Nesta segunda-feira comemoramos o dia internacional do orgulho LGBTQIA+. Essa é uma thread sobre a geopolítica dessa bandeira.

Afinal, como EUA e China, as duas nações mais poderosas do mundo, enxergam essa questão?

Spoiler - de maneiras completamente diferentes.

Saca só:
Em primeiro lugar, nos EUA, pessoas do mesmo sexo podem legalmente se casar e adotar filhos.

Mais do que isso: o orgulho LGBTQIA+ é indissociável da sociedade americana.

Esse americano aqui, por exemplo, se chama Gilbert Baker. É dele a criação da bandeira do arco-íris.
Essa outra americana aqui, Brenda Howard, criou a parada LGBTQIA+. Ela coordenou a primeira marcha do orgulho gay, há 51 anos.

A marcha estava intimamente ligada à Revolta de Stonewall, o berço da luta moderna por liberdade e inclusão de minorias sexuais nos EUA.
“Gay”, aliás, surgiu como um termo underground e tornou-se popular na década de 1960 nos EUA. No início, abarcava todos os grupos.

Foram ativistas americanos que criaram e popularizaram termos como "transgênero", "queer", "LGBT" ou "LGBTQIA+".
Personalidades LGBTQIA+ são indispensáveis à indústria cultural americana.

De RuPaul a Frank Ocean.

De Ellen DeGeneres a Elliot Page.

De Andy Warhol à Drew Barrymore.

Jodie Foster, Neil Patrick Harris, Jim Parsons, Kristen Stewart, Adam Lambert, George Takei, Janis Joplin.
Os EUA abrigam ícones mundiais da cultura LGBTQIA+, como Beyoncé, Britney Spears, Lady Gaga e Madonna.

Hoje, quase 20% dos filmes lançados por Hollywood contém personagens LGBTQIA+.

Inúmeros desses filmes já ganharam o Oscar - como Moonlight, Brokeback Mountain ou Milk.
Tudo isso impacta positivamente a aceitação da comunidade LGBTQIA+ nos EUA.

72% da sociedade americana hoje admite aceitar a homossexualidade. Esse número era de 46% em 1994.

Estados como California, Colorado, New Jersey e Illinois hoje ensinam história LGBTQIA+ nas escolas.
Mesmo a direita americana - historicamente oposta à luta LGBTQIA+ - hoje tem membros que exaltam a bandeira.

Nesse momento, 843 gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros servem em cargos eletivos nos EUA - incluindo 2 governadores, 2 senadores e 7 congressistas.
A bandeira LGBTQIA+ virou um símbolo de Estado, utilizada mesmo em embaixadas americanas ao redor do mundo: como na Rússia, em Israel, no Vaticano ou no Brasil.

Mesmo a Casa Branca, símbolo máximo do poder americano, já foi iluminada com as cores da bandeira.
Mas e a China?

Como lida o maior adversário geopolítico dos EUA sobre essa questão?

A China abriga uma população LGBTQIA+ de mais de 90 milhões de pessoas, o que torna esta a maior comunidade LGBTQIA+ do mundo.

Os desafios desse grupo, no entanto, são imensos.
Em primeiro lugar, ao contrário dos EUA, pessoas do mesmo sexo não podem legalmente se casar e adotar filhos na China.

Em 2021, a Shanghai Pride, uma das raras paradas gays no país, anunciou seu fechamento para proteger a segurança dos organizadores.

edition.cnn.com/2020/08/14/asi…
Na China, 8 em cada 10 homens gays são casados com mulheres. Há até uma expressão para essas esposas: Tongqi (同妻).

Segundo uma pesquisa publicada pela ONU, apenas 5% das minorias sexuais na China optam por revelar publicamente suas orientações sexuais.

cn.undp.org/content/china/…
Membros da comunidade LGBTQIA+ na China têm 5 vezes mais probabilidade de desenvolver doenças mentais e considerar o suicídio do que o público em geral.
scmp.com/news/people-cu…

85% dos estudantes LGBTQIA+ relatam depressão. 40% consideraram o suicídio.
caixinglobal.com/2019-05-07/cha…
Desde 2015, a regulação chinesa proíbe qualquer programa de tv e cinema de retratar "relações sexuais anormais". O governo considera homossexualidade uma relação sexual "anormal".

Até imagens de homens usando brinco podem ser borradas na tv.

edition.cnn.com/2016/03/03/asi…
Debater essa questão também é muito difícil na China.

Nos últimos anos, as autoridades chinesas fecharam fóruns virtuais para o público gay, sites de notícias especializados na cobertura LGBTQIA+ e lojas temáticas que atendem a comunidade.
scmp.com/news/china/pol…
Sem aceitação, transexuais chineses frequentemente arriscam a vidas em auto-cirurgias perigosas ou comprando tratamentos hormonais duvidosos no mercado negro.
amnesty.org/en/latest/news…

Muitos adolescentes trans também são forçados a terapias de conversão.
reuters.com/article/us-chi…
Conteúdo LGBTQIA+ é frequentemente censurado na China. O caso mais emblemático recente foi da websérie "Addicted", banida pelas autoridades.

Outra websérie chinesa de sucesso, “Go Princess Go”, sofreu o mesmo destino.
wsj.com/articles/BL-CJ…
Algumas séries com personagens gays sobrevivem à proibição. Mas elas são sutis, para driblar a censura - contando apenas com gestos e olhares. Não há representação explícita de relacionamento homoafetivo. É o famoso "bromance".

vice.com/en/article/7k9…
A pornografia gay também não é permitida.

Em 2017, uma romancista chinesa foi condenada a 10 anos de prisão por escrever e distribuir romances homoeróticos.

edition.cnn.com/2018/11/19/chi…
Obras internacionais premiadas nos EUA com o Oscar também sofrem censura.

"Brokeback Mountain" foi banido dos cinemas. news.bbc.co.uk/2/hi/entertain…

"Call Me by Your Name" foi retirado do Festival de Cinema de Pequim após ser desaprovado pelos reguladores.
variety.com/2018/film/news…
Mesmo quando esses filmes são permitidos, não escapam da censura.

"Bohemian Rhapsody" estreou na China editado, cortando todas as referências à sexualidade de Fred Mercury.

bbc.com/news/blogs-tre…
Na China, este espaço aqui - o Twitter - também é censurado. O equivalente chinês é o Sina Weibo.

Em 2018, a rede chegou a assumir que postagens relacionadas à homossexualidade seriam retiradas do ar. Com os protestos, a empresa voltou atrás.

bbc.com/news/world-asi…
No mesmo ano, a bandeira do arco-íris, símbolo LGBTQIA+, foi pixelada na transmissão chinesa do Eurovision.
bbc.com/news/blogs-tre…

Dias depois, duas mulheres foram atacadas e espancadas por seguranças em Pequim por carregarem esse mesmo símbolo.
france24.com/en/20180602-ch…
No recente especial "Friends: The Reunion", um depoimento de um fã da série, homossexual (que disse que sonhava "ter o cabelo da Jennifer Aniston"), foi cortado da versão chinesa - junto com o depoimento do BTS. Ambos foram desaprovados pela censura.

variety.com/2021/streaming…
A verdade é que a China evolui em passos muito lentos a inclusão das pessoas LGBTQIA+. Não é uma coincidência.

Os direitos humanos são filhos da sociedade aberta. Sem liberdade política, artística, de associação e de expressão, os chineses estão décadas atrasados no debate gay.
Pessoas LGBTQIA+ ainda enfrentam problemas em diferentes lugares do mundo, incluindo os EUA.

Mas as duas maiores potências do planeta veem essa comunidade de forma distinta. E entender por que isso ocorre, nesse dia, é compreender um pouco melhor as forças que regem o mundo.

🏳️‍🌈

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Quer entender o tamanho dessa vergonha? Saca só:
O Massacre da Praça da Paz Celestial é um dos capítulos mais emblemáticos do século XX.

Eu contei essa história aqui:

O foco hoje, no entanto, é outro: mostrar o que Pequim faz pra esconder este dia da memória popular, promovendo uma amnésia coletiva.
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28 May
Preparei essa thread pra quem não tem muita noção sobre a disputa envolvendo China e Taiwan - e como esse conflito pode desencadear uma guerra, com potencial participação de grandes nações do mundo.

🇨🇳🇹🇼
Não conhece nada sobre Taiwan?

Em primeiro lugar: não é uma micronação.

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Como a China, Taiwan tem o mandarim como língua principal e a Han como etnia dominante.

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