Eu moro num país em que um monstro enxergou na pandemia a oportunidade que buscava para gerar o tumulto necessário para que, com medidas de exceção, fosse eternizado no poder, dando fim a mais uma jovem democracia...
O tumulto não veio. Mas as mortes vieram. Direta ou indiretamente, mais de 400 mil ligadas à postura do monstro. O país tem menos 3% da população do planeta, mas mais de 13% dos óbitos por covid-19.
As forças que poderiam contê-lo dizem que nada farão enquanto a população não organizar paradas quase carnavalescas com aglomerações totalmente contraindicadas em um contexto de pandemia.
As paradas quase carnavalescas precisam arrastar milhões às ruas. E em sequência. E em um crescente. E, mesmo sem catracas que contenham o acesso de pessoas de má índole, e apesar da indignação de todos os que perderam amigos e parentes para a tragédia, precisam ser pacíficas.
Enquanto isso, parte das forças que podem conter o monstro rouba o que pode da verba destinada ao socorro da população. E não deve se mexer enquanto não garantir que o comando do legislativo tenha uma maioria indicada por ela, garantindo que não será punida por tanto roubo.
Outra parte prefere apostar na ruína. Para que, num futuro próximo, volte ao centro do poder como dono da razão, ainda que para governar sobre escombros. Pois está nitidamente mais preocupada em voltar ao poder do que conter as mortes provocadas pelo monstro.
E mesmo as pessoas mais razoáveis deste país não percebem o absurdo de uma nação condicionar a própria salvação à organização de paradas quase carnavalescas, lotada por milhões que deveriam se isolar, frequentes, crescentes e milagrosamente pacíficas.
Eu me sinto acompanhando o roteiro de uma tragicomédia surrealista. Daquelas que a gente se levanta no meio do filme e sai. Porque é impossível de se acreditar em tanto absurdo. E porque não tem a menor graça.
(Ali em cima era "comando do judiciário".)
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Falando como leigo, e sem querer gerar mais uma discussão infinita e improdutiva sobre liberalismo, quando mergulho nos livros de história e acervos de jornais, observo o termo representar três grupos distintos:
Até as guerras mundiais, representa um grupo de intelectuais que defende as democracias como motores econômicos.
Durante a guerra fria, passa a representar um grupo de políticos que coloca a economia acima da democracia.
Na última década, contudo, o termo é adotado (ou sequestrado) por um grupo de empresários que entendem a democracia como um obstáculo para a economia.
Eu não vou nem falar de paywall. Vou falar de outra coisa.
Existe uma agenda anti-imprensa. Ela é multipartidária, ainda que seja mais forte em uns partidos do que em outros. Pior do que isso, ela está enraizada em nossa cultura...
Eu mesmo contribuí bastante para que essa agenda seguisse adiante. Mesmo no meu curso de jornalismo, era comum ver alunos (muitos) e professores (poucos) pregando contra a imprensa. Mas a coisa era anterior a isso.
Lembro de a própria imprensa explicar que "Não Enche", de Caetano Veloso, era uma dura crítica à imprensa. E que "Freedom! '90", de George Michael, era outra. Dava play no álbum do Mundo Livre, e estava lá Fred Zero Quatro cantando que "jornalistas mortos não mentem".
Nessa altura do campeonato, e sem considerar eventos imprevisíveis (como queda de jatinho, atentado a faca, etc), podemos afirmar o seguinte:
1. São grandes as chances de Jair Bolsonaro não conseguir se reeleger.
2. Como em 2018, ele estimulará o próprio eleitorado a filmar o processo de votação nas urnas eletrônicas.
3. Alguns problemas ocorrerão, pois sempre ocorrem, mas serão estatisticamente irrelevantes.
4. Contudo, mesmo estatisticamente irrelevantes, trarão números absolutos que correrão o WhatsApp, rendendo, portanto, a narrativa que Bolsonaro persegue há tempos com esse papo de voto impresso.
Estadão, dezembro de 2018:
"O futuro ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, disse ao Estado que o governo Jair Bolsonaro fará uma “intervenção imediata” nos hospitais do Rio com gestão federal. Segundo ele, esses hospitais seriam dominados por milicianos."
Em fevereiro de 2019, Bebianno revelou ter fortes indícios de que ameaças sofridas pela comitiva do Ministério da Saúde tinham partido de milicianos. g1.globo.com/politica/blog/…
Um “eu avisei” do bem. Não sei se muitos prestaram atenção, mas França estava em 2020 mendigando voto bolsonarista. Algo que Doria fez em 2018, não estou me fazendo de louco.
Mas o ponto é: sempre que as opções forem ruins, precisamos votar para reduzir o estrago. Sempre.
Deixa eu tentar ser mais franco. Mas, ao mesmo tempo, mais polido. Espero que eu consiga.
Os mais de 55 milhões de votos confiados a Bolsonaro em 2018 foram 55 milhões de graves erros. Indiretamente, levaram à morte centenas de milhares de brasileiros...
O argumento de que a corrupção do outro lado causaria tantas mortes quanto as sabotagem que sofremos no combate à covid-19 é, me desculpem a sinceridade, constrangedor. Minha sugestão é de que o abandonem o quanto antes.
A política corriqueiramente nos coloca em situação em que somos obrigados a escolher entre duas opções ruins. Numa situação dessas, quase nunca as duas opções serão igualmente ruins. Haverá quase sempre a ruim e a pior.