachment.
A melhor chance da "terceira via" não é 2022, é impeachment. Mas, para isso, precisa se articular pelo processo. Não é só protocolar pedidos. É arquitetar um governo de transição para 2023. É chamar STF, Lira e Mourão para uma conversa.
No entanto, no verão passado, eu mesmo aqui no Twitter consultei vários parlamentares que poderíamos chamar de "terceira via". E a imensa maioria lavou as mãos diante dos apelos por um processo de impeachment de Bolsonaro.
Como não faz sentido aguardar que a direita peça o impeachment de Bolsonaro, creio poder afirmar que quem impede o impeachment de Bolsonaro de ir adiante é o centro, é a terceira via. A esquerda, como vemos, está nas ruas com a pauta.
Como não vejo militância cobrando atitude dos partidos de centro, acho que realmente resta à gente se preparar para uma eventual tentativa de golpe em 2022. E os EUA mais uma vez são uma inspiração.
Lá, os democratas anteciparam os passos de Donald Trump. Calcularam as narrativas que o presidente tentaria plantar, e com antecedência explicaram o truque à opinião pública.
É o que tentei fazer no início desta thread.
Os democratas também reforçaram a necessidade de reduzir estragos. De não se ausentar. De estimular que cada vez mais eleitores participassem do pleito, e de todas as formas possíveis.
Foi a maior votação da história.
E grupos minoritários de direita que não concordavam com o autoritarismo de Trump pregaram votos na candidatura de esquerda. Contudo, lá só há dois partidos competitivos.
Aqui, o bipartidarismo só se concretiza no segundo turno. É difícil pregar algo semelhante no primeiro. Mas é possível insistir na ideia de que a missão do eleitor é reduzir o estrago. Se sua opção não passar do primeiro turno, não deixe de se posicionar no segundo.
Por fim, é colocar as diferenças de lado e ter foco. Se me pedem, consigo preparar uma lista de mil coisas que quero para o Brasil. Mas a primeira da lista, e com larga folga, é que o país consiga conter o avanço de um projeto tão desumano.
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Estadão, dezembro de 2018:
"O futuro ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, disse ao Estado que o governo Jair Bolsonaro fará uma “intervenção imediata” nos hospitais do Rio com gestão federal. Segundo ele, esses hospitais seriam dominados por milicianos."
Em fevereiro de 2019, Bebianno revelou ter fortes indícios de que ameaças sofridas pela comitiva do Ministério da Saúde tinham partido de milicianos. g1.globo.com/politica/blog/…
Um “eu avisei” do bem. Não sei se muitos prestaram atenção, mas França estava em 2020 mendigando voto bolsonarista. Algo que Doria fez em 2018, não estou me fazendo de louco.
Mas o ponto é: sempre que as opções forem ruins, precisamos votar para reduzir o estrago. Sempre.
Deixa eu tentar ser mais franco. Mas, ao mesmo tempo, mais polido. Espero que eu consiga.
Os mais de 55 milhões de votos confiados a Bolsonaro em 2018 foram 55 milhões de graves erros. Indiretamente, levaram à morte centenas de milhares de brasileiros...
O argumento de que a corrupção do outro lado causaria tantas mortes quanto as sabotagem que sofremos no combate à covid-19 é, me desculpem a sinceridade, constrangedor. Minha sugestão é de que o abandonem o quanto antes.
A política corriqueiramente nos coloca em situação em que somos obrigados a escolher entre duas opções ruins. Numa situação dessas, quase nunca as duas opções serão igualmente ruins. Haverá quase sempre a ruim e a pior.
O papel de um opositor não é o de meramente protocolar pedidos de impeachment e soltar frase de efeito em redes sociais. É principalmente o de somar esforços para conter o governo.
A oposição não quer o impeachment de Bolsonaro. Quer apenas desgastá-lo até 2022.
Se quisesse o impeachment, já estaria há mais de ano enfileirando reuniões com empresários, influenciadores, políticos independentes e da base do governo. Já teria elaborado um discurso único que conseguisse unir os interesses de recortes tão distintos do nosso jogo político...
Já estaria pautando a imprensa com o tema manhã, tarde e noite. Estaria dando entrevistas em telejornais e talkshows. Estaria à frente de todos os protestos, virtuais, de janela ou de rua, liderando a revolta da população. Estaria contando votos para o impeachment de Bolsonaro.
Antes da pandemia, o MBL até ensaiou uma guinada ao centro, mas a vocação do grupo era mesmo fazer barulho à direita. E, em dado momento, entendeu que manter-se à direita não necessariamente implicava em bajular Bolsonaro (como faz o Novo), mas enfrentá-lo.
O primeiro teste foi a candidatura de Arthur do Val a prefeito de São Paulo. Celso Russomanno só não foi ao segundo turno no lugar de Guilherme Boulos porque o candidato do MBL conquistou pra si quase metade dos votos da direita mais radical.
A melhor forma de tirar Bolsonaro do segundo turno de 2022 é repetir o que aconteceu em São Paulo em 2020: poucas candidaturas fortes à esquerda e ao centro, e muitas candidaturas médias ou fracas à direita.