MPRJ: OUTROS OLHARES

O Ministério Público do Rio de Janeiro anuncia a realização no próximo dia 30 de junho de um seminário denominado “Um olhar sobre os direitos LGBT no RJ”.
Um dos dois painéis que irão compor o evento tratará do tema “dossiê da violência em razão da identidade de gênero e orientação no Rio de Janeiro”.
Tenho a honra de ser membro do MPRJ desde 1988. Como promotor de Justiça (hoje sou procurador), atuei por cerca de 20 anos no tribunal do Júri (que no Brasil julga basicamente homicídios), dos quais 16 anos no III Tribunal do Júri da Capital.
A cidade do Rio de Janeiro tem 4 tribunais do júri, o que significa que de cada 4 processos de homicídio um passava por mim (descontado o período em que havia ainda júri em alguns poucos foros regionais).
Estamos falando de 25% do total de processos de homicídio na segunda maior cidade do país. Quantas pesquisas trabalham com esse índice de amostragem? Sinto-me assim bastante seguro para contribuir com meu olhar sobre a violência causada por homofobia ou transfobia. Vejamos:
Ao longo dessas duas décadas trabalhando com milhares (não centenas, mas milhares, repito) de inquéritos e processos de homicídios, tive três (TRÊS!) processos de violência ligada à “questão LGBT”:
- em dois deles, os réus eram homossexuais; um deles matou e o outro mandou matar o ex-namorado porque não aceitavam o fim do relacionamento (um desses casos é o processo que considero um dos mais tristes que já tive);
- no terceiro caso, um travesti latrocida matou outro travesti, seu colega de ponto de prostituição e que ameaçava denunciá-lo à polícia; é a chamada “queima de arquivo”.
Ou seja: o total de casos em que o motivo do crime contra homossexuais ou transexuais foi homofobia ou transfobia, na minha experiência, foi ZERO.

Valeria a pena fazer essa pesquisa com outros colegas que atuam nos tribunais do júri. Muitos iriam se surpreender.
A surpresa seria em sentido contrário caso se resolvesse fazer um levantamento do número de moradores de comunidades dominadas pelo crime organizado, no Rio de Janeiro, que já sofreram algum tipo de violência nas mãos dos traficantes ou milicianos (ou uma combinação dos dois
grupos), que mandam e desmandam nesses trabalhadores indefesos e seus familiares.

Se a situação deles já era precária antes, imaginem agora, com um ano de vigência da decisão inconstitucional do STF que proibiu a polícia de combater com regularidade o crime organizado
nessas comunidades “durante a pandemia”.

Curiosamente, em recente audiência pública com o ministro Fachin, autor da liminar inconstitucional depois aprovada por maioria em plenário, um jovem colega, que disse representar no evento a chefia do MPRJ, não só fez elogios a essa
aberração injurídica como sugeriu ao ministro que estabelecesse critérios detalhados sobre quando, como e onde as polícias fluminenses poderiam realizar suas operações.
O colega, não tenho dúvidas, agiu com as melhores intenções, o que no entanto não afasta o fato de que a política de segurança pública é atribuição do Poder Executivo (sujeito ao controle democrático do voto popular), não podendo ser ditada por juízes não eleitos e vitalícios.
O estado do Rio de Janeiro passa por um momento no qual, penso eu, um novo olhar sobre esses milhões de cariocas e fluminenses humildes, entregues à própria sorte pela infeliz e ilegal decisão do STF, talvez fosse mais urgente do que a questão da violência contra o setor LGBT.
Violência perpetrada por criminosos contra inocentes é SEMPRE condenável.

Mas quando se trata de políticas públicas, prioridade é tudo.

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30 Jun
🎼 SUPERFANTÁSTICO, O BALÃO MÁGICO 🎶
🎵 (o mundo fica bem mais divertido...) 🎶

Vou mencionar aqui alguns dos 46 signatários do “superpedido” de impeachment:

- Sônia Guajajara, a índia do PSOL que foi vice do Boulos;

- o Boulos do PSOL (de quem a índia foi vice); Image
- o presidente do PSOL;

- a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (apelidada na lista da Odebrecht de “a amante”);

- o presidente do PDT, Carlos Lupi;

- o presidente do antigo PCB (esqueci o novo nome do partido), Roberto Freire;
- o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (aquela entidade que se calou quando recentemente o STF mandou prender um jornalista, pela primeira vez desde a redemocratização - nunca ouvi falar no tal presidente);

- o presidente da UNE (mas que surpresa, hein?);
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17 Jun
O NELSON HUNGRIA DAS ALAGOAS

O renomado jurista Renan Calheiros, autoridade internacionalmente reconhecida em Direito Penal, acaba de anunciar que vai incluir o ministro Queiroga, da Saúde, na condição de investigado.
O “crime” pelo qual Queiroga se tornará investigado, conforme declarou o próprio Calheiros na reportagem abaixo, é “falar em tratamento precoce e uso de cloroquina”.
Só para esnobar a nós, pobres ignorantes em Direito Penal, o “Nelson Hungria das Alagoas” não disse em que lei e em que artigo está previsto o hediondo delito pelo qual será o ministro investigado.
Facilita aí pra gente, senador!
Read 4 tweets
16 Jun
EXCESSO DE AUTORITARISMO, FALTA DE LEITURA (2)

Conforme comentei hoje mais cedo, em outra postagem, os sigilos telefônico, bancário, fiscal etc servem para proteger a privacidade e a intimidade dos cidadãos. As quebras desses sigilos são medidas excepcionais, justificadas pela Image
legislação quando necessárias para apuração de CRIMES (por exemplo: corrupção, lavagem de dinheiro, peculato, tráfico de drogas etc).

Depois de autorizar a quebra de sigilo de médicos por defenderem o tratamento precoce (criando assim o "crime de manifestação de opinião médica"
), a aparentemente incansável ministra Rosa Weber acaba de autorizar a quebra de sigilo telefônico e telemático de um empresário pelo "crime" de - atenção! - aconselhar o presidente da República.

Faltou apenas dizer qual o dispositivo lagal que prevê tão hediondo delito.
Read 6 tweets
16 Jun
EXCESSO DE AUTORITARISMO, FALTA DE LEITURA

É inacreditável!

Os sigilos telefônico, bancário, fiscal etc servem para proteger a privacidade e a intimidade dos cidadãos. As quebras desses sigilos são medidas excepcionais, justificadas pela legislação quando necessárias para Image
apuração de CRIMES (por exemplo: corrupção, lavagem de dinheiro, peculato, tráfico de drogas etc).

A ministra Rosa Weber acaba de autorizar a quebra de sigilo fiscal e bancário de MÉDICOS que defendem o tratamento precoce; sem sequer tentar disfarçar, a ministra apresenta, como
justificativa para medida tão excepcional, simplesmente a OPINIÃO MÉDICA que esses profissionais defendem e manifestam.

Essa senhora acaba portanto de “criar” o “crime de manifestação de opinião médica”.

Mais uma vez se confirma o acerto das palavras do grande jurista
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12 Jun
A “LUZ DA CIÊNCIA” E O APAGÃO DA DEMOCRACIA

Ontem, a CPI 🎪 da COVID ouviu dois oposicionistas de carteirinha: uma microbiologista midiática que nunca tratou de um paciente sequer, e que transita entre o histrionismo e a histeria, e um médico simpatizante assumido de Lula.
Até aí, tudo bem.

Ocorre que a mesma CPI convidou para depoimento na próxima semana outros dois profissionais da área de saúde com posições opostas aos dois acima mencionados sobre essa doença nova, a respeito da qual as dúvidas ainda são maiores que as certezas, com inúmeros
estudos chegando a conclusões diferentes.

A ideia é correta. Medicina não é ciência exata, e através do debate, com contraditório assegurado, o conhecimento médico tem evoluído ao longo dos séculos.
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12 Jun
A REDE DE DESINFORMAÇÃO É OUTRA, DONA NATÁLIA...

Além da falta de compromisso com a verdade, o ex-jornalismo do Grupo Globo, em nome da obsessão antibolsonarista, parece ter também abandonado qualquer preocupação com a ética.
Na reportagem abaixo (O Globo de hoje, 12/6/2021) a jornalista Natália Portinari alega que “canais na internet, entre eles de apoiadores de Bolsonaro, ganharam dinheiro disseminando notícias falsas sobre a pandemia”.
No topo do que a jornalista chama de “lucrativa rede de desinformação”, está ninguém menos que o veterano jornalista Alexandre Garcia, que durante décadas trabalhou para o Grupo Globo, até ser contratado, há relativamente pouco tempo, pela CNN.
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