O GOLPE DO SEMIPRESIDENCIALISMO: Agora, Lira acena para o mercado com uma gambiarra, isto é, em vez de abrir o impeachment de Bolsonaro, ele diminuirá os poderes presidenciais. Isso seria uma indulgência com o Capitão e um ataque a uma eventual nova presidência de Lula (1/10).
Diante do avançar das denúncias, perder parte dos poderes - e das responsabilidades - poderia ser um bom negócio para Bolsonaro. E tirar os poderes de um eventual novo presidente, que pode ser Lula, será um ótimo negócio para a direita, mas novamente ruim para o Brasil (2/10).
É evidente que cogitar uma mudanças dessas, no calor do momento, é um casuísmo. E dos mais oportunidades. Essa hipótese já foi levantada algumas vezes nos últimos tempos, sobretudo por Barroso, que se ocupa de tudo, como sabemos (3/10).
O tal semipresidencialismo é uma tremenda confusão teórica, não um conceito constitucional ou político. Ele fui criado na imprensa para descrever o sistema francês da 5ª República, que se inspirava no sistema alemão da República do Weimar, só depois teorizado (4/10).
Basicamente, ele busca explicar sistemas de governo nos quais há um presidente e um primeiro-ministro, e eles coexistem com algum equilíbrio de poder. Isso, vejam, não nasce como um sistema, mas com um arranjo político improvisado por questões internas (5/10).
Na França de 1958, a mudança veio junto de uma reforma eleitoral pronta a dar maioria à direita. E o presidente, no duro, dividiria poderes com o premiê só aparentemente, porque os gaulistas teriam maioria parlamentar para o premiê ser chefiado pelo presidente (6/10).
A coisa deu ruim quando a esquerda passou a disputar com a direita. Em 86, Mitterrand, primeiro presidente de esquerda, perdeu as eleições parlamentares e teve de conviver com um premiê de direita (Chirac). Em 97, os socialistas deram o troco no presidente Chirac (7/10).
Os franceses depois jogaram a eleição parlamentar para meses depois da presidencial, mantendo o sistema distrital puro de dois turnos. Tudo para favorecer o vencedor da eleição presidencial que, a partir daí, passou a ter maiorias artificiais (8/10).
Até aí, a chamada Coabitação gerou muitas crises na França. Sim, mesmo na França. O Peru, que não é considerado um semipresidencialismo, mas possui presidente e premiê, nem por isso deixou de viver várias crises aqui do nosso ladinho (9/10).
Ou seja, o que Lira quer é se salvar pessoalmente e, junto disso, minar a participação popular - o que é uma agenda sempre popular entre as minorias que estão ganhando muito em cima da fome do povo. Olho nisso, olho nele (10/10).
P.S.: Algo parecido foi o parlamentarismo no Brasil em 1961, quando depois da renúncia de Jânio Quadros e a tentativa de impedir Jango de virar presidente, o Congresso tirou os poderes presidenciais. Foi um desastre que ajudou a chegarmos ao golpe de 1964.
P.S.B.: Ainda que mantivesse características de semipresidencialismo, esse conceito torto, a experiência brasileira de 1961-63 sempre foi descrita como parlamentarismo. O casuísmo dali é o mesmo daqui.

• • •

Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh
 

Keep Current with Hugo Albuquerque

Hugo Albuquerque Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

PDF

Twitter may remove this content at anytime! Save it as PDF for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video
  1. Follow @ThreadReaderApp to mention us!

  2. From a Twitter thread mention us with a keyword "unroll"
@threadreaderapp unroll

Practice here first or read more on our help page!

More from @hugoalbuquerque

17 Jul
O "republicanismo" brasileiro tem menos a ver com Maquiavel ou uma base cristã. Parece uma coisa indulgente de fundo religioso, mas contradiz a natureza básica da política e, pasmem, do cristianismo. Onde querem chegar nossos republicanistas (1/5)?
Não é possível dissolver a conflituosidade da política. Isso não é questão de afirmar o simplório, e mal-intencionado, binarismo amigo-inimigo de Schmitt, não: é que não possível construir alianças reais sem considerar o conflito eventual, inclusive entre aliados (2/5).
Esse republicanismo mais parece um mecanismo de defesas de massas, como a clivagem/dissociação para a Psicanálise, e também pode variar para a ordem da formação reativa. Uma neurotização de gente bem pensante em relação à psicose que tomou extratos da nossa sociedade (3/5).
Read 5 tweets
16 Jul
Mesmo se o @_makavelijones estivesse errado em festejar a eventual morte de Bolsonaro, e ele não estava, na medida em que o governo respondeu com uma agressão racista, ele passaria a estar certo. Isso ensina algumas coisas (1/7):
A maneira como Jones colocou o governo em xeque comprova uma coisa: o modo que a esquerda mais institucional e a centro-direita agem em relação a Bolsonaro é ineficaz, ao oferecerem a outra face a um adversário que deveria ser expulso a chibatadas do Templo (2/7).
Sim, a referência à moral cristã que eu fiz é para mostrar que tucanos "democratas" e o grosso da esquerda não entenderam a própria moralidade cristã que tentam reproduzir no trato a Bolsonaro: o Bolsonarismo é uma arma pronta a neutralizar isso (3/7).
Read 7 tweets
16 Jul
Bisonha a cobertura sobre o PIB chinês do 2º trimestre: "desacelerou para alta". Bom, os 7,9% de crescimento agora são maiores do que os 6% do 2º trimestre de 2019, período anterior à pandemia -- e com as exportações em alta. O que isso significa (1/5)?
Como eu cantei a bola aqui, os EUA não têm como, simplesmente, colocar a China de escanteio e diminuir o nível de comércio drasticamente com ela. Se fizer, pode até substituir parte das importações chinesas, mas o que entrar será mais caro, forçando a inflação (2/5).
Planejadores chineses estão, inclusive, mais pessimistas do que esses números -- que se aproxima mais do que o FMI e o Banco Mundial preveem para a China, diante da política expansionista de Biden. Eles estão preparados para responder a cenários de piora (3/5).
Read 6 tweets
12 Jul
Em Cuba, Díaz-Canel precisará mais e mais se reportar ao público. Silenciou demais sobre o torniquete que fariam com Cuba durante a crise sanitária-- e deve sempre lembrar da lição de Fidel de nunca se quedar ao triunfalismo (1/5).
Cuba fez um trabalho notável de combate à Covid-19, criando vacinas e protegendo seu povo. Ainda, enviou batalhões de médicos ao mundo. Só esqueceu, no meio da confusão, de articular com seus parceiros um plano de abastecimento mais robusto e de dar o tom da situação real (2/5).
As reformas que Cuba iniciou antes da Pandemia gerariam dores do parto. E havia questões duvidosas sobre o novo câmbio adotado pela Ilha. Mas era necessário, à moda de Fidel em contraposição a certo triunfalismo do Leste Europeu, informar as massas sobre as más notícias (3/5).
Read 6 tweets
10 Jul
Bolsonaro está obviamente em desespero. E com sintomas físicos. A semana que vem será chave para sua sobrevivência política.E talvez só lhe reste a saída do golpe, o que é sempre arriscado em um momento de queda da popularidade. Listemos as três principais bombas (1/7):
1. O depoimento da viúva de Adriano da Nóbrega, o executor das milícias eliminado em uma ação suspeitíssima ano passado. Isso tem potencial de esclarecer detalhes da morte de Marielle e da ligação do clã Bolsonaro com a milícia (2/7);
2. A divulgação do áudio da reunião presencial entre os irmãos Miranda e Bolsonaro. Se isso não tem o potencial de destruir Bolsonaro diretamente -- e pode ter --, ao menos atinge aliados poderosos dele no Congresso além de Ricardo Barros (3/7);
Read 7 tweets
9 Jul
PT segue como partido favorito no Brasil. O equilíbrio das forças política, insisto, é o mesmo desde 1989. A diferença é que não há na direita uma instituição como PT, o que se revela por figuras como Bolsonaro/Collor não terem tido partidos fortes. O que isso quer dizer (1/7)?
Primeiro que a direita nacional é pré-moderna, no sentido de não buscar construir uma representação partidária, mas se apoiar, diretamente, em redes fluídas de interesses de suas frações -- que sustentam, de tempos em tempos, um líder personalista (2/7).
O Neoliberalismo permitiu isso. Do Império para a República, a oligarquia brasileira se desmodernizou, saíram os liberais e conservadores, vieram a miríade de partidos republicanos. Depois, com Vargas, criar algo como a UDN se tornou imperativo (3/7).
Read 7 tweets

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3/month or $30/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!

Follow Us on Twitter!

:(